Saturday 28 August 2010

AS FÉRIAS DO PRESIDENTE

Presidência: Cavaco Silva no Algarve abre portas ao CM

“Os portugueses estão enganados quanto às férias do Presidente”

O escritório do Presidente tem passagem para a piscina, onde um grupo de crianças, entre as quais alguns dos seus netos, se divertia.

Muito bronzeado, de pólo e calções, o Presidente recebe-nos no seu pequeno escritório na Casa da Gaivota, na aldeia da Coelha, em Albufeira, sua residência de férias vai para 13 anos, localizada numa pequena rua sem saída para o trânsito. A mulher, Maria Cavaco Silva, aparece também para um cumprimento rápido, com uma braçada de roupa lavada. "Trabalho de férias!", explica, no tom de lamento de quem tem de fazer a lida de casa. E é para falar de férias, das suas férias, que o Presidente nos recebe.

Sentado numa secretária simples, cheia de papéis, que nos diz serem os diplomas que tem de analisar, Cavaco Silva vai directo ao assunto: "As férias de um Presidente da República são muito limitadas, porque é um órgão unipessoal, não tem substituto, e existem muitos assuntos que não podem esperar. Por isso, todos os dias de manhã, dedico-me ao exercício das minhas funções de Presidente da República aqui neste pequeno escritório." Um espaço situado na parte de trás da casa e aberto para um jardim com piscina, onde um grupo de crianças, entre as quais alguns dos netos do Presidente, se diverte. Nas paredes há retratos do Chefe de Estado, imagens da sua actividade política, com mais de 30 anos, e, até, a reprodução de um cartoon de António sobre as últimas presidenciais (que Cavaco ganhou logo à primeira volta, com mais de 50 por cento dos votos).

Entre as matérias inadiáveis mesmo em tempo de férias estão os diplomas do Governo e da Assembleia da República – a propósito, o Presidente recorda que tem apenas 8 dias para decidir se consulta ou não o Tribunal Constitucional e 20 dias para decidir sobre a promulgação ou o veto. "Este ano tive 37 diplomas para ler e para analisar. Ainda estão aqui alguns, que chegaram há pouco tempo", diz, apontando para os dossiês. À lembrança vem o "jipe cheio de diplomas" das férias do ano passado, mas o Presidente frisa que agora são bastante menos.

A análise e o estudo dos diplomas é "uma matéria que absorve muito, muito tempo", mas está longe de ser exclusiva. "Os portugueses estão muito enganados quanto às férias do Presidente", comenta, explicando que, além do controlo da actividade legislativa do Governo e da Assembleia da República, há toda uma série de assuntos que exige a sua atenção durante as férias, como: a nomeação de embaixadores para o estrangeiro e a acreditação de embaixadores em Portugal; as respostas a cartas de chefes de Estado e as mensagens que há que lhes enviar, de felicitação ou pesar, conforme os acontecimentos nos respectivos países; a análise dos convites que lhe são dirigidos – "O Presidente da República recebe, em média, quatro convites por dia para cerimónias oficiais" –; a assinatura dos decretos de promoção a oficial general e, é claro, o acompanhamento da situação nacional e da actualidade internacional.

"Quase todos os dias há um automóvel que vem de Lisboa com documentação que tenho de despachar ou dossiês que tenho de analisar, e há matérias cuja delicadeza exige a presença do Chefe da Casa Civil", refere o Chefe de Estado, adiantando que antes de nos receber tinha estado precisamente reunido com Nunes Liberato.

Em resumo, "as férias do Presidente nunca são férias completas; não há possibilidade, porque não há um substituto, tem de ser ele próprio a analisar e a decidir". No final, "resta algum tempo para ir de vez em quando para a praia, dar um mergulho e nadar um pouco", e para ler.

No dia em que nos recebe, a ida à praia é trocada por uma visita à quinta herdada do pai e ainda um passeio pelas arribas à frente da casa e uma caminhada no passadiço da lagoa dos Salgados, para observar os flamingos. De binóculos.

"APRECIO ALEGRE COMO POETA"

Em tempo de férias, a pergunta impõe-se: que livro ou livros está a ler? Cavaco Silva aponta para uma pequena pilha de livros sobre uma mesa e enumera alguns exemplos: a ‘A Casa-comboio’, de Raquel Ochoa (a quem o Presidente entregou o Prémio Literário Revelação Agustina Bessa-Luís), ‘Portugal, o Sabor da Terra’, de José Mattoso, um livro de Luís Rosa sobre a guerra na Guiné e... livros do Manuel Alegre? O Presidente sorri perante a ‘provocação’ e responde, surpreendendo-nos: "Sabe, tenho praticamente todos os livros do Manuel Alegre, e com dedicatórias. A minha mulher, desde sempre, guardou os livros dele e eu, quando o encontrava, pedia-lhe que os autografasse." É, remata, "uma pessoa que aprecio como poeta".

"OS GOVERNOS NÃO PRECISAM DE TER A CONFIANÇA POLÍTICA DO PRESIDENTE"

O tema da conversa com Cavaco Silva são as férias, mas o Presidente não se furta a responder a algumas perguntas sobre questões que marcam a actualidade política nacional, como a polémica à volta do projecto de revisão constitucional do PSD.

O Chefe de Estado começa por assumir o seu papel de guardião da Constituição, desta Constituição: "Estou a exercer as minhas funções à luz da Constituição que está em vigor e que eu jurei cumprir. E, para mim, a palavra ‘jurar’ tem muito significado e, por isso, confirmo o texto da Constituição que jurei cumprir e fazer cumprir. Não quer isto dizer que concordo ou não com todo o conteúdo da Constituição. Não é isso que está em causa. Agora eu sou Presidente no contexto desta Constituição, não de outras."

Interrogado sobre os que o criticaram por promulgar diplomas com os quais não concorda plenamente, como o das uniões de facto, Cavaco Silva riposta: "Esse diploma sofreu alterações na Assembleia que foram, em geral, ao encontro das observações que fiz. Mas, como todos os Presidentes da República disseram e escreveram, com alguma frequência os presidentes não concordam com a totalidade das normas jurídicas de um diploma, isso é o mais normal".

Sobre os poderes presidenciais e as relações com o Governo, não se coíbe de sublinhar as limitações impostas pela Constituição: "Basta ter presente o nosso sistema constitucional. Mudou o Presidente e nem por isso mudou o Governo; isto é, os presidentes que chegam de novo recebem um Governo que foi nomeado por um outro Presidente." Os governos, frisa, a propósito, "não precisam de ter a confiança política dos Presidentes, nem respondem politicamente perante o Presidente da República. Nos termos constitucionais, respondem politicamente perante a Assembleia da República." E conclui com um recado: "Foi por isso que, há dias, disse que os nossos comentadores estivais deviam ler o livro vermelho de Vital Moreira e Gomes Canotilho, porque analisa bem, quanto a mim, como devem ser exercidos os po-deres presidenciais".

PROMULGAÇÕES EM DIAS DE DESCANSO

O Presidente da República recebeu este ano 37 diplomas para analisar e, durante as férias no Algarve, promulgou alguns de grande importância, como o das uniões de facto, o pacote anticorrupção, o Estatuto do Aluno, as alterações ao Código de Execução de Penas e, anteontem, o diploma sobre os chips, ou seja, sobre o pagamento das auto-estradas sem custos para o utilizador (Scuts).

"A GUINÉ-BISSAU É PREOCUPANTE"

Um dos assuntos que mais preocupam o Presidente, mesmo em férias, diz respeito à situação que se passa na Guiné-Bissau, onde se coloca "a interrogação sobre a subordinação do poder militar ao poder civil". "Não podemos esquecer que houve o assassinato de um Presidente e do chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, que foi nomeado depois um outro, que, neste momento, está preso [Induta]."

CORREIO DA MANHÃ 28-08-2010

Por José Rodrigues

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