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Tuesday 23 August 2011

ENTREVISTA DE D. DUARTE PIO À VISÃO EM 2006



Entrevista a D.Duarte pela revista Visão, 2006

Novembro 17, 2008

Paiva Monteiro

Um maço de cigarros Sampoerna, made in Indonésia, numa mesinha baixa, denuncia uma viagem recente a Timor. As cadeiras de estilo, os quadros que nos espreitam, antigos reis, o condestável Nun’Álvares, os pais e avoengos do dono deste solar sintrense, o jardim inglês, imponente mas um pouco lúgubre, lá fora… Estamos num livro de Os Cinco. E se o cão Tim aqui estivesse, não pararia de rosnar. Por baixo de um enorme óleo sisudo de D. Miguel I, duas bicicletas de criança e uma bola de futebol indicam que há vida para lá do silêncio deste «castelo» assombrado. Por aquela porta, poderá entrar, com efeito, uma assombração. E ei-la que entra mesmo. No seu bigode de D. Quixote, no seu fato príncipe de Gales tão fora de moda como o resto. D. Duarte, 61 anos, senta-se e sorri. Um belo sorriso. Por baixo daquelas melenas desgrenhadas, há uma pessoa ingénua, aqui, malandreca, ali, irónica, acolá, que se humaniza, se emociona, conversa, pensa e seduz. Surpresa: saímos muito mais monárquicos do que entrámos.

VISÃO: Duarte Pio João Miguel Gabriel Rafael. É este o nome que consta do seu BI?

D. DUARTE PIO: O facto de ter muitos nomes próprios, por tradição familiar, remete para santos que acreditamos que nos protegem. Miguel, Gabriel e Rafael são os nomes dos três arcanjos… Curiosa foi a situação do Afonso [filho primogénito, 10 anos]. Quando fui fazer o registo, disseram-me que tinha nomes a mais. Pedi que se pusesse Afonso de Santa-Maria, com hífen… Mas disseram-me que não, que ficava com nome de futebolista espanhol! Lá tive de escrever uma carta ao ministro da Administração Interna, para autorizar. No meu BI está apenas Duarte Pio de Bragança.

O seu padrinho foi o Papa Pio XII…

Pio XII era amigo do meu pai. Simultaneamente, foi meu padrinho e do príncipe Hans-Adam, do Liechtenstein. O baptizado foi na Suíça, com a presença do Núncio Apostólico, em representação do Papa.

Mas veio a conhecê-lo?

Conheci-o. Fui ao Vaticano, várias vezes, com a minha família. Era uma pessoa extraordinária, com uma personalidade fortíssima. Da primeira vez, fomos de comboio, desde a Suíça…

E a sua madrinha foi quem?

Foi a rainha D. Amélia. Pouco tempo antes, tinha havido a reconciliação entre o lado legitimista da família, que descendia do meu bisavô D. Miguel, e o lado da monarquia constitucional, do meu trisavô D. Pedro IV.

Falava-se, em sua casa, dessa desavença, que originou uma guerra civil em Portugal, no séc. XIX?

Falava-se. Era a razão pela qual estávamos no exílio. E só voltámos a Portugal em 1953.

E uma criança como D. Duarte percebia o que era o exílio?

Percebia que não podia voltar ao nosso país.

Mas Portugal era uma realidade distante, não era bem o seu país…

Mas só se falava português, em casa. Mesmo os meus amigos aprenderam a falar português. Recebíamos portugueses, líamos livros, e cheguei a vir, várias vezes, a Portugal sem os meus pais, com a minha tia Filipa, que vivia em Serpins. Tomava banho no rio Ceira, brincava com os filhos da moleira… Fiquei com um grande encanto pelas casas com iluminação a petróleo. Já na Força Aérea, reconheci o cheiro dos combustíveis…

E ainda voa?

Até há pouco tempo, com um comandante meu amigo, pilotei um helicóptero, no combate aos incêndios… Infelizmente, ele já faleceu e, desde então, não voei mais.

O seu pai, D. Duarte Nuno, anunciou o seu nascimento, em Maio de 1945, fazendo referência às «primeiras horas da paz». E saudou a vitória dos aliados…

Lembro-me das conversas sobre a Guerra, já passados anos. Quando Hitler anexou a Áustria, onde o meu pai tinha nascido e vivia, a família deslocou-se para a Suíça.

O seu pai nasceu sobre terra ida de Portugal. E o senhor no consulado português de Berna. Um pretendente ao trono tem de nascer em terra portuguesa?

Um monarca português tem de nascer em território nacional. A única excepção foi a de D. Maria II que tinha nascido no Brasil.

E como se educa um rei?

No sentido da responsabilidade. Temos de prestar um serviço ao País. O meu pai sacrificou-se muito mais do que eu. E não seguiu a carreira profissional que gostava de ter seguido. Era engenheiro agrónomo, mas gostaria de ter sido engenheiro de máquinas.

E por que não?

Porque, na nossa situação, temos de escolher profissões liberais, para não estar dependentes de superiores que mandem em nós.

Os seus filhos, também são educados assim? O Infante Afonso está a ser preparado para assumir o trono?

Tenho essa preocupação. Eles andam em colégios, aqui em Sintra. Mas acho que o importante é terem uma formação intelectual, moral e física sólidas, que lhes permita fazer as suas escolhas, no quadro de uma profissão em que possam também sustentar-se.

Nenhum dos seus filhos quer ser jogador de futebol, por exemplo?

Não, mas a Maria Francisca [9 anos] diz que quer ser toureira – é uma excelente cavaleira, aliás. Ou médica. E quando se zanga com os pais, diz que será médica legista…

E outras actividades próprias de um rei? Equitação, esgrima, polo…

Bem as actividades tradicionalmente praticadas pela aristocracia são hoje praticadas por qualquer pessoa que tenha algum poder económico… Já não é um exclusivo de uma classe… No meu caso são as actividades possíveis. A minha mãe fazia equitação, o meu pai não. Eu tive aulas de equitação, sobretudo no Colégio Militar..

Mas o senhor queria ser aviador.

Aos 16 anos, tirei o meu primeiro brevê, de planador, em Alverca. E havia um aluno, filho de um responsável dos planadores. Ficámos muito amigos, eu ia lá a casa e o pai, um dia, confiou-me um segredo, que eu não podia revelar a ninguém. Que pertencia ao PCP. Nos início dos anos 60, foi uma emoção muito grande para mim… Lá me explicou porquê, o que era aquilo…

Como eram as relações da sua família com Salazar?

O nosso regresso do exílio foi votado pela Assembleia Nacional. Na primeira votação, proposta pelos deputados monárquicos, o projecto chumbou: Salazar mandou votar contra. Mais tarde, foi aceite. Mas Salazar sempre se opôs à restauração da monarquia. Desconfiava das ideias demasiado liberais do meu pai. Aliás, o meu pai ainda esboçou um documento a pedir uma abertura política, mas teve de ceder a fortíssimas pressões de monárquicos conservadores e recuou. Salazar tinha simpatia pessoal pela minha tia Filipa, mas uma grande desconfiança em relação à outra tia, Maria Adelaide, que achava muito «esquerdista»…

Acha que o Estado Novo receava a Família Real?

Havia sobretudo uma grande preocupação de equilíbrio de forças entre maçonaria, republicanos, monárquicos… Salazar queria dividir para reinar. Mas dizia que a família real era uma reserva nacional.
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Apesar disso, não seguiu o exemplo de Franco, que preparou o regresso da monarquia…
Não, ele sempre se opôs.

Quando começou a perceber quem era e o que representava?

Comecei a perceber melhor já em Portugal, na escola portuguesa. Nas festas de aniversário em gaia, em Coimbrões em Coimbra (São Marcos) chegavam a aparecer 20 mil pessoas nas festas do 1.º de Dezembro. Uma vez cumprimentei 12 mil pessoas! Utilizei uma máquina na outra mão, para as contar…

O regime impediu-o, durante algum tempo, de frequentar o Colégio Militar…

Foi o Presidente Craveiro Lopes que, tendo jurado fidelidade à República, não concebia a ideia de admitir o herdeiro real na instituição. Muita gente não percebe que a fidelidade à república é às leis vigentes. Que não são estáticas. As instituições republicanas não são incompatíveis com a existência de um rei. Várias nações europeias são repúblicas com rei. O Rei é o grande defensor das instituições, da unidade nacional, da soberania.

No Colégio Militar, participou num levantamento de rancho…

oi uma espécie de greve académica! Um professor tinha cometido uma grande injustiça com um aluno. Os graduados do 7.° ano fizeram levantamento de rancho e foram todos expulsos. O levantamento passou para o 6.° e foram também todos expulsos. Depois passou para o 5.°, que eu frequentava. Aí, a direcção do Colégio negociou e reintegrou toda a gente. E, olhe, ganhámos!

É adepto de algum clube?

Era do Benfica, porque era o clube que não tinha estrangeiros. Depois…

E os seus filhos?

Quando o Dinis [7 anos] foi baptizado, no Porto, o FC do Porto inscreveu-o como associado. E tornou-se um portista fanático. A Maria Francisca é do Sporting. O Afonso diz que não tem clube…

Não tem ou, como herdeiro da coroa, não está autorizado a revelá-lo?…

Não, diz que é da selecção. Fomos ver a equipa à Alemanha, no jogo do 3.º e 4.º lugares. Curiosamente, a responsável pelo protocolo era uma princesa prussiana…

E colocou alguma bandeira à janela?

Coloquei, mas foi a azul e branca, a da monarquia…

Convive mal, então, com a bandeira e com outros símbolos nacionais republicanos?

É a única bandeira republicana que manteve um escudo real. Não é mau. Mas não gosto das cores, não concordo com ela… Quando chegou a altura de jurar bandeira, na Força Aérea, o comandante disse-me: ‘Fique doente, em casa…’ E eu fiquei.

Fez o serviço militar em Angola…

No Norte de Angola. Não tínhamos helicópteros, mas pilotei um Dornier 27. Participei em missões de transporte e de reconhecimento. Até que o meu comandante recebeu instruções de Lisboa a proibir-me de voar. O comandante falou comigo e autorizou-me a percorrer o território, visitando chefes tribais, contactando as populações, etc.. Comprei uma moto e percorri as estradas do norte de Angola. Chegava a um quartel onde só era suposto chegar-se em coluna, e ali andava eu, entrava e saía, sempre com liberdade de movimentos…

E ainda tem hoje uma ligação a África.

Sobretudo a Angola e à Guiné-Bissau. Fiquei em casa de famílias guineenses e tive acolhimento caloroso. Muito caloroso. Tão caloroso, que a hospitalidade incluía a companhia de uma sobrinha do chefe da aldeia…

Conte lá isso, conte lá…

Bem, veja lá: eu ia visitar o comandante do quartel local e ele ficava muito admirado por eu não pernoitar… Expliquei-lhe que não podia recusar a hospitalidade daquelas pessoas… Seria uma falta de consideração…

E a companhia da tal sobrinha?

Foi uma companhia muito agradável. Sobretudo depois daquelas festas em que a cerveja de palmeira esbatia bastante as diferenças culturais…

Bem, não lhe pergunto mais nada, a VISÃO é uma revista de família…… [Risos] Voltou a Angola para tentar organizar uma lista de deputados angolanos às eleições de 1973. Porquê?

Estávamos a tentar organizar uma lista de candidatos para as eleições de 1973. Com candidatos angolanos, que concorreriam fora das listas da ANP. Tínhamos apoios fortes, de sectores da administração, e até de franjas ligadas aos movimentos de libertação. Não era uma lista para defender a independência, mas uma maior participação dos angolanos na administração pública, uma maior integração. Marcelo deu-me ordem de expulsão de Angola. O meu pai escreveu-lhe a protestar e ele chamou-me, para tomar um chá no Forte de São Julião da Barra, onde passava férias. Explicou-me que a minha retirada de Angola ficava a dever-se a questões de segurança. Agradeci, mas disse-lhe que o principal responsável da DGS (PIDE) em Angola não sabia nada disso, nem por que razão tinha de me vir embora. Se era só um equívoco, ia lá voltar. Ele irritou-se e disse que não admitia o meu projecto, e que a minha presença desagradava às forças vivas de Angola.

A seguir, Timor. A primeira visita dá-se pouco antes do 25 de Abril de 1974. Foi visitar o seu amigo Mário Carrascalão, com quem tinha estudado Agronomia, em Lisboa…

Corri todo o território, fiquei em casas de liurais, foi inesquecível. Estive lá um mês.

E no regresso, rebenta a revolução.

Estava em Saigão. O Ministério dos Negócios Estrangeiros disse-me que o Vietname não podia estabelecer relações diplomáticas com Portugal, por causa da política colonial portuguesa. Eu lá lhe expliquei que isso qualquer dia resolvia-se, havia o general Spínola, que estava a agitar as águas, etc. No dia seguinte, foi ele que me deu a notícia: «A sua revolução ganhou! O seu general lá assumiu o poder». Ficou convencido que eu estava por dentro do golpe…

E como reagiu ao 25 de Abril?

De Saigão, fui a Macau e enviei um telegrama a saudar o general Spínola, o MFA e a Junta de Salvação Nacional.

Os monárquicos andavam preocupados com a sua falta de interesse em casar. O que fez muito tarde, aos 50 anos…

Tive intenções de casar, em duas ou três ocasiões. A situação que levei mais longe foi um relacionamento com uma amiga meia russa, meia polaca. Visitei muito a Rússia, nessa altura, era o consulado do Gorbachev. Gostei muito da Rússia, dos russos e até aprendi a língua. Tenho lá amigos. Alguns estavam no KGB e hoje são monárquicos…

Vladimir Putine é uma espécie de Czar?

Acho que sim. Os russos gostam de lideranças fortes, que garantam segurança e estabilidade. Não gostam de um poder fraco. Associam-no a desgraças. Ele tem um estilo czarista.

No seu casamento, em 1995, que foi de Estado, fez questão de convidar o Presidente da República. Porquê?

Tenho grande consideração pelo dr. Mário Soares. Estiveram, também, o primeiro-ministro, Cavaco Silva, membros do Governo e cerca de 70 presidentes de Câmara, metade dos quais comunistas. Foi um casamento muito ecuménico…

Mário Soares, que escreveu um depoimento para a sua biografia, foi preterido por Manuel Alegre, para apresentar o livro, em Lisboa…

Dentro do PS e da intelectualidade da esquerda, em Portugal, é a pessoa mais ligada à tradição e à cultura histórica. E foi o homem que, como deputado, propôs que a República estabelecesse um lugar, no protocolo de Estado, para o representante da Casa Real, o que nunca foi feito. Nunca sabem onde hão-de sentar-me. Deve ser por isso que, agora, recorrem tanto às mesas redondas…

E votou nas presidenciais?

Não voto nas presidenciais. E, nestas eleições, não podia mesmo tomar partido: todos os candidatos eram excelentes. Na verdade, só voto nas autárquicas.

Então, não pode candidatar-se a Belém, apesar dos conselhos do falecido Ronald Reagan.

Com efeito, numa recepção na Casa Branca, ele tentou convencer-me a candidatar-me. Disse que Portugal era o mais seguro aliado dos EUA, com o Reino Unido, e que, pelo contrário, de Espanha nunca era de esperar nada de bom. Mais, não se importava de ver uma monarquia no nosso país. Não sendo possível, porque não candidatar-me, para o povo me ir conhecendo e para poder preparar esse caminho? «E se eu perco?», contrapus. «Não perde.» Bem, Claro que nenhum monárquico português concordou com a ideia…

Assim, nos tempos livres, dedica-se à agricultura…

Tenho a minha horta e cultivo os meus próprios legumes biológicos. E também racho a minha lenha. E tenho um excelente jardineiro, que trata muito bem das coisas.

Costuma viajar por todo o Mundo, representando o que diz ser a «marca Portugal». De onde vêm os fundos para essas viagens?

A Fundação D Manuel II suporta as viagans de carácter mais oficial. A Timor, Angola, no quadro de programas da fundação. Por exemplo, recentemente, na Guiné, estabelecemos um serviço de certificação de produtos de agricultura biológica. Agora, para ir a casamentos, já são despesas particulares. Mas enfim, viajamos em turística, ficamos em casa de amigos…

E de onde vêm os seus rendimentos?

Sobretudo de prédios arrendados, alguns com rendas muito antigas. No Chiado, em Lisboa, tenho uma inquilina com 110 anos, a D. Maria Luísa…

Ena! Do tempo da monarquia!

Exactamente. E, de vez em quando, lá vou tomar chá com ela. Fartamo-nos de conversar. E a D. Maria Luísa não se cansa de falar da rainha D. Amélia…