Friday 22 October 2010

ENTREVISTA COM MARIANA REY MONTEIRO

14 de Janeiro de 2003

Entrevista de Adelino Gomes: A actriz que tinha um conservatório em casa

21.10.2010

Tem saudades de tudo. Dos ensaios, das noites da estreia, da representação, das palmas, das críticas. Sobretudo das que magoavam e que a fizeram crescer. Mariana Rey Colaço Robles Monteiro, actriz, filha do mais famoso casal do teatro português do século XX, numa entrevista que assinala os seus 80 anos de vida

Os achaques da idade levam-na a cortar com as persianas a adorada luz de Lisboa. Na semipenumbra do salão, sobressai uma fotografia da mãe. Outra do marido, falecido quando ela tinha 35 anos. Sobre uma mesinha, no recanto onde recebe o PÚBLICO, no último andar de um alto prédio da Avenida Infante Santo, em Lisboa, um pequeno livro encadernado a verde com uma placa evocativa: Debute de Marianinha 20 de Abril de 1946 lembrança de Sara e Salomão.

PÚBLICO - Esta entrevista era para ser publicada sábado passado. Mas a sua agenda carregadíssüna não permitiu o encontro. Apesar de ter abandonado o teatro, ainda mantém actividades correlacionadas?

MARIANA REY MONTEIRO - Não. Estava é nos preparativos da quadra. Tive cá em casa a família mais chegada toda: com três filhos, dez netos e quatro bisnetos e meio (vem a caminho mais um), ao todo somos já 24.

Cessou toda a actividade profissional?

Sim. Infelizmente sofro muito de reumático e tenho crises horríveis. Tem sorte em apanharme agora numa fase relativamente calma nesse aspecto. Saio muito pouco.

Nasceu no palco. Mas a sua estreia só aconteceu aos 24 anos. Antes só tinha pisado o palco aos 12 anos para uma participação num coro, na peça "A Castro", de António Ferreira, no Mosteiro de Alcobaça, não foi?

Foi e não foi. Nasci num ambiente em que não se falava de outra coisa senão de teatro e também de música. O meu avô Alexandre Rey Colaço era compositor. Por vezes também se falava em pintura, porque tinha uma tia muito talentosa, Alice Rey Colaço. A mistura dos sangues dos meus avós deu a vários membros da família sensibilidade artística: o meu avô, que era filho de um francês e de uma espanhola, nasceu em Tânger, estudou música em Madrid, casou com uma filha de uma francesa e de um alemão e foi viver para Berlim! Muitas vezes ponho-me a ver até onde vai a minha memória desses tempos... Mas ainda bem que fala nesse espectáculo ao ar livre em Alcobaça - as pessoas esquecem-se muito depressa das coisas importantes que houve, e os meus pais [Amélia Rey Colaço e Robles Monteiro, donos da empresa que explorou, a partir de 1929, o Teatro Nacional D. Maria II] fizeram coisas muito importantes no campo teatral. Essa foi uma delas. A minha mãe achou que era uma maneira útil para a minha educação fazer parte daquele coro. Quando houve a repetição, tinha eu 18 anos, já não entrei porque os meus pais tinham pavor que eu fosse para o teatro.

Porquê, se a vida deles era essa?

Porque viveram sempre com muitas dificuldades financeiras.

Queriam que a senhora fosse o quê?

Queriam que eu fosse casar com um rei ou com um príncipe, não sei. Adoravam-me. E sofriam muito com a profissão. Tiveram muitas dificuldades em todos os aspectos - as "tournées" pelo país inteiro em instalações precárias e primárias; despesas com o elenco e com a montagem das peças que incluíam Shakespeare, Molière, Schüler, os modernos americanos, a quase totalidade dos modernos portugueses - tudo isto com um subsídio anual de dois mil contos.

Aos 24 anos estreia-se, então.

Mas até lá fiz muitas outras coisas...

... Até chegou a ser secretária na Emissora Nacional (EN)...

... Do [capitão] Henrique Galvão [primeiro presidente da EN], os meus pais eram muito amigos dele. Mesmo depois do corte com Salazar [que levaria Galvão ao comando da "operação Dulcineia", de desvio do paquete "Santa Maria", em 1961] continuou sempre a ser nosso amigo. Os meus pais acharam que já não podiam resistir [à insistência de Mariana em seguir o teatro]. E então ajudaram-me da maneira mais extraordinária...

... Eles próprios a dirigiram...

A maior parte da minha carreira profissional foi dirigida por eles.

Mas essa estreia foi especial: Júlio Dantas, amigo deles, adaptou a "Antígona", de Sófocles, para a senhora. Não foi um peso excessivo, esse nome que transportava consigo? Para o bem e para o mal. Quando me estreei tive uma grande luta comigo mesma sobre o nome que havia de escolher. Não queria magoar nem a minha mãe nem o meu pai. Daí Rey Monteiro. Agora a minha neta Mónica, quando se estreou há quatro ou cinco anos, também não quis que o nome Rey Colaço lhe fosse abrir as portas ou se tomasse um "handicap". E por isso ficou com o apelido do pai, Gamei.

Contaram-me, não sei se é lenda, que lhe chamavam, com boa intenção, claro, a "filha da mãe".

Sim, sim, sim. Como à minha mãe, coitadinha, como houve o incêndio do Nacional [em 1964] e mais tarde do Avenida [1968] passaram a chamar-lhe "a incendiária". São graças.

Esse peso familiar acompanhou-a sempre no palco?

Acompanhou. Numas partes ajudou. Mas tive sempre a preocupação instintiva de corresponder às exigências. Era um incentivo, uma chicotada que me fazia andar.

Abandonou os palcos nos anos 80 e a televisão há cinco anos. Lembra-se da última peça que viu?

Se não me engano foi o "Rei Lear", no Nacional, com o Ruy de Carvalho.

Já foi há uns três ou quatro anos. Quer dizer que voltar ao Nacional já não lhe custa?

Faz-me umas saudades loucas. Mas já não é aquele teatro. O nosso teatro, o meu teatro morreu com o incêndio. Tinha uma característica, um "cachei", uma graça, uma "patine" que nunca mais se encontra. Mas está muito bonito.

Qual foi a peça de que mais gostou na vida?

Eu gostava era de representar. Houve várias: "As Divinas Palavras", de Valle-Inclán, uma das que mais gostei de representar; adorei fazer "Diálogos das Carmelitas", do [Georges] Bemanos; adorei fazer também "Um Eléctrico Chamado Desejo", de Tennessee Williams, que não me estava nada na caixa, como se costuma dizer, mas que foi dirigida pela Henriette Morineau, uma francesa brasileira (tive um prémio); e "Equilíbrio Instável", do [Edward] Albee, no Avenida.

Que papel tem pena de não ter feito?

Sabe, nunca tive a ambição de fazer isto ou aquilo. O que tinha era uma facilidade que não sei donde é que me vinha de me encaixar no papel que me era distribuído. Aliás, isso acontece-me muito na vida: fiquei viúva [do arquitecto de interiores e campeão de esgrima Emílio Ramos Lino, irmão do célebre arquitecto Raul Lino] aos 35 anos, com três filhos menores e uma enteada de 15. Tive um desgosto que ainda hoje não sei como é que aguentei mas nunca perdi a cabeça.

O Teatro Nacional tinha um estilo. Até se dizia "representar à Nacional'', com sentido crítico. O Teatro Independente pôs isso em causa, nos anos 70. Como é que olha para o teatro que se faz hoje?

Vi há muitos anos em Paris uma peça révolucionária, feita sem cenários, nem sequer pertences de cena, chamava-se "Notre Petite Ville" [de Thomton Wüder]. Era deslumbrante: os actores conseguiam transmitir tudo o que se passava na cidade e nos sentimentos de cada membro daquela comunidade sem nada. Tudo o que seja uma renovação é sempre de seguir.

O que muitas vezes pode estragar (e repare que não me considero uma autoridade na matéria) é o bom gosto ou o mau gosto com que se fazem as coisas.

Qual foi o melhor espectáculo que viu na sua vida?

Vi uma coisa maravilhosa, em Londres, uns meses depois de me ter estreado. Fui com os meus pais e estive com um actor de quem tenho uma dedicatória, Peter Ustinov. Vi a realização do "Crime e Castigo", de Dostoievsky, maravilhosa.

Quem são para a senhora os grandes actores e actrizes de Portugal?

Há muitos. Houve um grande amigo meu, o João Vülaret, que dizia que estar-se na Companhia Rey Colaço/Robles Monteiro era um conservatório. Tinha uma enorme gama de possibilidades.

Fez as mesmas tentativas que os seus pais quando a sua neta quis seguir a carreira do teatro?
Não, não.

Porque a sociedade hoje compreende melhor?

Também, talvez. Talvez a sociedade esteja mais preparada para qualquer manifestação vocacional. É uma vida terrivelmente difícil.

Ela própria está a lutar. Com dificuldades. Mas não desiste e continua. Porque a vida de teatro tem o dom de nos agarrar com paixão. Ao ponto por vezes de nos querermos desenvencilhar e não conseguirmos.

Quando vê alguém representar, o que é que a leva dizer: "Está ali um grande actor, uma grande actriz"?

É por aquilo que ele me transmite. Quando consigo ver que ele está metido dentro do papel, não está só a declamar da boca para fora, está a viver o personagem que o autor inventou.

Está arrependida de ter seguido esta profissão?

Não. Se voltasse ao princípio faria tudo na mesma. Tenho umas saudades que me dilaceram o coração, por vezes.

A saudade é do ensaio, é da noite da estreia, é da representação, é das críticas, é das palmas?

É de tudo. De tudo isso junto. Foram muitos anos em que se viveu intensamente uma coisa que se adorava.

O pavor da crítica acompanhava-a?

A crítica a mim magoou-me sempre mas fez-me muito bem. As más críticas só me fizeram bem. Porque puxaram por mim. Parto do princípio de que um crítico é um amante de teatro.

E as palmas, fazem parte de 'quê? É a vaidade?

Isso as palmas é um caso muito sério. Nem toda a gente reage da mesma maneira. Sou um bocado um paradoxo com certas coisas. Muitas vezes a minha vaidade achava que as palmas podiam ter sido maiores. Outras passava muito bem sem elas. Gostava que me elogiassem, mas o barulho das palmas nem sempre me seduziu como seduzia a muitas pessoas que conheci.

O mundo dos actores e das actrizes é também um mundo de invejas, diz-se. Esse aspecto foi muito forte ao longo da sua carreira?

A princípio era natural que colegas minhas tivessem invejado a minha posição. Mas isso fez, por outro lado, que eu me tomasse também mais amiga delas, porque não as queria escandalizar.

É-se actor ou actriz no palco e na vida?

Eu nunca fui capaz de representar cá fora.

A minha mãe morreu aqui em casa e uma das coisas que me disse foi: "Vai-me dar este recado assim assim ao telefone." Era um recado difícil, era para não magoar alguém. "Ai mãe, custa-me tanto ir fazer isso!" A frase que ela me disse foi esta: "Tu és actriz suficiente para o poderes fazer." Eu disse-lhe: "Mãe, por que é que não havemos de ser todos, sempre, pão-pão, queijo-queijo?" Ela olhou para mim e respondeu: "Com a nossa educação é impossível." É isso.

Por vezes sinto que não quero magoar o próximo; outras isso não me deixa ser tão menos actriz como eu gostaria.

Alguma vez se sentiu um pedaço das personagens que representou?

Enquanto estava a trabalhar. Há um trabalho técnico que deve ser feito que consiste em ir papagueando as palavras enquanto fazemos outra coisa. Acontece por vezes que sem querer acabamos por fazê-lo com vigor, com moleza, enfim, com aquilo que o personagem pede. Mas nunca misturei, nem eu nem os meus pais, a vida do teatro com a vida privada. Saíamos do teatro, a vida privada era outra coisa; a vida privada ficava para trás quando entrávamos no teatro.

A "injustiça" da televisão

De um dia para o outro, o reconhecimento popular chegou. Por via da televisão, que lhe ofereceu o que décadas a representar Shakespeare e Molière não tinham conseguido. Já no fim da vida de sua mãe, contracena com ela na série "Gente Fina É Outra Coisa". Como foi essa experiência televisiva?

Não foi mal, mas o meu papel era um pouco episódico, fazia uma criadinha que a acompanhava sempre. A arte de representar na televisão é que me seduziu muito. É muito diferente do teatro. Neste há toda aquela barreira que tem que se saltar para chegar ao público. Eu gostava muito da naturalidade, que já vinha de trás, no teatro, e se via nos filmes ingleses e franceses. E tentei pôr em prática isso que sempre desejei. Não há dúvida nenhuma que na televisão quanto mais natural se for, melhor. A televisão apanha tudo, é uma espécie de raio-x. Quantas vezes me aconteceu visionar uma cena e pensar "credo, não tenho aquela ruga", chegar a casa, ir à procura e cá estava a ruga, só que eu não a tinha visto ainda...
Passou a vida inteira a representar e a ser aplaudida e depois chega um dia, faz uma telenovela (não vamos discutir-lhe os méritos) e torna-se famosa...

Quantas vezes eu digo isso: o que é o poder de uma caixinha que entra na casa de todas as pessoas! [Pessoas] Que nunca tiveram preparação para poder apreciar um Shakespeare, um Schiller, um Molière, um Vaüe-Inclán. Tantos textos assombrosos, uma vida inteira até às sete novelas que fiz, com um trabalho insano de decorar textos daquele calibre. Algumas pessoas de uma certa elite sabiam quem era, mas os portugueses em geral ignoravam. Ainda hoje agradeço a qualquer pessoa que se aproxime de mim para me cumprimentar. Mas o meu trabalho maior...

... Desse não têm memória. Pode-se ser actor ou actriz só no estúdio?

Sempre que se traduz um sentimento (uma dor, uma alegria, amargura), quer com a técnica teatral quer com a técnica televisiva ou cinematográfica, e se consegue chegar a um público, eu acho que é uma faceta da representação.

Há bons actores jovens na televisão?

Começo a ver menos bem. Mas tenho visto coisas muito interessantes. Por exemplo, a Fúria de Viver, na SIC, em que entrava o Nicolau [Breyner], a Rita Ribeiro, o Nuno Lopes, que agora está no Brasil, a Margarida Vila-Nova.

A maldição de Macbeth

Ao contrário da maioria dos seus colegas, Mariana Rey Monteiro não é supersticiosa. Mas um dia um cenógrafo inglês anunciou-lhe uma maldição. A companhia Amélia Rey Colaço/ Robles Monteiro sofreu dois incêndios representando a mesma peça. Há quem fale em maldição. Como aconteceu isso?

Estava um dia a conversar com o cenógrafo inglês que tinha vindo acompanhar "Macbeth" [de Shakespeare] e de repente sinto que é quase a minha altura de entrar em cena. Ele diz-me, estávamos ainda em ensaios: "Já vai? Então e não diz a primeira fala da Titânia [da peça 'Sonho de Uma Noite de Verão', também de Shakespeare]?" Respondo-lhe que sei a fala de cor e salteado mas que de momento não me lembrava, e entro. E ele disse: "Tenha cuidado. Se você não disser a primeira fala da Titânia, qualquer coisa vai acontecer de grave." E aconteceu? Em doze dias!

A senhora não era supersticiosa?

Nunca fui, ao contrário de tantos colegas. Olhe, o José de Castro, esse era doente. Tudo o que fizesse na estreia tinha que repetir durante todo o tempo que a peça estivesse em cena. Lembro-me que numa peça do lonesco, eu estava a acabar de arranjar o cabelo e ele apareceu-me por detrás a olhar para o espelho e perguntou: "Achas que estou bem?" "Estás muito bem." Todas as noites o tive a aparecer atrás de mim: "Achas que estou bem?..."

Perfil: A paixão do teatro

Apesar de não ter cursado o Conservatório, ganhou a carteira profissional depois de se apresentar perante o público num recital de 40 poemas escolhidos pela mãe.

Estreia-se aos 24 anos no palco dos pais (Amélia Rey Colaço e Robles Monteiro, concessionários do Teatro Nacional D. Maria n, em Lisboa), com uma adaptação da "Anügona", de Sofocles, preparada por Júlio Dantas. Maria Barroso é a sua "madrinha de cena".

Participou no fume "um Dia de Vida" (1962), de Augusto Fraga, mas recusou um convite de Hollywood, por "medo" e saudades dos pais e da luz de Lisboa. A participação em sete novelas deu-lhe a popularidade que uma vida a representar o grande repertório da dramaturgia portuguesa' e mundial nunca lhe proporcionara. Retirada dos palcos e do ecrã, não esconde o entusiasmo com que assiste aos primeiros passos da neta, Mónica Gamei, na profissão."A vida do teatro tem o dom de nos agarrar com paixão", diz aos 80 anos, feitos em 28 de Dezembro passado, Mariana Rey Colaço Robles Monteiro.


http://ipsilon.publico.pt/teatro/entrevista.aspx?id=267821

MARIANA REY MONTEIRO INSISTIU SER ACTRIZ

Perfil

21.10.2010 - Alexandra Prado Coelho

O grande público acolheu-a através da televisão na década de 1980, mas o palco recebeu-a logo aos 24 anos no D. Maria II. Mariana Rey Monteiro, a actriz filha de profissionais de teatro que não queriam a filha nos palcos, morreu quarta-feira aos 87 anos

Mariana Rey Monteiro morreu de causas naturais, como informou a família. O corpo da actriz ficará em câmara ardente na Igreja do Santo Condestável e o funeral realiza-se sexta-feira às 11h00 no Cemitério dos Prazeres.

Filha de duas figuras maiores do teatro - Amélia Rey Colaço e o actor e encenador Robles Monteiro - Mariana Rey Monteiro sonhava desde criança trabalhar no teatro. Os pais tentaram por vários meios afastá-la desse caminho, não a levando aos espectáculos no D. Maria II, teatro que a Companhia Rey Colaço/Robles Monteiro alugara ao Estado em 1929. Sem sucesso.

"A primeira vez que fui ao D. Maria II tinha seis anos. De manhã o meu pai chamou-me e prometeu mostrar-me a ‘nova casa' do pai e da mãe", contou à jornalista Marina Ramos, do PÚBLICO, em 1996, por altura da comemoração dos seus 50 anos de carreira. "Lembro-me como se fosse hoje. O meu pai deu-me a sua gorda mão - que me transmitia uma enorme sensação de segurança - e levou-me a beber um café na Brasileira e a descer o Chiado."

Nessa altura era ainda, para todos, a Marianinha. Apesar de se manter longe do teatro, em casa, para se divertir, escrevia "umas larachas" para entreter os primos. Aos 15 anos os pais mandam-na estudar para Inglaterra, mas no final dos anos 1930, com a aproximação da II Guerra Mundial, volta subitamente para Portugal e parte, com os pais e toda a companhia do D. Maria II, para o Brasil. A partir daí a tarefa de a manter afastada do teatro tornou-se definitivamente impossível.

Aos 24 anos estreia-se no palco - no Teatro Nacional D. Maria II. "Embora tivesse algumas qualidades, não tinha experiência de palco, nem de corpo. Por isso, os meus pais tomaram imensas cautelas e pediram ao dr. Júlio Dantas que escrevesse uma peça que fosse um intermédio entre a declamação e a representação naturalista." Na "Antígona" de Sófocles adaptada por Júlio Dantas, a sua estreia no teatro, a "madrinha de cena" é Maria Barroso.

Chega a ser convidada para trabalhar em Hollywood, mas recusa. Em 1947, casa com Emílio Ramos Lino, irmão do arquitecto Raul Lino e campeão de esgrima que acabará por se tornar também cenógrafo do D. Maria II.

A partir daí a carreira de Mariana não parou. Fez centenas de peças - entre as quais "Sonho de Uma Noite de Verão", "Santa Joana", "Um Eléctrico Chamado Desejo", representou textos de Molière, Arthur Miller, Bernard Shaw, Tennesse Williams, Ibsen, Shakespeare, Ionesco.

Em Dezembro de 1964 viu o Teatro Nacional arder. "Telefonaram-me para casa às três da manhã, fui buscar a minha mãe e fui para o Rossio", recordou ao PÚBLICO em 1996. Os actores da companhia mobilizaram-se e conseguiram voltar a pôr em cena "Macbeth", no Coliseu.

Com o 25 de Abril a aproximar-se, a companhia estava numa situação financeira desesperada. Amélia Rey Colaço, desesperada, pediu ajuda financeira a Tomás, mas a companhia está condenada. A seguir ao 25 de Abril, Mariana Rey Monteiro quer deixar o teatro, mas volta ainda aos palcos para mais algumas peças. "Filhos de um Deus Menor", dirigida por João Perry, será a última.

A partir dos anos 1980, Mariana começa a trabalhar em telenovelas. Em 82, "Vila Faia" é a primeira telenovela portuguesa e ela lá está. "O Nicolau Breyner perguntou-me se me importava de pintar o cabelo de branco para fazer uma senhora de 80 anos e eu disse que não." Fez sete novelas, entre as quais "Chuva na Areia", "Origens", "Roseira Brava" e a série "Gente Fina é Outra Coisa". Mas lamentava que tivessem sido estas, e não o teatro, a fazer a sua popularidade, tornando-a conhecida por todos.

Uma das suas netas, Mónica Garnel, é actriz. Numa entrevista em 2003, o jornalista Adelino Gomes perguntava-lhe se alguma vez fizera as mesmas tentativas que os pais para que a neta não seguisse a carreira teatral. Não, respondia Mariana. "Ela própria está a lutar. Com dificuldades. Mas não desiste e continua. Porque a vida do teatro tem o dom de nos agarrar com paixão. Ao ponto de por vezes nos querermos desenvencilhar e não conseguirmos."


http://ipsilon.publico.pt/teatro/texto.aspx?id=267827

A VOZ DO NACIONAL

1922-2010

Mariana Rey Monteiro: Ela era a voz do Teatro Nacional

22.10.2010 - Sérgio C. Andrade com A.D.C., A.P.C., I.S. e L.C.

Durante muito tempo foi vista apenas como a filha de Amélia Rey Colaço e Robles Monteiro. Apesar da pesada herança, Mariana Rey Monteiro acabou por construir uma carreira nos palcos elogiada por toda a gente. Mas foi a telenovela que tornou conhecida do grande público a sua "voz única" e os seus "olhos tristes".

O que teria sido a carreira de Mariana Rey Monteiro se não fosse "a filha de Amélia Rey Colaço"? E teria ela uma carreira teatral se não fosse a herdeira do mais famoso casal do teatro português do século XX - Rey Colaço-Robles Monteiro -, actores e empresários do D. Maria II desde 1929?

Esta dúvida atravessa as mentes de todos os que agora foram chamados a evocar a vida e a carreira da actriz, que morreu anteontem na sua casa de Lisboa, aos 87 anos.

Mas toda a gente começa por falar da grande senhora - na vida e no teatro - que foi Mariana Rey Monteiro. Um dos primeiros a lembrá-lo foi o seu amigo e colega de muitos palcos Ruy de Carvalho, que lamentou a perda de "uma grande actriz". José Carlos Alvarez, director do Museu Nacional do Teatro, classificou-a como "uma figura notável, que deixa um rasto muito forte no teatro português".

Mas, afinal, por que se destacava Mariana Rey Monteiro? Urbano Tavares Rodrigues diz que, para além de uma grande actriz, "Mariana era uma criatura maravilhosa, delicada, gentilíssima", sintetizando os elogios que se repetem no meio teatral, onde a sua serenidade, inteligência e humanidade nunca passaram despercebidas. Já sobre a sua dimensão artística, Fernando Midões, um histórico da crítica de teatro em Portugal (Diário de Notícias e Diário Popular), que acompanhou praticamente toda a sua carreira, diz simplesmente que Mariana Rey Monteiro "juntava intuição, inteligência e perfeição na arte de representar - não se ficava pelo texto, aprofundava o subtexto das peças".

É esta inteligência, aliada a uma grande sensibilidade, que o dramaturgo Luís Francisco Rebello, também seu amigo pessoal, faz questão de realçar na carreira desta "herdeira de um nome e tradição ilustres" que, pelo seu trabalho, se transformou numa "referência importante do teatro português que antecedeu a revolução de 1974".

Da geração que lhe sucedeu, e que mudou os códigos e a tradição do teatro em Portugal, Jorge Silva Melo começa por recordar a voz da actriz. "Ela tinha aquela voz única, quebrada, timbrada e com uns graves muito bonitos. Quando a ouvíamos, era a voz do Teatro Nacional", disse ao P2 o actor, encenador e fundador do Teatro da Cornucópia. Luís Miguel Cintra, também fundador da companhia, é outro admirador da actriz com quem contracenou no filme de Paulo Rocha O Desejado, ou as Montanhas da Lua, de 1987: "Ela era uma referência viva da qualidade que havia na Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro." O actor-encenador da Cornucópia recorda tê-la visto, ainda estudante, na peça Equilíbrio Instável, de Edward Albee, no Teatro Avenida, no final dos anos 60. Vem também dessa época a memória que Silva Melo guarda das primeiras vezes que viu a actriz em palco, citando em especial a sua presença em Divinas Palavras, de Valle-Inclán, Tango, de Mrozek, e principalmente O Rei Está a Morrer, de Ionesco. "Era uma presença muito poética e fascinante. Ficávamos ali a olhar para ela..."

O encenador dos Artistas Unidos regressa à questão da herança: "Deve ter sido difícil para a Mariana ser filha de uma mulher tão rara e poderosa como o foi Amélia Rey Colaço." Eugénia Vasques, ex-crítica e agora professora de Teatro, recorda "aquele olhar triste, magoado, que parecia ter uma raiva escondida e que marca todo o seu trajecto como actriz", e nota também que a carreira da actriz foi feita durante grande parte do tempo na sombra da mãe. "Foi sempre o braço-direito da mãe, até ao fim, e isso vê-se nos papéis que representa", explica ao P2. "Mariana secundava a mãe e o seu génio - a palavra é tremenda, mas justa. Até à morte do pai, em 1958, Mariana serviu os pais. E depois a mãe passou a ser o centro de tudo o que ela fazia no teatro, tinha-lhe uma dedicação imensa."

Mariana Rey Monteiro comentou esta questão na entrevista que deu a Adelino Gomes, a pretexto do seu 80.º aniversário (PÚBLICO 14/01/2003), admitindo que esse "peso familiar" fez sempre parte da sua vida. "Numas partes, ajudou. Mas tive sempre a preocupação instintiva de corresponder às exigências. Era um incentivo, uma chicotada que me fazia andar."

Antígona na estreia

A biografia teatral de Mariana Rey Monteiro mostra, de resto, que ela teve de lutar na sua própria família para conseguir subir a um palco. "Os meus pais tinham pavor que eu fosse para o teatro", disse a actriz na referida entrevista, tudo para que evitasse enfrentar as mesmas dificuldades que eles. "Queriam que eu fosse casar com um rei ou com um príncipe, não sei. Adoravam-me. E sofriam muito com a profissão." Por isso foi estudar Inglês para Inglaterra, aos 15 anos, e depois experimentou diferentes trabalhos, entre os quais o de secretária do então presidente da Emissora Nacional, Henrique Galvão (mais tarde líder do célebre desvio do paquete Santa Maria, em 1961).

Apesar das preocupações familiares, a estreia de palco da "Marianinha" (era assim que a tratavam em casa e no teatro) tinha acontecido, aos 12 anos, pela mão da mãe, que a fez entrar no coro de uma encenação d"A Castro, de António Ferreira, no Mosteiro de Alcobaça. A estreia verdadeira viria, contudo, a acontecer só aos 24 anos, e logo com um clássico do teatro mundial: Antígona, de Sófocles, numa adaptação de Júlio Dantas para o Teatro Nacional D. Maria II, em 1946, em que a actriz teve Maria Barroso como "madrinha de cena".

"Como eu não saía do teatro, lembro-me de ver a Marianinha na estreia", recordou ontem ao P2 o actor João Perry, que mais tarde viria a contracenar com a actriz diversas vezes. "Eu devia ter uns sete ou oito anos, e lembro-me de, no fim, lhe ter ido dar um ramo de flores que os meus pais tinham comprado."

Mariana passou então a ser presença frequente no palco do Nacional. Da sua extensa biografia teatral, Luís Francisco Rebello destaca as suas interpretações em textos clássicos de Shakespeare (Sonho de Uma Noite de Verão), Molière (Tartufo), António Ferreira (A Castro); além da Sónia de Crime e Castigo, a Santa Joana de Bernard Shaw, a Blanche de Um Eléctrico Chamado Desejo, e ainda no já citado Divinas Palavras, de Valle-Inclán, e no Pecado de João Agonia, de Bernardo Santareno, "e tantas, tantas outras".

A carreira no Nacional foi interrompida com o incêndio que danificou o edifício no Rossio, em 1964. "O meu teatro, o nosso teatro (Nacional), morreu com o incêndio. Tinha uma graça, uma patine que nunca mais se encontra", lamentou a actriz na conversa com Adelino Gomes.

Seduzida pela televisão

Logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, a carreira da actriz esmoreceu nos palcos. "Ela foi maltratada pelo país, logo a seguir à revolução", dizia ontem a cantora e actriz Simone de Oliveira.

Em contrapartida, Mariana Rey Monteiro viria a conquistar um grande mediatismo através dos trabalhos que fez para a televisão, primeiro na série Gente Fina É Outra Coisa, onde a sua mãe está novamente presente, mas sobretudo nas telenovelas, a começar pela que inaugurou a produção portuguesa nesse domínio, Vila Faia, e depois Cinzas, Vidas de Sal e Roseira Brava.

"A arte de representar na televisão é que me seduziu muito. É o poder de uma caixinha que entra na casa de todas as pessoas", disse a actriz a propósito da sua experiência televisiva, que parece ter sido para ela bem mais recompensadora do que a que tivera no grande ecrã, primeiro no filme Um Dia de Vida (1962), de Augusto Fraga, e depois em O Vestido Cor de Fogo (1986), de Lauro António, e no já citado filme de Paulo Rocha.

Agora toda a gente fala e elogia Mariana Rey Monteiro, diz Simone de Oliveira, "mas quando se retirou, ninguém quis saber dela, ninguém lhe mandou uma flor". O funeral da actriz realiza-se hoje de manhã, às 10h15, da Igreja de Santos para o Cemitério dos Prazeres, em Lisboa.

http://ipsilon.publico.pt/teatro/texto.aspx?id=267946

FERNANDO FRAGOSO MARQUES E VASCO MARQUES CORREIA NAS CALDAS

Candidato à Ordem dos Advogados esteve nas Caldas em campanha

Fernando Fragoso Marques e Vasco Marques Correia

Terminou com um jantar nas Caldas da Rainha, no restaurante “A Lareira”, a visita à região Oeste de Fernando Fragoso Marques, candidato a bastonário da Ordem dos Advogados, no dia 14 de Outubro.

Acompanhado de Vasco Marques Correia, candidato a presidente do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem, Fernando Marques esteve com advogados em Peniche, Lourinhã, Bombarral, Cadaval e Rio Maior.

Nas Caldas da Rainha jantaram com cerca de 30 causídicos desta comarca, entre eles Mário de Carvalho, ex-apoiante de Marinho Pinto, o actual bastonário. Um dos mais antigos advogados caldenses chegou a fazer campanha por Marinho Pinto, mas está desiludido com o seu trabalho. “Ele fala muito, mas faz pouco. As pessoas já nem dão importância ao que ele diz”, considera.

Fernando Fragoso Marques também assume muitas divergências com o actual bastonário. “As discordâncias são tantas e em tantos aspectos que elencá-las seria difícil”, comentou à Gazeta das Caldas. Na sua opinião, Marinho Pinto “pouco ou nada se interessou pelos problemas da advocacia e da Justiça”. O candidato acusa o actual bastonário de ter seguido uma “agenda pessoal e política”, considerando mesmo que este “fez compromissos com o próprio poder político”. Por outro lado, não percebe como é que o bastonário não convocou o congresso nacional da Ordem que deveria realizar-se nesta altura. “Ele tem medo de ouvir a voz dos advogados”, considera.

Fernando Fragoso Marques é advogado há 36 anos, tendo sido presidente da Delegação do Barreiro e presidente do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados (1999-2001). Actualmente está em campanha eleitoral por todo o país a fim de apresentar o seu programa de candidatura às eleições que se realizam a 26 de Novembro. Do programa fazem parte várias medidas, nomeadamente, no acesso à profissão, com a revogação do polémico exame de acesso ao estágio que considera ilegal. No entanto, acha que o acesso à profissão deve ser reservado a quem tem um mestrado.

Fernando Marques critica o enorme número de vagas dos cursos de Direito. “Enquanto o ensino superior público for financiado pelo Estado em função do número de vagas que oferece, vão continuar a abrir muitas vagas, em especial nos cursos de papel e lápis”, comentou.

No apoio judiciário aos mais desfavorecidos, Fragoso Marques defende a alteração do actual sistema porque acha que só os muito pobres é que conseguem aceder a este serviço gratuito. “Parece mais uma esmola”, disse.

Defende ainda a exigência do pagamento pontual dos honorários dos defensores oficiosos e a implementação de maior transparência no sistema, publicitando as escalas e fazendo com que estas sejam aleatórias.

Outra das propostas é e a instalação, em articulação com as delegações, de uma rede nacional de gabinetes de consulta jurídica.

Às eleições candidatam-se ainda o actual bastonário, Marinho Pinto, e Luís Filipe Carvalho.

Pedro Antunes

Publicado a 22 de Outubro de 2010 . Na categoria: Destaque Sociedade

pantunes@gazetacaldas.com

http://www.gazetacaldas.com/5644/candidato-a-ordem-dos-advogados-esteve-nas-caldas-em-campanha/