Friday 29 March 2013

A CRISE CIPRIOTA

Chipre não sai do euro porque tem medo da reação da Turquia

 
A sugestão de Paul Krugman desta semana de uma saída imediata do euro não domina o sentimento cipriota porque a situação da ilha é geopoliticamente muito complexa, diz a empresária russa Natália Lazareva, com negócios em Chipre.
 
Jorge Nascimento Rodrigues
 

A crise cipriota não é só um problema de dinheiro russo em depósitos, é um problema geopolítico muito complicado, diz ao Expresso Natália Lazareva, 55 anos, doutorada em Economia pela Universidade Lomonosov de Moscovo, e empresária russa em Chipre e na Rússia que vive num vaivém entre Nicósia e Moscovo.
 
A posição da Rússia no xadrez da crise cipriota continua a alimentar o debate. O argumento alemão é que o Chipre tem um "modelo de negócio" que faliu e muita gente na Europa continental fala de que se trata de um offshore para "lavagem de dinheiro" russo e para reinvestimento, depois, "limpo" na Rússia.
 
O motivo para atacar, agora, este "mal", depois de Chipre estar desde 2007 na moeda única, foi a dimensão desmedida do sector bancário cipriota. No entanto, Chipre é o terceiro investidor externo na Rússia, depois do Luxemburgo (que, também, é membro da zona euro) e do Reino Unido, e o sector bancário luxemburguês é três vezes superior ao cipriota em relação ao PIB.
 
No entanto, o papel central de Chipre é na localização de holdings mais do que apenas em termos de depósitos. Nos anos 1990, Chipre foi o primeiro país europeu a assinar tratados com a Rússia para evitar dupla tributação. Luxemburgo, Suíça e Holanda, que, também, são plataformas financeiras para a Rússia, só o fizeram mais tarde.
 
Porque razão a Rússia não deu a mão ao ministro Michalis Sarris na semana passada e o mandou de volta de mãos a abanar para Nicósia?

A crise cipriota é bem complicada. Não há respostas fáceis. Não é só um problema de dinheiro russo. Primeiro, não é apenas uma questão de economia "distorcida".
  
Não é uma crise de um "modelo de negócio" que faliu como disse a chanceler alemã Merkel e repetem os principais responsáveis do Eurogrupo?

Chipre não pode ser avaliada apenas na base de alguns princípios macroeconómicos. O mesmo, aliás, se aplica a economias da zona euro, como o Luxemburgo ou a Irlanda, ou outros centros financeiros, como Malta.
  
Mas, sendo o "grande irmão" ortodoxo e Chipre local de investimento financeiro russo, Moscovo não deveria ter sido mais amigável?

Bom, Chipre é um membro da zona euro. Não seria politicamente correto que a Rússia interferisse diretamente nos assuntos "internos" da zona euro, sem consultar a União Europeia. Em terceiro lugar, a Alemanha tem manifestado uma posição sobre Chipre em voz alta. A chanceler Merkel opôs-se à visita de Sarris a Moscovo. Nos últimos 20 anos, a Alemanha foi considerada um parceiro estratégico da Rússia. Mas, agora, parece que isso já é passado.
  
O tema da "lavagem de dinheiro" é um espinho nesse relacionamento?

Pois, parece que, agora, o dinheiro russo em Chipre é uma preocupação especial da chanceler Merkel. A tese da "lavagem de dinheiro" foi a primeira reclamação da Alemanha sobre Chipre.
 
E não é verdade?

É um rumor muito comum entre os homens de negócio russos que as principais "lavandarias" estão na Alemanha e na Suíça.
  
Então o que é Chipre para os russos?

É sobretudo um local para poupanças da classe média russa e para a domiciliação de empresas. Os tais muito ricos russos têm o seu dinheiro na Suíça e na Alemanha, sim, na Alemanha.
 
Falou de domiciliação de empresas como uma das estratégias dos empresários russos, em que consiste?

Chipre é uma plataforma muito importante para o investimento na Rússia. O aspeto mais importante não são os depósitos em que se tem centrado a atenção. Mas a legislação cipriota. É, por essa razão, que as empresas russas se domiciliam em Chipre, sobretudo as holdings, onde os homens de negócios têm os seus ativos.
 
Vão retirar as holdings de Chipre?

Não penso que o façam. Quanto aos depósitos, com estas medidas determinadas pelo Eurogrupo, os russos vão abrir contas noutros lados, na Suíça, no Reino Unido, nos países Bálticos, até em Hong Kong. Mas as holdings ficarão em Chipre. Repito, não são os bancos que são atraentes, mas a lei cipriota que é a vantagem para as holdings e para os negócios de reinvestimento na Rússia.
 
Ou seja, a Rússia é cautelosa sobre o assunto, apesar das críticas muito duras feitas à decisão do Eurogrupo?

Com todas as componentes que a Rússia tem de ter em conta, isso obriga-a a ser muito cautelosa no assunto. Mas a Rússia elaborou o seu próprio plano de alternativa a um resgate a Chipre. Em caso de necessidade.
  
Como reagiram os russos em relação ao novo "template" de resgate definido pelo Eurogrupo?

Há um aspeto fundamental, de substância, de conteúdo, já que o tal imposto sobre dinheiro privado é a transgressão de fundamentos da moderna civilização ocidental - é um ataque à propriedade privada. É a legitimação da erosão do direito de propriedade privada. Isto vai ter consequências dramáticas em termos sociais e políticos. Pode mudar o mundo. Quem vai ganhar com isso? De certeza, que não será a União Europeia. O próprio governo russo, como o disse o primeiro-ministro Medvedev, tem dinheiro público nos bancos cipriotas em reestruturação. Um confisco de 30 ou 40% é uma perda direta para o orçamento russo. Para as empresas russas a trabalhar em Chipre será muito mau.
 
O outro tema quente é o do gás natural. Chipre, nesse ponto, é geoeconomicamente importante para a Rússia?

Esse tema é ainda mais complexo do que a própria crise cipriota. A posição da Rússia tem muitos aspetos. Primeiro, por causa da Turquia, que é um importante parceiro, e porque o Mar Negro e os estreitos podem tornar-se um mar fechado se Ancara assim o quiser. Por outro lado, o gás cipriota pode alterar dramaticamente o mercado de gás mundial.
  
Isso será benéfico para a Rússia, ou não?

Tenho dúvidas que seja benéfico.
  
Chipre, com toda essa posição geopolítica e geoeconómica tão complexa, e apesar de ser uma economia tão pequena, tornou-se numa zona de embate geopolítico na Europa?

Temo que sim. Pode ser um gatilho para a geopolítica. Vemos sobre a pequena ilha interesses tão diferentes, e até tão dissonantes: União Europeia, com a Alemanha a ter de ser encarada em separado, Turquia, Rússia, Reino Unido, Israel, até Estados Unidos. Alguns interesses aproximam-se, mas outros são totalmente contraditórios.
  
Chipre deveria sair do euro como recomendou o Nobel da Economia Paul Krugman?

O que trava os cipriotas de irem nessa direção é o medo da Turquia. De outro modo, seria o sentimento dominante.

Thursday 28 March 2013

ROSA ABRANTES-MTEZ

                 A caça-batoteiros dos mercados financeiros



Rosa Abrantes-Metz, a economista portuguesa que demonstrou a manipulação na taxa Libor em 2008, fala da necessidade das autoridades usarem métodos estatísticos para detetar atentados à concorrência.
 
Jorge Nascimento Rodrigues
 
Em entrevista ao Expresso, a economista e consultora Rosa Abrantes-Metz, professora na Escola de Negócios Leonard Stern, da Universidade de Nova Iorque, defende a necessidade dos reguladores financeiros e das autoridades que vigiam os atentados à concorrência usarem métodos estatísticos robustos para detetar conspirações, manipulação e todo o tipo de fraudes nos mercados - do financeiro, ao da farmacêutica, ao das gasolinas ou das telecomunicações.
A economista portuguesa, formada na Universidade Católica mas doutorada na Universidade de Chicago, é pioneira no uso do que tecnicamente se designa por "filtros". A ela se deve a demonstração científica em 2008 da situação anómala com a taxa Libor, o que daria, mais tarde, origem a uma investigação das autoridades e ao rebentar do escândalo da Libor (a taxa interbancária fixada em Londres).
 
Rosa Abrantes-Metz está radicada nos Estados Unidos desde 1996 mas desenvolve consultoria na sua área em Portugal. O seu último artigo na Bloomberg, em fevereiro, tinha um título bem expressivo: "Como usar as estatísticas para procurar criminosos".



Tuesday 12 March 2013

BULLYING HOMOFÓBICO



Mais de 40% da juventude lésbica, gay ou homossexual afirma ter sido vítima de bullying homofóbico. A conclusão está contida no relatório sobre homofobia e transfobia nas escolas portuguesas apresentado nesta terça-feira pela Rede Ex-Aequo, uma associação dedicada ao combate de todas as formas de discriminação com base na orientação sexual.
 
O relatório, remetido ao Ministério da Educação e Ciência, apresenta os resultados de 37 denúncias de casos de homofobia e transfobia ocorridos entre Janeiro de 2011 e Dezembro de 2012. Nele ecoam queixas de alunos que dizem ouvir dos professores brincadeiras como “Não sabia que os maricas fazem desporto com facilidade e agilidade” ou “Ténis rosa ou cores fortes são abichanados”. Há adolescentes que clamam ter entrado em depressão por terem visto o seu nome numa casa de banho seguido de epíteto "Lésbicas do c...".
 
Mas também há a queixa de uma professora que diz ter visto um colega querer baixar a nota de um aluno depois de ter percebido que ele era gay. E, pela primeira vez, chegaram à Rede Ex-Aequo queixas sobre práticas discriminatórias em escolas do primeiro ciclo do ensino básico. Para além dos 42% que se dizem vítimas directas de bullying homofóbico, 67% dos jovens declararam tê-lo presenciado e 85% afirmaram já ter ouvido comentários homofóbicos na escola que frequentam.
 
Na óptica da Rede Ex-Aequo, o “ambiente de intolerância” que se vive nas escolas portuguesas degenera em “situações de baixa auto-estima, isolamento, depressões e ideação e tentativas de suicídio”, contribuindo ainda para o insucesso e para o abandono escolar de muitos jovens.
 
“Denotou-se um aumento exponencial de denúncias de homofobia nas praxes, sendo três instituições do ensino superior visadas”, denuncia ainda a associação, para a qual “este é um problema que necessita de ser resolvido e com urgência”.
 
Considerando que os resultados do relatório não podem ser ignorados, a Rede Ex-Aequo recomenda às escolas que façam incluir o bullying homofóbico na lista de comportamentos proibidos pelos respectivos regulamentos internos. Além de defender a formação de professores e funcionários, a associação reclama ainda a integração do tema da orientação sexual no currículo escolar.

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/bullying-homofobico-ja-chegou-as-escolas-do-primeiro-ciclo-do-basico-1587506

Friday 8 March 2013

PARCEIRAS PÚBLICO-PRIVADAS: ENTRE O VALUE FOR MONEY E O WIN-WIN

As Parcerias Público-Privadas têm estado no centro de uma das polémicas político-partidárias da atualidade. Defensores e opositores deste modelo esgrimem argumentos, no seio e à margem da comissão parlamentar de inquérito. Mas terá mais vícios do que virtudes este formato encontrado pelo Estado para gerir serviços de utilidade social?

Hoje, online, conheça a opinião do sócio da Barrocas Advogados João Nuno P. Barrocas sobre esta questão.

A questão objeto deste artigo tem duas respostas possíveis, uma fácil e outra difícil. Enquanto modelo equilibradamente concebido e aplicado à realidade das variáveis relevantes constitui um excelente modelo de associação entre o setor público e o privado, que permite àquele efetuar obras que as limitações orçamentais, cada vez mais rígidas, não lhe permitiriam concretizar.

Enquanto modelo estudado superficialmente, sem a sua necessária compreensão e aplicado a uma realidade em que o risco é grande e, sobretudo, o projeto não é autossustentável é difícil imaginar que lhe possa ser dada uma resposta positiva e é, decerto, problemático o resultado final. No nosso País, assistiu-se nos últimos 10 a 15 anos à implementação de projetos que utilizaram o modelo project finance adaptado a parcerias público-privadas (PPP) que constituem, até ao momento, êxitos de assinalar e que dotaram o País de infraestruturas e serviços que, de outro modo, não poderia proporcionar aos cidadãos. É o caso de certas vias de comunicação e instalações hospitalares.

Mas, ao invés, constituíram erros caríssimos outros projetos assumidos pelos últimos governos, como é o caso das autoestradas ex-Scuts, o comprometimento do setor público no risco dos projetos e a sua nula autossustentabilidade, fazendo recair sobre o Estado grande parte dos encargos correntes.

A essência do possível sucesso de uma PPP – o Estudo Base – está diretamente relacionada com a sua autossuficiência, ou seja, com a bondade do projeto relativamente à possibilidade de se pagar por si próprio. Ora, isto depende fundamentalmente do número de utilizadores que paguem a totalidade ou parte da sua utilização, bem como da frequência desta utilização. Ora, no modelo da ex-Scuts os projetos não usufruíam de autossustentabilidade.

Uma resposta positiva à questão da viabilidade é, portanto, possível. As PPP são desejáveis e constituem uma aplicação inteligente dos modelos de project finance à colaboração entre os setores público e privado para a realização do interesse público, desde que a sua autossustentabilidade, o controlo das variáveis do risco, quer para o setor privado, quer para o setor público, e a sua correta alocação, seja feito de forma o mais realista e equilibrada possível em que o desvario e a megalomania não impere nas opções políticas. Na verdade, fora dos quadros da desejada autossustentabilidade de um projeto desta natureza, uma PPP só é possível se o setor público dispuser de avultadas receitas extraordinárias, seja provenientes de recursos naturais muito significativos ou outros e a obra seja necessário fazer, mesmo que os projetos não sejam providos de autossuficiência. Enfim, em estados ricos. Ora, Portugal nem é rico nem financeiramente autossuficiente.

O necessário equilíbrio entre as vantagens e as onerações distribuídas entre o setor público e o setor privado obedece a dois princípios fundamentais, que não devem deixar de estar sempre presentes ao longo de todo o contrato de concessão: o value for money e o win-win.

O princípio value for money pressupõe uma correta distribuição dos riscos entre os setores público e privado, segundo o princípio da sua alocação ao parceiro que se encontra em melhor condição de os gerir. Por sua vez, o princípio win-win significa que o contrato deve ser bom para ambas as partes, não devendo o setor público beneficiar imoderadamente do sacrifício do setor privado, nem este tornar a parceria demasiada e injustificadamente onerosa para o setor público. Quando isso sucede, o contrato deve ser renegociado ou, simplesmente, aplicadas as fórmulas de reequilíbrio financeiro ou de redução de encargos para o setor público estabelecidas no contrato.

É necessário, ainda, sublinhar que uma PPP não é um negócio delapidador do erário público, nem uma exploração capitalista do setor público pelo setor privado. Deve ser negociado e mantido na sua vigência subordinado aos princípios em que se baseia. Se assim não suceder, muito provavelmente quem suporta as consequências negativas são os contribuintes e o público utilizador.

Artigo elaborado pelo sócio da Barrocas Advogados João Nuno P. Barrocas.