DIÁRIO ECONÓMICO
Viagem no avião que é grande demais para a Portela
Hermínia Saraiva em Munique
06/08/10 00:05
Embarcamos no maior avião comercial do mundo, tão grande que não aterra no aeroporto de Lisboa.
Nunca a expressão ‘elefante branco' terá sido tão bem aplicada em termos literais. O novo avião da Lufthansa, o gigante Airbus A380, tem qualquer coisa de avassalador. Na pista do aeroporto de Munique, a minutos de entrar a bordo, o avião de mais de 560 toneladas é o único alvo da atenção e cobiça dos funcionários da placa, mas também dos passageiros que do lado de dentro do vidro esperam ser chamados para os seus voos nas mangas mais próximas.
São 16h00 de uma tarde do fim de Julho e lá em baixo, à volta do avião, os funcionários do aeroporto parecem formigas. Não há funcionário de ‘handling' ou da segurança que não tenha registado o momento único no telemóvel. É que apesar do A380 ter sido baptizado naquela manhã de ‘München', não será visita frequente do aeroporto. Tal como o primeiro A380 da Lufthansa também este será usado na rota Frankfurt - Tóquio.
Mas o impacto que o avião tem quando visto de fora, conduz a uma sensação de desilusão no momento em que metemos os pés lá dentro. É um avião igual aos outros, pelo menos no piso inferior. Uma fila de cadeiras com três lugares do lado direito, quatro lugares no meio, mais três depois do corredor da esquerda. "Fiquei muito impressionada quando passei pela porta de embarque", diz Martina Elsenbogo, gestora de contas de 35 anos. Tínhamo-nos cruzado com ela a meio da manga de acesso ao avião, os olhos brilhantes de deslumbre - os dela como os dos mais 500 passageiros prestes a embarcar -, de quem cumpre um sonho.
O fascínio de Martina, que pagou 99 euros pela viagem de hora e meia sobre os Alpes, parece ter ficado à entrada e a desilusão sente-se no discurso, na pausa quase imperceptível que dá a entender que há um ‘mas'... "Não é assim tão diferente dos outros aviões quando se está aqui, sentada junto ao corredor, sabemos que este é o maior avião do mundo, mas cá dentro é só mais um avião."
Esta é, de facto, a sensação que passa, mas são as diferenças quase imperceptíveis que fazem do A380 a coqueluche da aviação mundial e da Lufthansa em particular. A classe económica tem 44 filas desde o ‘cockpit' até à cauda, e um pé direito ligeiramente maior que a concorrência. Na prática significa que é mais fácil estar em pé mesmo com os compartimentos de bagagens por cima da cabeça. Mas uma vez sentados, os passageiros não terão muito mais espaço do que em qualquer outra classe económica. As características técnicas distribuídas pela Lufthansa dizem que a distância entre assentos é de 79 centímetros. Uma diferença praticamente imperceptível face aos 78,74 centímetros de intervalo num 747-400, o maior avião da frota da empresa até agora, que transporta menos 200 passageiros. Maior é a largura de cada assento: 52 centímetros contra apenas 44,45 no Boeing.
Apesar da aparente desilusão de Martina, a excitação sentida na sala de embarque, ou na placa em redor do avião, está mais exacerbada lá dentro. Há famílias inteiras, pessoas sozinhas, miúdos, adolescentes, avós. E as conversas e os comentários são ininterruptos.
Faltam 20 minutos para as 17 horas e as hospedeiras percorrem os corredores para garantir que as costas das cadeiras estão direitas, as mesas levantadas, a bagagem de mão acomodada por baixo do assento da frente. Seis minutos depois, o A380 dá o primeiro solavanco e faz-se à pista. Lentamente, em ritmo de passeio, para que possa ser visto, fotografado, admirado, pelas dezenas de pessoas que se colam às redes do aeroporto, de chapéu de chuva na mão para ver passar o maior avião comercial do mundo. Em menos de nada, suavemente, está a sobrevoar Munique. Lá dentro demora-se algum tempo a perceber se o balanço do avião é turbulência ou se é o comandante Werner Knorr a mostrar aos passageiros que as 560 toneladas do A380 não são um problema. Asa esquerda, asa direita e o avião sobe e desce, numa espécie de ‘looping' controlado. Manobras que lembram festivais de acrobacia aérea e que arrancam aplausos aos passageiros.
No andar de cima, na zona VIP - primeira classe e executiva - a excitação não é diferente. O que muda é o espaço disponível por passageiro e o tratamento da tripulação. Na primeira classe, onde só há lugar para oito pessoas, a expressão luxo asiático aplica-se na perfeição. Nas viagens mais longas a cadeira reclina-se 180 graus, as cortinas são corridas e cada passageiro terá sempre o que desejar numa espécie de quarto privativo. E depois há pequenos luxos em que ninguém repara. "O ar é 25% mais húmido que o normal num avião. A comida sabe logo melhor", revela Roberto Steiner, um italiano com sotaque brasileiro que devia estar reformado há três anos. Mas depois de saber que a Lufthansa iria comprar 15 A380, Steiner soube onde queria acabar a sua carreira de 34 anos de assistente de bordo.
A privacidade na classe executiva começa logo que se sobem as escadas por detrás do ‘cockpit'. A tapar duas barras metálicas, ali colocadas para prevenir que ninguém cai, está uma cortina azul insonorizada. De um momento para o outro o burburinho que subia da económica desaparece. Mas hoje a excitação e conversas constantes estão também lá em cima. Quem pagou 999 euros por uma viagem de hora e meia para sobrevoar os Alpes está tão excitado como uma criança em dia de abrir os presentes de Natal.
Para que a experiência esteja completa, e ao fim de cerca de 45 minutos de voo, Werner Knorr cumprirá a manobra mais aplaudida. Um voo rasante sobre o Wolfgang Amadeus Mozart Airport, em Salzburgo. As casas ao nível das janelas, o chão ali tão perto, não mais de 40 metros, e de novo o A380 se eleva no ar, a 300 quilómetros por hora, e faz uma curva apertada à esquerda para regressar à sua casa emprestada.
A jornalista viajou a convite da Lufthansa
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