Monday 16 August 2010

FETEIRA: O PERCURSO DO HOMEM DE NEGÓCIOS

Expansão para o Brasil iniciou-se em 1941

O industrial inquieto que nasceu com dinheiro e morreu milionário

A vida de Lúcio Tomé Feteira teve uma mudança radical de percurso a partir do momento em que decidiu abandonar os estudos, fazer as malas e sair do país por alturas de 1922.

Lúcio Feteira, o terceiro a contar da direita, durante a inauguração da Cantina escolar Olímpia Tomé, em 1969

Podia ter ficado em Vieira de Leiria, na zona da Marinha Grande, e manter-se ligado à fábrica de limas da família, da qual era um dos accionistas. Em vez disso, optou por não terminar o curso do Instituto Superior do Comércio e, com vinte e um anos, rumou a Angola para trabalhar como funcionário superior das Finanças. Uma decisão que revela o espírito inquieto do filho mais novo do patriarca, Joaquim.

A partir daqui, a vida do industrial fez-se à volta do oceano Atlântico, com destaque para o Brasil, embora nunca tenha deixado de fazer negócios em Portugal. Alfredo Gândara, que pertencia ao seu círculo de amizades, escreveu um documento, em 1971, intitulado A vida prodigiosa de Lúcio Thomé Fèteira, onde não falta espaço para elogios ao empresário.

Na data da comemoração do 70.º aniversário, Gândara recorda o seu percurso, começando por sublinhar que Tomé Feteira cedo se fartou do sedentarismo do cargo público em Angola.

Em 1924 estava já no então Congo Belga a gerir empresas comerciais, mas ficou por pouco tempo. De regresso a Portugal, em 1928, envolve-se na fábrica da família, a Empresa de Limas União Tomé Feteira, e desenvolve uma rede de contactos que se viria a revelar promissora, ao mesmo tempo que inicia o seu próprio percurso profissional. Interessa-se pela indústria vidreira e, após se ter cruzado com Artur Cupertino de Miranda, o dono do Banco Português do Atlântico (BPA), e com João Bordalo (cinemas Lusomundo), funda a Companhia Vidreira Nacional (Covina), localizada em Santa Iria da Azóia e onde se desenvolveu a fabricação mecânica de vidro plano.

Em 1941, segundo a investigadora Maria Alice Magalhães, que fez um trabalho sobre a fábrica de limas da família Feteira, o industrial vendeu as suas acções da empresa a um dos irmãos, João Tomé, marcando assim a vontade de seguir o seu próprio caminho.

É também nesse ano, com a Europa já em plena II Guerra Mundial, que visita pela primeira vez o Brasil. Depressa optou por expandir os seus negócios para este país, exportando a sua aprendizagem na indústria do vidro. Fundou duas fábricas, a Covibra, em Niterói, perto do Rio de Janeiro, e a Companhia Paulista de Vidro Plano, em São Paulo. Seria apenas o princípio de uma série de investimentos que realizou na América do Sul.

Mantendo-se entre Portugal e o Brasil, Lúcio Tomé Feteira, naquela que é uma das facetas menos conhecidas do seu percurso de vida, foi um dos financiadores, juntamente com personalidades como Cupertino de Miranda e Amadeu Gaudêncio, da tentativa de golpe militar de 10 de Abril de 1947 contra Salazar.

Conforme é relatado no livro Negócios Vigiados (Oficina do Livro), as autoridades não conseguiram prender Tomé Feteira, que se ausentou para o Brasil até 1951. Não deixou, no entanto, de ficar sob a vigilância da PIDE, que o via como sendo "contrário à situação" e controlou as viagens feitas pelo empresário entre 1956 e 1961.

O Brasil onde Feteira passou parte dos seus anos de vida tornou-se num enorme palco de investimentos. Além das fábricas de vidro, investiu no sector mineiro, nos cimentos, na agro-pecuária e agro-indústria, na construção e no turismo. A expansão deu-se também para fora deste país, apostando em mercados como Uruguai, Estados Unidos da América e Angola.

Em Portugal, além da Covina, cujos negócios iam crescendo, Tomé Feteira alargou também os seus interesses para a fabricação de fibras de vidro e de tubos para lâmpadas, e para as áreas da construção, imobiliário e turismo. A estratégia de diversificação fez mesmo com que apostasse nos refrigerantes, produzindo a Canada Dry.

O relacionamento empresarial com Cupertino de Miranda e João Bordalo manteve-se estreito em muitos dos negócios, incluindo o BPA, do qual o empresário era accionista, no âmbito do que se apelidou de Grupo Feteira-Bordalo.

LUÍS VILLALOBOS
PÚBLICO 16-08-2010

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