Em 1961, enquanto os Lisbon Players ensaiavam a peça
"À Espera de Godot", receberam uma visita inesperada da PIDE.
"Eles ouviram dizer que no teatro estavam a preparar a peça de [Samuel] Beckett, proibida na altura em Portugal, e decidiram espreitar um ensaio", conta Jonathan Weightman, de 63 anos, um dos directores da companhia de teatro inglesa.
"Mas como não perceberam nada e era num idioma estrangeiro acharam que não era uma ameaça ao regime."
Nessa altura, o professor de Inglês e de Estudos Teatrais da Faculdade de Letras da Universidade Nova de Lisboa ainda não fazia parte dos Lisbon Players.
"Entrei para o grupo há 18 anos, depois de ver um anúncio em que procuravam actores", diz Jonathan.
"A partir daí participei regularmente nas peças, mais como encenador do que como actor."
Tal como ele, várias pessoas se juntam depois do trabalho no Estrela Hall, o teatro no número 10 da Rua da Estrela, em Lisboa, para representar sem receberem um tostão.
"É cansativo, principalmente depois de um dia de aulas, mas vale a pena", afirma Louise Kakoma, de 44 anos, professora de Inglês. Louise, que também toca piano e tirou um curso de Ópera, representa uma das personagens principais de
"She Stoops to Conquer", a comédia de 1773 de Oliver Goldsmith que estreia hoje às 21h30 no Estrela Hall.
"Todo o enredo da peça gira à volta de um equívoco e tem situações supercómicas", conta Leonardo Correia, de 35 anos, outro dos actores.
"Continua a ser contemporânea, apesar de se situar no final do século XVIII." Leonardo dá aulas de dança e teatro em várias academias e decidiu juntar-se em Dezembro aos Lisbon Players depois de ver um anúncio na internet e
"porque estava com imensa vontade de fazer uma coisa em inglês".
"É difícil conciliar as aulas com os ensaios, mas vários amigos professores ajudaram-me e deram as aulas por mim para conseguir estudar o meu papel."
As peças dos Lisbon Players são todas em inglês, o que faz com que grande parte dos espectadores sejam estudantes.
"Na peça anterior, ''The Importance of Being Ernest'', as filas encheram-se de grupos enormes de escolas como o St. Julians", conta David Soares, que há seis anos se voluntariou para ajudar nas bilheteiras e no bar da companhia. David trabalha numa empresa multinacional alemã e conheceu os Lisbon Players através de uma amiga que, tal como outros actores amadores e profissionais, costuma participar nas peças.
"Aqui não recebemos fundos, as receitas são só o dinheiro da bilheteira [os bilhetes custam dez euros, oito para estudantes e grupos de mais de dez pessoas] e todos temos várias funções, como arranjar as casas de banho ou preparar o bar", explica Jonathan Weightman.
"Amanhã [um dia em que não há ensaios] alguns de nós têm de aparecer para limpar o teatro."
Não espere grandes luxos na sala de espectáculos. Dos 120 lugares disponíveis no auditório desde que a companhia aí se instalou, em 1947, só 104 estão
"em condições" já que os camarotes do andar de cima foram encerrados. As cadeiras foram adquiridas ao cinema São Jorge em 1936 e convém levar um casaco quando for assistir à peça porque não há aquecedor.
BATALHA EM TRIBUNAL
Apesar do edifício pertencer ao governo britânico - tal como o cemitério no mesmo quarteirão, o já encerrado Hospital Britânico e a igreja anglicana -, os Lisbon Players não têm o seu apoio. Aliás,
"eles são o inimigo", diz um dos membros da companhia. Em Agosto de 2008 iniciou-se uma batalha em tribunal, quando a embaixada britânica anunciou que pretendia vender o imóvel e o terreno do teatro, que em tempos foi rinque de patinagem e também exibiu filmes de propaganda dos Aliados durante a Segunda Guerra Mundial.
"Querem vender toda a área para construir um condomínio de luxo", conta David.
"Mas os Lisbon Players estão aqui desde 1947 e temos mantido o edifício à nossa custa. Temos o direito de usucapião [a apropriação de um bem em decorrência do seu uso prolongado]."
As últimas notícias do tribunal foram boas:
"Se a embaixada britânica nos quiser despejar, teria de haver uma nova acção em tribunal." Mas mesmo assim, o futuro da companhia é incerto. É por isso que em 2011 querem produzir sete peças, quando em anos anteriores a média é de três por ano, de autores clássicos como Shakespeare, Chekhov ou Oscar Wilde.
As receitas vêm também das
"members nights", noites de workshops, leitura de poesia, quizes e festas, organizadas para os perto de 200 membros dos Lisbon Players (para ser membro é preciso pagar cinco euros/ano). João Blümel, de 25 anos, um dos actores de
"She Stoops to Conquer", fez em Julho do ano passado "o primeiro espectáculo de mind-reading em Portugal" no teatro.
"Peço a uma pessoa que não conheço de lado nenhum para pensar numa palavra e num objecto e adivinho." O ilusionista participou numa audição dos Lisbon Players há três anos porque
"quis experimentar uma nova abordagem do palco" e foi escolhido por Keith Esher Davis, o director da companhia.
"É incrível porque na altura só umas 20 pessoas vinham às audições. Agora chegam a ser 60."
"She Stoops to Conquer", de Oliver Goldsmith, encenação de Keith Esher Davis. Até 20 de Fevereiro, às sextas e sábados às 21h30, domingos às 16h00. Rua da Estrela, 10, Lisboa. Preço: 10 euros, 8 euros para estudantes, membros dos Lisbon Players e grupos de mais de dez pessoas. Reservas: 213 961 946
http://www.ionline.pt/conteudo/102584-lisbon-players-teatro-ingles-ver-escondido-em-lisboa