Wednesday, 8 September 2010

GRACE KELLY

ENTREVISTA D. DUARTE À REVISTA "MAIS ALENTEJO" MAIO 2008


Entrevista de SAR, à revista "Mais Alentejo", em Junho de 2008

Seria um BOM REI

DUARTE PIO JOÃO MIGUEL GABRIEL RAFAEL DE BRAGANÇA - POSSIVELMENTE, O LEITOR NÃO SABE, MAS É ESSE O NOME COMPLETO DO CHEFE DA CASA REAL PORTUGUESA, QUE TODOS CONHECEMOS "SIMPLESMENTE" POR DOM DUARTE DE BRAGANÇA. CONSIDERADO AQUILO A QUE OS MAIS FEROZES REPUBLICANOS, IRONICAMENTE, DIZEM SER UMA ESPÉCIE DE "REI SEM TRONO", O PROTAGONISTA DESTA EDIÇÃO DA MAIS ALENTEJO, POR OUTRO LADO TEM UM NOTÓRIO CAPITAL DE SIMPATIA JUNTO DO POVO PORTUGUÊS. REALIDADE A QUE TALVEZ NÃO SEJA ALHEIA A SIMPLICIDADE - E TAMBÉM A FORMA DESEMPOEIRADA E FRONTAL - A QUE NOS HABITUOU AO LONGO DA SUA VIDA. CASADO COM DONA ISABEL DE HERÉDIA. TRÊS FILHOS, NASCEU EM BERNA (SUÍÇA, ONDE A FAMÍLIA SE ENCONTRAVA ENTÃO EXILADA), NA EMBAIXADA DE PORTUGAL, PORTANTO EM TERRITÓRIO PORTUGUÊS A 15 DE MAIO DE 1945. APÓS O REGRESSO A PORTUGAL DA FAMÍLIA REAL, NOS ANOS 50 DO SÉCULO XX, ESTUDOU EM SANTO TIRSO E, MAIS TARDE, INGRESSOU NO COLÉGIO MILITAR, EM LISBOA. DOM DUARTE DE BRAGANÇA CUMPRIU O SERVIÇO MILITAR EM ANGOLA, COMO TENENTE PILOTO AVIADOR DA FORÇA AÉREA (1968/71). EM 1972, AINDA EM TERRAS ANGOLANAS, ORGANIZOU UM GRUPO INDEPENDENTE DE CANDIDATOS Á ASSEMBLEIA NACIONAL, OUSADIA QUE LHE CUSTOU A EXPULSÃO DAQUELE ANTIGO TERRITÓRIO PORTUGUÊS. A LIGAÇÃO A ANGOLA- BEM COMO AOS PAÍSES AFRICANOS DE LÍNGUA PORTUGUESA-, ESSA, PERMANECEU VIVA ATÉ AOS DIAS DE HOJE, CONFORME PODE COMPROVAR-SE PELOS VÁRIOS PROJECTOS QUE TEM DINAMIZADO. TIMOR É IGUALMENTE UMA PAIXÃO ANTIGA TENDO SIDO, ALIÁS, UMA DAS PRIMEIRAS VOZES A LEVANTAR-SE, EM PORTUGAL, CONTRA A OCUPAÇÃO E AS ATROCIDADES OCORRIDAS NO TERRITÓRIO, NUMA ALTURA EM QUE A CAUSA TIMORENSE ERA ASSUNTO TABU. DOM DUARTE DE BRAGANÇA, EM CONVERSA QUE MANTEVE COM A NOSSA REVISTA, ABORDOU AS VANTAGENS QUE, NA SUA OPINIÃO, PORTUGAL TERIA A GANHAR, CASO OS PORTUGUESES PUDESSEM TROCAR A REPÚBLICA PELA MONARQUIA, ALÉM DE RESPONDER AS HABITUAIS PERGUNTAS DIRIGIDAS A TODAS AS PERSONALIDADES ENTREVISTADAS NESTA RUBRICA.

(14 de Junho de 2008)

Quase 100 anos após a implantação da República, que, naturalmente, coincidiu com o fim da monarquia, em Portugal, ainda faz sentido ser-se monárquico e pretender o regresso da monarquia?

Faz sentido comparar o progresso dos países que têm Reis e Rainhas, na Europa de hoje, com o nosso atraso e compreendermos até que ponto é que esse atraso é devido a um regime republicano. Faz todo o sentido fazer-se essa comparação, analisar as realidades políticas actuais e tirar as respectivas conclusões.

Na essência, que diferencia a República da Monarquia?

Diferenciam-se a várias dimensões. A mais corrente, pragmática e primária, reside no facto do chefe de Estado, na monarquia, ser completamente independente de partidos, grupos financeiros e, portanto, poder agir, realmente, como supremo magistrado, árbitro e fiel da balança, enquanto na República é muito raro isso acontecer. Normalmente, os presidentes pertencem a partidos políticos e, por vezes, até fazem como alguns - em Portugal houve um recentemente - que decidem derrubar o partido do governo para favorecer o seu próprio partido, o qual, nas sondagens, já estava a obter bons resultados. Isso nunca aconteceria numa monarquia onde os Reis mantêm sempre grande independência em relação aos interesses partidários. Depois, há uma outra vantagem que diz respeito à questão económica. A casa real espanhola, por exemplo, custa cinco vezes menos do que a presidência portuguesa. Isto no tempo do anterior presidente, mas hoje em dia não deve ser muito diferente. Isso quer dizer que, por habitante, custa 18 vezes menos do que o presidente de Portugal. O resto das monarquias europeias assemelha-se a essa situação, com excepção da inglesa, que é um pouco mais cara, mas, mesmo assim, a rainha de Inglaterra, por cada habitante inglês, fica mais barata, proporcionalmente, do que o presidente de Portugal.

Que propõe para que o povo português equacione, neste início do século XXI, o regresso ao regime monárquico? Um referendo?

Primeiro tem que haver informação livre, justa e objectiva. Esse é o papel das reais associações. Uma informação justa para que, após a existência de uma percentagem da população que esteja interessada numa mudança, a questão possa ser colocada à opinião pública. Existe, no entanto, um problema. A nossa constituição proíbe essa situação. É muito pouco democrática a nossa constituição. O artigo 288 diz que é inalterável a forma republicana de governo, quando aquilo que propomos é que se altere o texto para: "é inalterável a forma democrática de governo". Esta proposta foi feita no Parlamento há sensivelmente dois anos e teve a maioria dos votos, mas não chegou aos dois terços necessários para mudar a constituição. Seja como for, houve mais de metade dos votos a favor da proposta de alteração.

Acha que seria um bom rei?

Nós temos tido Presidentes da República muito bons, o general Ramalho Eanes, Mário Soares, o actual presidente Cavaco Silva... Mas o papel deles torna-se mais difícil do que o papel de um Rei. Estou convencido que seria um bom rei e que poderia ser tão bom como os actuais Reis europeus. Certamente tão bom ou melhor que os presidentes que temos tido. Não por causa de qualidades pessoais, mas por causa da instituição, que favorece um bom desempenho. É difícil ser um mau rei e a prova é que na Europa do século XX não houve maus Reis, todos eles foram considerados muito bons.

Ser-se monárquico significa estar à direita ou à esquerda do espectro político português?

Não se pode negar que a maior parte dos monárquicos são conservadores. Há bastantes católicos, mas sempre houve, também, bastantes militantes monárquicos de esquerda. Depois existe um outro tipo de pessoas que são simpatizantes, não se assumem como monárquicos, mas dão muito apoio. Até têm havido muitos do Partido Comunista que dão grande apoio às nossas visitas, aos congressos das associações. Noto no sector de esquerda, nomeadamente no Partido Comunista, uma grande simpatia pelo movimento monárquico. Obviamente que eles dizem que são contra a monarquia, mas, por outro lado, também são contra o actual sistema republicano. O projecto comunista é completamente diferente.

Pessoalmente, considera-se de esquerda ou de direita?

Em teoria, não concordo com essa distinção. No entanto, com base no panorama político português, bem como nos valores que são defendidos, diria que, moralmente, sou conservador, mas política, económica e socialmente sou mais reformador. Existem aspectos em que me revejo mais no pensamento socialista, mas, por outro lado, há situações em que me revejo mais num pensamento reformador e moderado. Sobretudo, moralmente, sou bastante conservador. A base para medir o que está certo e errado, para mim, é a mensagem de Cristo. É a partir daí que vejo o que está certo ou errado. Cristo foi um homem extraordinariamente preocupado com as questões da justiça, mas, por outro lado, sempre fez uma grande diferença entre o que era vida espiritual e vida política. Há muitos séculos que sabemos ser obrigação do cristão lutar para que a cidade de Deus na terra seja possível através de um regime justo. Santo Agostinho perguntou qual a diferença entre um bando de ladrões e um governo. Um bando de ladrões pode governar e fazer o povo contente, mas o objectivo é que, eles próprios, ganhem dinheiro. Já um governo só é digno desse nome se tiver como objectivo o progresso espiritual e material da população.

Como reage ao livro "O usurpador", escrito por Nuno da Câmara Pereira, o qual coloca em causa a sua legitimidade enquanto herdeiro da coroa portuguesa?

Gosto da capa do livro porque diz "O Usurpador" Nuno da Câmara Pereira. Quanto ao conteúdo não acredito que tenha sido escrito pelo Nuno da Câmara Pereira. Ele não seria capaz de escrever aquelas coisas todas, não tem formação política para escrever aquilo. Sei quem escreveu o livro...

Não foi Nuno da Câmara Pereira que o escreveu?

Foi um advogado, que eu conheço e fazia de conta que era meu amigo. O próprio Câmara Pereira... Eu era muito amigo dele, dávamo-nos muito bem e ele nunca discordou minimamente dos meus direitos dinásticos. Pelo contrário, pediu-me licença para usar o título de "Dom", só que isso não foi tratado por mim, mas sim avaliado pelo conselho de nobreza, que negou, dizendo que não havia razões familiares que o justificassem. Ele ficou muito zangado e começou esta campanha. O conteúdo do livro, uma parte do livro, até não está mal feita, mas contém um conjunto de mentiras completas e não tem uma base minimamente séria.

Se vivêssemos em monarquia, pensa que Portugal estaria melhor ou pior e porquê?

Não serve de muito comparar com o passado, não sabemos muito bem como as coisas teriam evoluído. Se D. Carlos não tivesse sido assassinado, a monarquia não teria caído, considerando que, democraticamente, os republicanos tinham somente sete por cento dos votos em Portugal. Os republicanos tomaram o poder através de um golpe. Em 1900, Portugal estava a meio da tabela europeia de desenvolvimento. Agora está praticamente no último lugar. Em 100 anos, perdemos 50 pontos. Atrasámo-nos muito. Se estivéssemos em monarquia, todos os líderes do Ultramar o diziam, teríamos evoluído para uma espécie de "Commonwealth" portuguesa, um reino unido, uma confederação de estados lusófonos que, pacificamente, tinham acedido a uma independência, mantendo provavelmente uma unidade com Portugal. Quase todos os nossos irmãos africanos são dessa opinião. Ao contrário, a descolonização foi uma tragédia para nós e um drama inconcebível para eles. O nível de corrupção, de mau governo, é quase sempre maior nas repúblicas do que nas monarquias. Hoje quase toda a gente se queixa da incompetência dos governos, falta de estabilidade, mudança de critérios. Nas monarquias, os Reis não intervêm activamente, mas influenciam junto dos governos e contribuem de algum modo para a estabilidade. Julgo que caso tivéssemos continuado numa monarquia estaríamos hoje, provavelmente, ao nível da Bélgica, da Europa do Norte e, certamente, ao nível de Espanha. Não havia razão nenhuma para estarmos mais atrasados.

Que palavras encontra para qualificar o assassinato que vitimou o rei D. Carlos, o denominado regicídio, cujo centenário passou recentemente?

Os assassinos eram idealistas, acreditavam no que estavam a fazer, só que Bin Laden também é um idealista. Os suicidas que fizeram cair as torres de Nova Iorque também o fizeram por ideais. Uma coisa feita por ideal não é necessariamente justa e boa. O assassinato de um rei é um crime pavoroso porque é um crime contra uma nação inteira. Pessoalmente, o rei D. Carlos tinha uma capacidade excepcional de reinar, de chefiar o Estado português, fez um trabalho muito interessante em circunstâncias muito difíceis devidas, em parte, à instabilidade que a democracia portuguesa vivia na altura - a instabilidade não é consequência da monarquia mas sim da democracia -, a alternância muito grande dos partidos no governo, a grande pressão internacional dos ingleses, o ultimato. Dizer não aos ingleses, naquela altura, seria o mesmo que declararmos, agora, guerra aos Estados Unidos da América.

O Alentejo define-se com que frase?

Parece-me que o Alentejo não é definível com frases nenhumas. É preciso estar lá e sentir, estar com as pessoas, comer aquela comida e deixar-se embalar pela paisagem. É impossível explicar o Alentejo a quem não está lá.

Que livro ou livros está a ler neste momento?

Estou a ler vários ao mesmo tempo, uma coisa que costumo fazer, vou lendo à medida que posso. Tenho estado a ler "Salazar e a rainha", de Fernando Amaro Monteiro. Estou também a ler um livro de que gosto muito, talvez aquele que mais me está a marcar neste momento. Chama-se "Arquitectura, escolha ou fatalidade", do professor Leon Krier, um dos grandes arquitectos contemporâneos. Defende que a arquitectura não deve ser obrigatoriamente a arquitectura modernista do cinzento predominante que hoje aparentemente toda a gente faz, mas pode ser uma arquitectura tradicional e regional, inspirada na cultura, no ambiente e no clima. Acho fundamental, por exemplo, que o Alentejo perceba isso, não se deixando estragar como o Norte, responsabilizando as Câmaras Municipais e reconhecendo a falta de cultura de muitos arquitectos.

Existe alguma coisa que o faça perder a cabeça?

O que me irrita mais é a falta de lógica e de coerência, irrita-me muito porque é uma questão de educação. Qualquer pessoa pode ter um raciocínio lógico e tomar atitudes coerentes. Irrita-me muito a estupidez assumida, alguém que pára o carro no meio de uma rua e não deixa ninguém passar, ou aquele que constrói uma casa muito feia num bairro muito bonito. Como se diria no Porto, uma atitude de "morcão". O indivíduo ordinário que tem orgulho em ser ordinário.

Quais são a sua maior qualidade e o defeito mais marcante?

O defeito talvez seja o de fazer muitas coisas ao mesmo tempo e, portanto, não as fazer tão bem como faria se estivesse concentrado num só objectivo. Tenho talvez uma certa falta de método na maneira de agir. Quanto à minha maior qualidade, julgo que devem ser os outros a dizê-lo e não eu. Não me fica bem salientar as minhas qualidades... Acho que são muitas, mas não me fica bem dizer.

Como se define a si próprio?

Acredito em certos valores na vida e tento segui-los, ser coerente com aquilo em que acredito, embora por vezes não consiga fazer aquilo que queria, mas vou tentando.

Acalenta algum sonho secreto?

Tenho muitos. Alguns ficam guardados no armário à espera de uma ocasião oportuna e outros, quando vejo ser boa altura para os expor, procuro concretizá-los. Tenho, por exemplo, um projecto para a Guiné, muitíssimo interessante, que penso poder parar a desertificação naquela zona de África e permitir que a população rural viva do campo e não precise emigrar e correr o risco de morrer pelo caminho. Basicamente, consiste em técnicas agrícolas mais eficazes que podem ser ensinadas, bem como plantações que ajudam a proteger o ambiente e também a produzir combustível doméstico para não cortarem as árvores. Também gostaria de introduzir em Angola esse projecto e outro que tem a ver com a educação. Criei tipografias e bibliotecas em vários locais. No que respeita a tipografias, temos uma muito boa em Timor e outras mais pequenas em Angola... Timor é um país extraordinário, muito especial, cujo povo tinha gostado de continuar português, mas ninguém deixou. Foram, por assim dizer, expulsos da nacionalidade portuguesa, como foram os naturais de S.Tomé e Cabo Verde, por exemplo. Foi um dos actos mais injustos, expulsar populações inteiras impedindo-as de serem portuguesas. E agora estamos muito preocupados porque a língua portuguesa desaparece... E desaparece, precisamente, devido à escassez de livros. Uma das coisas que julgo importante é criar gráficas para produzir livros para o ensino básico e para as faculdades desses países.

Lembra-se da sua primeira namorada?

Sim, sim, muito bem.

Concorda com o casamento entre homossexuais?

As pessoas têm o direito de fazer o que quiserem com a sua vida, mas parece-me existir uma confusão entre aquilo que é a coabitação e a união de facto. Pode ser entre homossexuais ou entre duas velhas amigas, que vivem juntas num apartamento, não acho que isso se possa chamar casamento. A instituição casamento existe especificamente para proteger os filhos. Esse é o verdadeiro casamento. Como essas uniões não têm por objectivo a procriação, acho que não se deviam chamar casamento.

Sim ou não - legalização de drogas leves?

Tenho uma opinião que talvez possa ser considerada polémica. Há uma lei que nunca ninguém conseguiu mudar. É a lei da oferta e da procura. Enquanto houver procura, vai sempre haver oferta e enquanto houver pessoas que queiram consumir droga, haverá sempre quem a venda. Por isso, o problema terá de ser resolvido a nível do consumidor. Um adulto que queira consumir drogas leves — e isso não influencie de modo nenhum os adolescentes a consumi-las —, não vejo como se possa proibir. Não faz sentido proibir adultos de fumarem marijuana, acho eu. No entanto, admito o outro lado do problema, ou seja, se hoje quase é proibido o uso do tabaco é porque o tabaco faz mal aos mais jovens. Será que com a legalização do consumo de marijuana é possível evitar que ela seja consumida por adolescentes, a quem efectivamente faz muito mal? O mesmo problema põe-se para o álcool. Penso que mais cedo ou mais tarde vai ser autorizado o consumo controlado de marijuana.

Qual considera ser o principal problema da sociedade mundial actual?

O problema mais dramático, neste momento, reside nas mudanças climáticas, as quais são, em grande parte, consequência de uma atitude moral e ética totalmente abandalhada, na qual as nossas sociedades entraram. Os nossos políticos, cientistas e as pessoas com algum nível cultural, há muito tempo perceberam que a destruição ambiental estava a provocar um desastre, mas como não convinha levantar o problema, por razões económicas ou políticas, calou-se a situação. Agora estamos a ver-nos aflitos, sem saber se ainda vamos a tempo de evitar que o desastre nos atinja. Parece-me, assim, que o problema ambiental é o mais grave dos nossos tempos, mas é consequência da decadência moral e a falta de sentido ético na política e no comportamento individual.

Qual a coisa mais irreverente que fez até hoje e nunca contou a ninguém?

Se nunca contei a ninguém também não posso contar agora. Acho mesmo que não posso contar...

Que sente quando ouve o hino português e olha para a republicana bandeira portuguesa?

O hino foi dedicado ao meu avô e é um bonito hino, sinto-me, de facto, emocionado. Por outro lado, a bandeira tem as cores erradas, mas o escudo certo. O escudo português é o mesmo da minha família, muito bonito. As cores, verde e vermelha, é que estão um bocado erradas e, um dia, devia discutir-se a mudança, se seria uma bandeira toda azul, da cor do oceano, simbolizando os mares portugueses, ou azul e branca, como era em 1910. De facto, penso estar já na altura, 100 anos após esta República falhada - estas três Repúblicas mais ou menos falhadas -, vermos se não terá sido a bandeira que nos deu azar. Independentemente do regime político, devíamos discutir a bandeira que queremos para o país. Até porque o que acompanhou a história de Portugal foi o escudo que, felizmente, os republicanos tiveram o bom senso de manter.

NICK GRIFFIN

Nick Griffin jail proceedings adjourned

An attempt by the Equality Commission to imprison the British National Party leader Nick Griffin was adjourned today for two months.

Griffin and two former BNP officers, Simon Darby and Tanya Lumby, are accused of failing to remove potentially racist clauses from the party’s constitution. Although the party agreed in February to open membership to non-whites, the Commission for Equality and Human Rights (CEHR) believes that the party still discriminates on racial grounds.

Under the party constitution members have to agree with and support the party’s principles, which include several references to the “indigenous British”. Members who want to vote at party meetings and leadership elections also have to agree to home visits by local party officers, a requirement that may be intimidatory to ethnic minority members.

The CEHR action against the BNP began last autumn at a time when the racist party’s constitution banned non-white members. It forced the BNP to bar new members for over four months while it prevaricated over complying with race equality laws.

Eddy Butler, the BNP’s former national organiser, who last month mounted an unsuccessful challenge to Griffin’s leadership of the party, has said that Griffin could have saved the party tens of thousands of pounds in legal costs had he bowed down to the inevitable outcome at the start.

Today’s proceedings were the result of an application by the CEHR to commit Griffin, Darby and Lumby to prison or be fined for disobeying an order made by the Central London County Court on 12 March to remove two clauses from the BNP’s new constitution because they were indirectly racist. The judge, Paul Collins, also banned the BNP from admitting new members until it had changed the constitution, an order that the party ignored.

Griffin has taken every opportunity to portray himself as a martyr, prepared to go to prison for his cause, to persuade supporters to give yet more money to the financially strapped party. Although he defended himself in court, his desperate begging letters claimed the party needed to raise £30,000 “to make the necessary arrangements to defend our party” and its officers.

Presumably it was an attempt to appeal to his more illiterate supporters that resulted in the heading on one letter “Tommorrow [sic] is our D-Day” in round two against the “Equalities Commisson [sic]”.

In fact, even as he told supporters that he would “cherish my incarceration as an honour on your behalf”, he knew very well that he was not going to prison today. In an interview on the BNP’s website on 3 September, Clive Jefferson, the party’s national elections officer and close colleague of Griffin, claimed, albeit incorrectly, that the party had already won the case because the CEHR had withdrawn the action, leaving only an argument over costs.

At the High Court Mrs Justice Nicola Davies ruled that the cases against the three should be heard by two judges and adjourned them for a two-day hearing starting on 8 November. She laid down a strict timetable for submission of legal argument and evidence before the hearing, in view of Griffin’s very late submission of documents throughout the proceedings. Even his skeleton argument for today’s hearing was only presented yesterday afternoon.

Griffin had turned up half an hour late with his minder, Martin Reynolds, and other BNP security officers claiming it had taken him three and a half hours to get from the East End to court. Several other BNP members turned up in his support, either sitting in the public gallery of the court or on a demonstration outside in the Strand.

Also there, but keeping their distance, were Butler and a number of those who had supported his leadership challenge, including Richard Edmonds, a founder member of the BNP who was suspended from membership for revealing the huge sum the party paid its fundraising and management consultant, the convicted criminal Jim Dowson.

During the hearing Griffin was accompanied by Patrick Harrington, the leader of the rival Third Way party, whom the BNP employs in a staff management role alongside Adam Walker, the disgraced former teacher, who was also in court. Harrington, who acts as general secretary of the BNP’s fake trade union Solidarity, has represented several BNP members at tribunal hearings, sometimes successfully.

Jefferson had come all the way from Cumbria to support Griffin, though it is unlikely he understood much of the proceedings. Bob Bailey, who recently lost his position as London regional organiser, a role now filled by Griffin himself, was welcomed by Darby in particular.

Doubtless Griffin will use the two-month respite to try and raise more money to help the BNP pay off its liabilities, believed to stand at £600,000 and rising. The party claims to have received £23,000 as a result of its latest appeal, so it has a long way to

KIRKLEES UNITY

Wednesday, 8 September 2010

BENTO XVI RECEBE PRIMEIRO MINISTRO DE CABO VERDE

O Papa Bento XVI recebe esta quarta-feira, no Vaticano, em Itália, o primeiro ministro cabo-verdiano, José Maria Neves que deverá aproveitar para agradecer o apoio da Igreja a Cabo Verde e para convidar o Papa a visitar o seu país.

José Maria Neves está em Itália há uns dias em trabalho. Na segunda-feira teve uma numa audiência com o secretário de Estado da Santa Sé, Tarciso Bertoni, altura em que ficou definida a criação de uma comissão paritária para preparar o texto da Concordata a assinar entre os dois Estados.Se a Concordata for assinada, Cabo Verde, tal como Portugal e Brasil, torna-se no terceiro país de língua portuguesa a rubricar o tratado com o Vaticano.
CORREIO DA MANHÃ 8-09-2010

Tuesday, 7 September 2010

ENTREVISTA A JOSÉ PEDRO AGUIAR

DÍVIDAS A ADVOGADOS OFICIOSOS VÃO SER PAGAS NA PRÓXIMA SEMANA?

Figueira da Foz, Coimbra, 04 set (Lusa) – O Ministério da Justiça vai regularizar, na próxima semana, os pagamentos em atraso a cerca de cinco mil advogados oficiosos, disse hoje, na Figueira da Foz, o Bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto.
No final da tertúlia “125 minutos com…”, que decorreu no Casino local, e dirigindo-se a uma advogada na assistência, Marinho Pinto informou que se tinha reunido na sexta feira, em Coimbra, com o ministro da Justiça, Alberto Martins, que lhe deu a notícia de que “para a semana vão ser pagos os atrasos nas oficiosas”.

“Com as cautelas e as prudências que estas promessas têm, parece que para a semana vão ser pagos os atrasos”, sublinhou.

Questionado pela agência Lusa, após a sessão, o Bastonário dos Advogados, embora não revelando o montante global, disse esperar que o pagamento abranja “todos” os atrasos.

“Pagamento em partes não é pagamento, deve ser pago tudo”, frisou.

“Se houver algum atraso é por contingências burocráticas, porque o problema foi resolvido”, acrescentou.

A 26 de agosto, o deputado do CDS-PP Filipe Lobo d`Ávila pediu explicações ao Ministério da Justiça sobre os atrasos na regularização das dívidas a cerca de cinco mil advogados oficiosos, alegando que, naquela data, mantinha-se a falta de pagamento.

Em requerimento entregue no Parlamento, Filipe Lobo d`Ávila inquiriu sobre qual o montante global em causa e para quando previa o Ministério da Justiça “regularizar a totalidade das dívidas respeitantes ao sistema de acesso ao direito e, em particular, do patrocínio oficioso”.

Alguns advogados, acrescentou, esperavam o pagamento desde o mês de abril.

No passado mês de junho, um conjunto de advogados escreveu uma carta aberta ao ministro da Justiça reclamando o pagamento dos honorários devidos aos advogados inscritos no Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais.

Os advogados inscritos naquele sistema prestam patrocínio oficioso pago pelo Estado a pessoas com carências financeiras.

JLS/SF.

ADVOCATUS 4-09-2010

http://www.advocatus.pt/content/view/2455/20/

PUBLICAR PEÇAS DO PROCESSO CASA PIA É CRIME?

Juristas divididos quanto a eventual crime de desobediência por Carlos Cruz

Comete Carlos Cruz um crime de desobediência perante o tribunal ao divulgar, no site que criou na Internet, vídeos que integram o processo Casa Pia? A opinião dos advogados do caso dividem-se, mas a lei é clara, apesar do tribunal e do MP ainda não terem tomado qualquer atitude.

Para o advogado das vítimas da Casa Pia, Miguel Matias, é claro que existe, neste caso, um crime de desobediência. O jurista lembra os despachos que a juíza presidente do colectivo que julgou o processo proferiu ao longo de todo o julgamento, proibindo a divulgação das peças processuais, atendendo "à natureza do processo e à vulnerabilidade das vítimas". Miguel Matias considera que "ao incluí-las agora no seu site, Carlos Cruz desrespeita as ordens do tribunal". Ao invés, o defendor do ex-apresentador de televisão, Ricardo Sá Fernandes, entende que não há qualquer crime de desobediência. Isto porque "a proibição era só até ao final da leitura da sentença", explica Sá Fernandes. De acordo com o Código de Processo Penal, a lei proíbe "a reprodução de peças processuais ou de documentos incorporados no processo até à sentença de primeira instância". Resta saber se os vídeos são meros "documentos do processo" ou se, por implicarem a recolha de imagens de terceiros, têm outro tipo de protecção legal que não só a proibição de reprodução até ao momento consagrado pela lei. Até agora, nem juízes nem magistrados do MP se pronunciaram sobre o assunto.

Fonte: Público e DN

ADVOCATUS 7-9-2010
D. MANUEL II: O REI SAUDADE

Depois de um breve e turbulento reinado, Dom Manuel II foi expulso do país. Tinha 21 anos, quando procurou o exílio britânico. Mantinha-se bem informado sobre tudo o que acontecia em Portugal e trabalhava na sua magnífica biblioteca. Em Twickenham continuou a ser O Rei Saudade.

Na última carta que escreveu ao Marquês do Lavradio, a 4 de Junho de 1932, Dom Manuel II assumia estar "estafado". Prosseguia o seu trabalho "por Portugal" - um catálogo de livros antigos portugueses que seria editado em três volumes -, mas o cansaço não se devia apenas ao estudo bibliográfico, que iniciara, alguns anos antes, em Fulwell Park, Twickenham (o lugar onde a mãe havia nascido), não muito longe de Londres. A mansão onde escolhera viver com a sua mulher, Dona Augusta Vitória (que era sua prima, neta da infanta Dona Antónia de Bragança e filha do Príncipe Guilherme de Hohenzollern), desde 1913, tinha sido assaltada. Os ladrões levaram as pratas, miniaturas, quadros, bibelôs e quase todos os objectos que estavam na vitrina da sua magnífica biblioteca. Triste e desgastado com o acontecimento, escreveu a Lavradio que ponderava passar uns dias em Vichy, "para uma cura". Valiam-lhe, porém, as lembranças do seu encontro com o Papa Pio XI, em Março, que lhe tinha dado "provas excepcionais de consideração e carinho". E concluía: "Não me posso esquecer que há quase um quarto de século que sou Rei!"
Era Rei sim, mas sem trono há mais de 20 anos. E a breve experiência do seu reinado (cerca de dois anos, de 1908 a 1910) arrastara consigo a memória da tragédia dos assassinatos do seu pai, Dom Carlos, e do seu irmão, o Príncipe Luís Filipe, e fora condicionada pela sua juventude (19 anos) e pela poderosa influência da mãe, a Rainha Dona Amélia. Quando escreveu a carta a Lavradio, nesse início de Verão de 1932, Dom Manuel sabia que Portugal não mais retornaria ao regime monárquico (essa possibilidade só chegou a adquirir algum fôlego nos primeiros anos da República, com as incursões monárquicas de Paiva Couceiro) e aquilo que lhe restava era a saudade. E o sentimento de não ter sido compreendido. "Em Portugal, meu amigo, é preciso morrer para que nos façam justiça, para que digam bem de nós", disse a António Ferro, em entrevista ao Diário de Notícias, a 7 de Dezembro de 1930.

Nesta altura, já o Rei deposto, que se mantinha bem informado sobre tudo o que acontecia em Portugal, antevia um novo rumo para o seu país. Na correspondência com membros da aristocracia nacional existem várias referências elogiosas à "obra" de António de Oliveira Salazar. "Não há dúvida de que ele é ALGUÉM!", escreveu, em Outubro de 1929, numa carta dirigida ao conde Mafra. Dois anos depois, no Natal de 31, quando o futuro presidente do Conselho exercia ainda as funções de ministro das Finanças, Dom Manuel, em missiva para o visconde do Torrão, notava que, apesar da crise mundial (Grande Depressão), o país poderia reerguer-se, pois possuía "um dos raríssimos homens de Estado que hoje existem e que outros países nos invejam: o dr. Salazar". Foi precisamente Salazar, recém-nomeado presidente do Conselho, quem ordenou a trasladação dos restos mortais de Dom Manuel - em Agosto de 1932, Lisboa quedou-se perante as exéquias, fazendo jus às palavras do Rei a António Ferro. Regressava finalmente ao seu país, tendo sido sepultado no Panteão Real, em S. Vicente de Fora. Morreu com apenas 42 anos, a 2 de Julho de 1932, vitimado por um edema da glote. Aparentemente, não tinha problemas de saúde. No dia anterior jogara ténis, um dos desportos da sua predilecção, em Fulham. No dia 2, em Fulwell Park, ao princípio da tarde, começou a sentir problemas respiratórios e de nada valeu o auxílio médico. Dona Augusta Vitória optou por omitir a morte súbita do Rei no telegrama que enviou à Rainha Dona Amélia, então em Versalhes, pedindo-lhe antes para viajar rapidamente até Twickenham, porque Dom Manuel estaria gravemente doente. Ainda nessa tarde, Lisboa soube da morte do Rei exilado que, durante os anos de desterro, foi também O Patriota, O Rei Saudade, O Desventurado. Afixada no pilar da ponte do elevador de Santa Justa, a capa do vespertino Diário de Lisboa noticiava a morte de Dom Manuel de Bragança, vitimado por uma "afecção na garganta". Não muito longe dali, no Rossio, uma multidão competia para ler, na montra do jornal O Século, o telegrama remetido de Londres.

A 3 de Julho a urna com os restos mortais do Rei foi transportada para a catedral de Westminster, onde foi realizado um serviço fúnebre ao qual compareceram Reis e representantes das Casas Reais europeias. Depois, o caixão foi conduzido pelas ruas de Twickenham, então pejadas de crianças das escolas locais, até à Igreja de St. Charles Borromeo, em Weybridge, onde se manteve até ser levado, por mar, para o mausoléu de S. Vicente de Fora, a 2 de Agosto. Enquanto em Westminster decorria o requiem, Lisboa acordava com apelos, na imprensa, para que o Governo aceitasse o último desejo do Rei - ser sepultado ao lado do pai e do irmão. "Não pretendemos iluminar Dom Manuel com a chama do "sol dos mortos", que sempre redime defeitos, exaltando virtudes. Desejamos apenas fazer justiça a um homem - a um vencido", lia-se no republicano Diário de Lisboa. Alguns dias depois da morte do Rei, a 10 de Julho, o Governo comunicou, em nota oficial, que resolvera tomar a "iniciativa da trasladação", anunciando ainda um programa de cerimónias. Na manhã de 2 de Agosto o cruzador britânico Concord, que transportava a urna do Rei, entrou no Tejo, onde o aguardavam várias flotilhas. Aportou no Terreiro do Paço sob uma salva de tiros e ao aparato militar juntou-se uma multidão vestida de preto. Quando os marinheiros portugueses receberam da Armada britânica o caixão, colocando-o sobre uma carruagem ladeada por soldados, já todas as janelas, varandas e até telhados dos ministérios estavam lotados. Na praça, vendedores ambulantes apregoavam retratos do malogrado rei. E no trajecto até à Igreja de S. Vicente de Fora - a pé, à frente do cortejo, seguia o Governo - houve quem colocasse colchas azuis e brancas às janelas.

Exilado e Pobre - Dom Manuel (1889-1932) não fez uma transição serena para a idade adulta. Tudo se precipitou na sua vida após o regicídio - cerca de três meses após a morte do pai e do irmão foi aclamado Rei, com apenas 19 anos, tendo assistido, impotente, ao desgaste e agonia da Monarquia Constitucional; e dois anos depois a revolução republicana destinou-lhe o exílio e converteu-o no último monarca de Portugal. Na tarde de 5 de Outubro de 1910, após ter sido transportado da praia da Ericeira pela barca Bom Fim até ao iate Amélia, onde estava já a sua mãe e a sua avó, Don Maria Pia, escolheu o abrigo do seu camarote para expressar a sua mágoa. Fê-lo através de uma carta cujo conteúdo não chegou a ser publicitado, como era seu desejo. Endereçada a Teixeira de Sousa, presidente do Conselho, a missiva sublinhava a dedicação de Dom Manuel às suas funções e invocava reconhecimento: "Sou português, e sê-lo-ei sempre. Tenho a convicção de ter sempre cumprido o meu dever de Rei em todas as circunstâncias e de ter posto o meu coração e a minha vida ao serviço do meu país. Espero que ele, convicto dos meus direitos e da minha dedicação, o saberá reconhecer. Viva Portugal! Dê a esta minha carta a publicidade que puder." Fora expulso da pátria, mas acreditava que não tardaria a ver restaurada a Monarquia portuguesa. Em Dezembro desse ano, quando já estava instalado em casa do seu tio materno, o Duque de Orleães, em Woodnorton, na cidade britânica de Evesham, o New York Times noticiava que Dom Manuel tinha esperança de lhe ser restituído o poder. O jornal citava um português que pedira anonimato, alguém próximo do núcleo do Rei exilado, e que assegurava que Dom Manuel estava "pobre" e, consequentemente, impossibilitado de escolher um lugar para residir, sendo obrigado a aceitar a hospitalidade do tio. Durante três meses (de Outubro a Dezembro), continuava a mesma fonte, não teve meios para pagar aos seus próprios criados.

Nos primeiros meses de 1911, porém, Dom Manuel conseguiu reequilibrar as suas finanças. O Governo republicano concedeu-lhe uma pensão mensal de 1180 libras (paga com retroactivos a Outubro de 1910) e aceitou enviar-lhe alguns bens da Casa de Bragança, nomeadamente móveis, louças, pratas e quadros. Foi nessa altura que o Rei e a sua Mãe decidiram alugar uma casa nas proximidades de Londres. Escolheram a Abercorn, em Richmond, uma residência com dois pisos, já mobilada, que possuía, para agrado do rei, uma biblioteca e um piano. Enquanto o monarca procurava adaptar-se ao desterro britânico, em Portugal as diversas correntes monárquicas conspiravam pelo derrube da República. Mas o mentor da contra-revolução monárquica, líder de duas incursões armadas no Norte do país (em 1911 e 1912), Henrique de Paiva Couceiro, não tinha qualquer simpatia por D. Manuel. E o sentimento era recíproco. Após o golpe falhado de 1911, que não teve a aprovação do Rei, Paiva Couceiro, atento ao facto de Dom Manuel já não possuir qualquer apoiante dentro do exército português, optou por uma estratégia que deu resultados: pediu a cada um dos seus oficiais, refugiados na Galiza, tal como ele, para declararem, por escrito, se aceitavam ou não a sua liderança numa futura incursão em Portugal. A resposta afirmativa de todo o contingente revelou-se a melhor arma para obrigar Dom Manuel a financiar uma segunda tentativa de restaurar a Monarquia (que resultou falhada) e assumir um acordo com os miguelistas. A mais recente historiografia contesta os termos do entendimento, designado Pacto de Dover, no qual D. Manuel II terá acordado o direito de sucessão a Dom Duarte Nuno, filho de D. Miguel II, na eventualidade de morrer sem deixar descendência. Sobre este alegado pacto existe apenas a confirmação do encontro entre os dois primos no Hotel Lord Warden, em Dover, em Janeiro de 1912. Quando irrompeu a Primeira Guerra Mundial, Dom Manuel, assumindo estar ao lado dos intervencionistas portugueses, pediu a suspensão das insurreições monárquicas (que ainda prosseguiram, embora rapidamente debeladas). Numa carta datada de 15 de Agosto de 1914 e enviada ao seu lugar-tenente, João de Azevedo Coutinho, escreveu: "Devemo-nos unir, todos os portugueses, sem distinção de causa ou de cor política, e todos trabalhar para manter a integridade da nossa querida Pátria, quer servindo em Portugal para defender o nosso país, quer combatendo nas fileiras do exército aliado. (...) Que os monárquicos portugueses saibam mostrar neste momento angustioso que, acima de tudo, põem a luta da Pátria e a defesa do solo sagrado. Por meu lado, já me ofereci a S. M. o Rei de Inglaterra para tudo o que possa ser útil à tradicional aliança que data de seis séculos." Enquanto em Portugal evoluía a luta entre apoiantes e não apoiantes da intervenção portuguesa, alastrada agora aos monárquicos (alguns leram na carta do Rei uma legitimação da República e uma renúncia ao trono), D. Manuel participava activamente no apoio aos feridos de guerra, visitando hospitais e tornando-se membro da Cruz Vermelha britânica. Com o seu dinheiro mandou construir um hospital de sangue, localizado nos arredores de Londres. Em Janeiro de 1916, em carta a Lavradio, dizia que só saía de casa por causa da "política, guerra, hospitais e Cruz Vermelha". Mas arranjava sempre algum tempo para "jogar ténis".

A vida em Fulwell Park - Fulwell Park, em Twickenham, foi a última casa de Dom Manuel. Foi ali que escolheu viver a partir de 1913, depois de se casar com Augusta Vitória, a prima que conhecera numa viagem à Suíça - o casamento realizou-se em Sigmaringen, no Sul da Alemanha, terra natal de Dona Augusta. A mansão, construída no século XVII, possuía espaço suficiente para a vasta biblioteca do Rei e, em redor da residência, 20 hectares de terreno acolhiam uma horta, jardins, uma estufa, um campo de ténis e um pequeno campo de golfe. Dom Manuel herdara do pai, D. Carlos, o gosto por desportos ao ar livre. Jogava ténis (era um frequentador assíduo dos torneios de Wimbledon), participava em caçadas, foi o primeiro presidente da Twickenham Piscatorial Society e, como que confirmando a sua adaptação ao exílio e ao espírito britânico, tornou-se um adepto das corridas de cavalos e um espectador obsessivo do clima (na sua correspondência da época faz sempre referências ao estado do tempo). A devoção católica do casal era reconhecida na paróquia de Twickenham - doaram à Igreja de St. James, que frequentavam, diversos objectos litúrgicos que continuam a ser utilizados (o cibório, por exemplo) e ainda o órgão de Fulwell Park, que hoje ostenta o brasão da Família Real Portuguesa. Em pouco tempo, Fulwell Park entrou nos roteiros da Família Real britânica (Jorge V e a rainha Maria eram frequentemente convidados para os almoços de domingo) e da aristocracia europeia. Apesar de uma vida "pacata", como qualificou em carta ao Marquês do Lavradio, Dom Manuel nunca deixou de conviver nos circuitos sociais mais elevados, embora dedicasse muito do seu tempo à leitura e ao estudo da literatura antiga portuguesa. Ávido leitor e bibliófilo, começou a adquirir, durante os anos de exílio, livros antigos portugueses, criando, para tal, uma rede de ligações com diversas casas editoriais. A sua excelente biblioteca (que se encontra hoje no Paço de Vila Viçosa) permitiu-lhe dedicar-se, já depois da Grande Guerra, à catalogação de obras. O seu trabalho bibliográfico oferecia-lhe grande prazer, como é confirmável na carta que escreveu, em Novembro de 1926, a Lavradio - contava que, apesar da "chuva" e dos "temporais", vivia "sossegadamente", pois estava a preparar a publicação do primeiro de três catálogos (correspondente aos períodos entre 1489 e 1600), no qual seriam publicadas "umas 700 reproduções". "Será uma obra interessante e que julgo útil, pois nunca foi feita desta forma", concluía. O primeiro volume, Livros Antigos Portugueses 1489-1600, foi editado, em inglês e português, em 1929, tendo o autor oferecido um exemplar, em mão, ao Rei Jorge V, no Palácio de Windsor. A obra recebeu boas críticas no Times Literary Supplement e Dom Manuel começou de imediato a trabalhar no segundo volume (1540-1569), já então coadjuvado por Margery Withers, a sua secretária e bibliotecária. Mas este projecto terminou abruptamente com a morte prematura de Dom Manuel. Coube a Margery Withers, porém, concluir a obra do Rei: finalizou o segundo volume e até 1934 organizou, na biblioteca de Fulwell Park, o terceiro catálogo, ambos publicados postumamente. Quando Withers deu por findo o seu trabalho, Dona Augusta Vitória decidiu vender Fulwell Park. Anos mais tarde a mansão foi demolida e nos 20 hectares de terreno foram construídas habitações. Contudo, em Twickenham, existem ainda indícios dos anos de exílio do último Rei português: para além dos objectos litúrgicos doados à Igreja de St. James (cujo interior ostenta, desde o ano passado, uma placa com os nomes do monarca e da sua mulher), Dom Manuel e Dona Augusta Vitória sobrevivem ainda na toponímia local (Manoel Road, Augusta Road, Lisbon Avenue, Fulwell Park Avenue e Portugal Gardens).


Fonte:Jornal Público de 21-08-2010

Por Maria José Oliveira.

NÚCLEO MONÁRQUICO DE ABRANTES

Terça-feira, 7 de Setembro de 2010

Mansão de Fulwell Park, em Twickenham, foi a última casa de Dom Manuel II, último Rei de Portugal.