Thursday 24 June 2010

VENDER A CPLP POR UM BARRIL DE PETRÓLEO?

Na próxima cimeira da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) a realizar a 23 de Julho em Luanda vai ser discutida a entrada da Guiné Equatorial naquela organização internacional. A Guiné Equatorial, para quem não saiba, é uma das ditaduras mais ferozes do mundo. Tem como líder Teodoro Obiang Nguema, que nas últimas eleições em Setembro de 2009 ganhou com 95,8% dos votos válidos. Não, isto não significa que este líder é muito popular - antes quer dizer que a fraude eleitoral é maciça. Na Guiné Equatorial, nunca houve uma eleição livre, e o Presidente Obiang é o ditador que há mais anos se mantém no poder naquela região do mundo. Dos 100 membros do Parlamento, 99 pertencem ao partido do Presidente que controla todos os recursos do país.

A Freedom House acaba de publicar um relatório intitulado "Worst Human Rights Abusers" (Os Piores Abusadores dos Direitos Humanos no Mundo) que inclui nove países. Nenhum membro da CPLP faz parte da lista dos nove convocados. A Guiné Equatorial, pelo contrário, está lá. O facto de ser um país onde há petróleo significa que o PIB tem vindo a aumentar. Mas os índices de qualidade de vida da população continuam dos mais baixos do mundo - toda a riqueza está concentrada no líder e sua clique.

Com a subida sustentada do preço do petróleo, Teodoro Obiang anda há algum tempo a tentar aumentar a credibilidade no exterior para limpar a sua imagem. Como? Através de algumas reformas políticas internas, de alguma melhoria dos direitos humanos? Não, nada disso. Comprando instituições internacionais. É nesse contexto que foi feita uma aproximação à CPLP. Desde 2004 que foi concedido a este Estado estatuto de observador. E agora, ao que parece, estão muito próximos de conseguir ser membros de pleno direito.

Mas afinal o que é a CPLP? Ela é uma Comunidade que agrega os países de língua portuguesa. Nesse capítulo, a Guiné Equatorial qualifica-se muito remotamente, tendo umas partes do país feito parte do império português no séc. XVIII. Se assim é, e se as credenciais democráticas de alguns dos membros existentes da CPLP são mais que duvidosas, qual é o problema de aceitar este novo membro?

Há problemas, e são pelo menos três. Em primeiro lugar, incluir a Guiné Equatorial sem quaisquer pré-requisitos formais e substantivos de liberalização política, vai servir para não apenas enquistar ulteriormente o regime ditatorial, como legitimá-lo.

Em segundo lugar, a entrada da Guiné Equatorial seria um sinal muito claro para todos os membros da CPLP actuais de que essa instituição serve apenas interesses económicos, marginalizando totalmente objectivos políticos. Nas últimas décadas, o percurso ainda que não isento de acidentes, tem sido no sentido da melhoria das condições políticas na CPLP, embora haja muito a fazer. A entrada da Guiné Equatorial sem qualquer obrigatoriedade de cumprimento de critérios políticos ou de direitos humanos mínimos iria desbaratar todo e qualquer capital nesse domínio.

Em terceiro lugar, a própria instituição da CPLP perderia legitimidade aos olhos da comunidade internacional. Atentem por favor, neste episódio amplamente ilustrativo:
Recentemente, Obiang propôs à UNESCO criar um prémio com o nome do ditador no valor de três milhões de euros, dedicado à "Preservação da Vida", proposta que foi inicialmente aceite. Seguiram-se críticas inflamadas por parte de associações de direitos humanos de todo o mundo, e de personalidades como Desmond Tutu. A revista Economist ridicularizou a UNESCO. Num artigo chamado "Uma ideia brilhante" (6 de Maio 2010) propunha à UNESCO outros prémios: o Prémio Robert Mugabe para a Produtividade Alimentar, ou o Prémio para Ahmadinejad para a Paz com Energia Nuclear. Perante tal alarido, a UNESCO acaba de anunciar a suspensão do prémio.

Mas Obiang não baixa os braços e vai apertando o cerco à CPLP. Realizou por estes dias uma visita de Estado a Cabo Verde, tendo já assegurado que Pedro Pires, Presidente daquele país seja a favor da adesão plena da Guiné Equatorial à CPLP. Até agora, os responsáveis em Portugal e no Brasil mantiveram-se em silêncio. Eles serão porventura decisivos nesta tomada de posição. Está em causa a credibilidade da CPLP.

Marina Costa Lobo
Publicado 24 Junho2010 JORNAL DE NEGÓCIOS 12:38 Opinião

Politóloga
marinacosta.lobo@gmail.com

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