Wednesday 20 October 2010

DESEMPREGADOS VÃO LIMPAR FLORESTAS

19-10-2010

Portugueses desempregados ou com rendimento mínimo vão limpar florestas > i

No Verão, o CDS lançou a ideia: pôr os beneficiários do rendimento de inserção social a limpar matas, como "contraprestação da pensão que recebem do Estado". Os ministérios da Agricultura e do Trabalho já estão a trabalhar numa proposta idêntica, alargada também a desempregados, que receberão subsídios para trabalhar na prevenção. Rui Barreiro, secretário de Estado das Florestas, explica que os acordos com outros ministérios permitirão aumentar os recursos disponíveis e afasta a ideia de incumprimento das metas fixadas para a área ardida.

- Os cerca de 130 mil hectares ardidos este ano significam que falhou a meta prevista no Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios, pela primeira vez desde que foi aprovado?

- Não falhámos nenhuma meta, é preciso de alguma forma desmistificar essa questão. A meta que está prevista no plano e nas estratégias subjacentes é de 110 mil hectares em 2012. Estamos em 2010.

- Mas em 2008 o ministro da Agricultura disse que as metas seriam antecipadas...

- Independentemente dos números, por cada hectare que arde ficamos mais pobres e não estamos nada satisfeitos com o facto de terem ardido 130 mil hectares. Mas é preciso também distinguirmos o que ardeu: dois terços são matos.

- Mas admite que possa ter havido algum excesso de euforia nos últimos anos, face aos bons resultados?

- Admito que possa ter havido, mas face às condições meteorológicas adversas que tivemos, nalguns casos as mais problemáticas dos últimos 35 anos, todos os especialistas dizem que teríamos um ano muito pior que 2003 ou 2005, se não tivéssemos feito nada e melhorado a organização. Temos de aceitar duas premissas: quando há floresta, há fogo; quando as condições climáticas são adversas, dão estes resultados. Mas não estamos satisfeitos e julgamos que é preciso fazer mais.

-De que forma? Haverá novidades nas acções de prevenção?

- Em Agosto, determinei que a Autoridade Florestal Nacional fizesse uma avaliação do que foi a sensibilização este ano e do plano nacional de defesa da floresta, para percebermos se as metas e a responsabilidade atribuídas estão a funcionar. Os resultados dessa avaliação poderão ajudar-nos no próximo ano a alterar alguns aspectos.

- Que falhas foram detectadas?

- Teremos de alargar o período de sensibilização e não fazer as campanhas só nos períodos mais próximos do Verão. Temos também de pensar que, sendo a floresta uma riqueza nacional, deve ser entendida pelo governo como uma prioridade e não podem ser apenas os ministérios da Agricultura e da Administração Interna a envolverem-se na protecção da floresta

- O que quer dizer com isso, não sente empenho de todo o governo?

- Quero dizer que é possível fazer mais. Pensamos que o recurso a protocolos como o da Justiça, para usarmos reclusos para intervir na floresta, é uma boa medida. O Exército tem condições de se envolver na prevenção e na vigilância. O Ministério do Trabalho e da Solidariedade pode também envolver-se na colocação de desempregados e beneficiários do rendimento social de inserção. Se conseguirmos dinamizar todas estas vontades, ficamos com muito mais guerreiros.

- Está definida alguma meta com o Ministério do Trabalho?

- O objectivo é conseguirmos ter pelo menos mil desempregados e/ou titulares do rendimento social de inserção a trabalhar na floresta.

- Em que condições? Com subsídios pagos de forma partilhada por ambos os ministérios?

- Sim, as condições são semelhantes nas diferentes áreas. No caso dos presos, são objecto de uma bolsa que é igual em qualquer trabalho no regime aberto virado para o exterior. É à volta de 20 euros por dia, mais subsídio de almoço. Vão intervir em sete matas nacionais e teremos 50 ou no máximo 55 a trabalhar até final do programa No caso de desempregados e Exército, temos protocolos e queremos envolvê-los mais em actividades de prevenção. Também não podemos esquecer o voluntariado jovem, em que queremos alargar o período de incidência do programa Apesar da crise em que nos encontramos, o objectivo é ter mais gente na defesa da floresta

- Em termos orçamentais, em que áreas se vai sentir o efeito da austeridade?

- Não se vai sentir em aspecto nenhum. O Fundo Florestal Permanente (FFP), não sendo um saco sem fundo e estando dependente do consumo de combustíveis, tem valores garantidos para os sapadores florestais, zonas de intervenção florestal (ZIF) e gabinetes técnicos municipais. Não é por aí que vai haver menos dinheiro.

- O Fundo Florestal tem uma taxa de execução na ordem dos 68%?

- Entretanto subiu para 71%.

- Quais as razões para não ser mais alta?

- O problema principal tem a ver com o deslizamento do pagamento das despesas para os anos seguintes. O fundo tem duas grandes componentes, protocolos e concursos. Os proponentes dilatam no tempo a execução e há sempre projectos em curso cujos pagamentos ainda não foram feitos. Em 2010, temos cerca de 14 milhões de euros já executados, o que num orçamento de 24 milhões não é mau. Desde que há FFP já foram utilizados 122 milhões de euros (em cerca de 170 milhões totais).

- Há pouca informação disponível sobre o fundo. Quais as entidades e áreas que mais beneficiaram de verbas?

- A partir de agora vamos ter um plano de actividades e um relatório anual, para ficar tudo claro. Vai estar publicado nos sites e toda a gente poderá ter acesso à informação. Este ano, pela primeira vez, o fundo vai apoiar a certificação florestal, uma inovação relativamente aos pagamentos habituais.

- Mas a grande fatia vai para quê?

- ZIF, sapadores florestais, gabinetes técnicos municipais e elos técnicos são os quatro itens que consomem mais verbas. Este ano também pretendemos que o fundo suporte projectos de investigação relacionados com a fileira do montado e com o nemátodo do pinheiro.

- As associações de produtores dizem poder suspeitar-se que, em resposta a cortes, o financiamento de entidades públicas se faça através do FFP...

- Os sapadores florestais, por exemplo, são públicos ou privados? É preciso esclarecer que o dinheiro às vezes é mal utilizado na área pública, mas também é mal utilizado na privada. O que queremos é que a floresta fique a ganhar com o Fundo Florestal Permanente. Mas creio não haver razões para esse tipo de receios.

ECONOMIA SEQUESTRO DE CARBONO DEVE SER PAGO AOS PRODUTORES

- Em tempo de crise, que papel pode a floresta ter na economia portuguesa?

- A floresta representa mais de 3% do produto interno bruto (PIB) e tem contribuído para a internacionalização da economia portuguesa. Quer a fileira da pasta de papel - do eucalipto, portanto -, quer a da cortiça e mesmo a do pinho são muito importantes para a dinamização da economia. Tudo o que pudermos fazer para a internacionalização será relevante.

- Qual é o trabalho desenvolvido?

- Contactos internacionais, antes de mais. Estivemos em Xangai, onde conseguimos demonstrar a nossa capacidade de intervenção e as três fileiras ficaram muito satisfeitas com os resultados de negócio. E isso tem de continuar a ser feito, é uma área onde a nossa preocupação deve ser acentuada. Nos períodos de crise nota-se mais a importância do sector primário, em sentido lato, e da floresta em particular.

- Qual é a fileira de futuro?

- Estamos a considerar três fileiras tradicionais, mas temos de considerar mais duas: a fileira do carbono e a da água. Os créditos de carbono hoje já são negociados e Portugal beneficia muito da floresta portuguesa. Os proprietários têm de ser compensadas neste valor de sequestro de carbono que estão a proporcionar a toda a sociedade.

- Será possível fazer essa compensação a breve prazo?

- É uma discussão que está em cima da mesa na União Europeia. Neste momento, as mais-valias não recaem sobre quem sequestra o carbono, na prática os produtores florestais. E essa é que é a mudança de paradigma. Se temos medidas agro-ambientais para as actividades agrícolas, provavelmente temos de remunerar tudo o que a floresta fornece.

http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=44373&related=1&ida=104047

Publicado no jornal i a 19 de Outubro de 2010, por Inês Cardoso

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