20 Julho2010 11:57
Daniel Gros
JORNAL DE NEGÓCIOS
Daniel Gros é director do Centro para Estudos Políticos Europeus.
A Europa continua a ser o epicentro do Acto II da crise financeira global, que se transformou agora numa crise de divida soberana dentro da Zona Euro. Como é que isto pode ter acontecido se, pelo menos no papel, todos os problemas tinham, aparentemente, sido resolvidos durante a cimeira extraordinária da União Europeia em Maio, que criou um Instrumento de Estabilidade Financeira Europeu (EFSF, sigla em inglês) e assegurou um financiamento total próximo de um bilião de dólares?
As promessas feitas em Maio tornaram-se, entretanto, mais concretas. No Luxemburgo foi estabelecido um “veículo para um propósito específico” que já conta com milhões de euros em garantias dos Estados-membros.
Se todos os recursos prometidos (750 mil milhões de euros, incluindo um financiamento do Fundo Monetário Internacional) fossem utilizados, a União Europeia poderia financiar por completo todos os países com problemas (Portugal, Espanha e Irlanda) durante vários anos. Além disso, o Banco Central Europeu mostrou disponibilidade para comprar obrigações do governo (e privados) se considerar que o funcionamento do mercado está a ser afectado.
No entanto, esta artilharia financeira não impressionou os mercados. Os “spreads” das obrigações públicas espanholas continuam a subir, e estão agora mais elevados do que antes do anúncio do EFSF. E existem sinais ameaçadores de tensões no mercado interbancário, à medida que mais e mais bancos – reflectindo a fraca confiança de que a estabilidade do sistema tenha sido restabelecida – preferem depositar o seu dinheiro no BCE a emprestá-lo a outros bancos.
A explicação é simples: os problemas que são a base da crise (o estado precário das finanças públicas gregas e do sector imobiliário espanhol) não foram resolvidos, apesar de poderem ser facilmente geridos num contexto pan-europeu. A Grécia representa cerca de 2% da economia da Zona Euro; mesmo que o país entrasse em incumprimento e o valor da recuperação fosse apenas 50%, os prejuízos seria de cerca de 150 mil milhões de euros, apenas 1,5% do produto interno bruto (PIB) da Zona Euro.
Os problemas em Espanha são, provavelmente, um pouco maiores, apesar das estimativas oficiais dos prejuízos do sistema bancário espanhol serem apenas 100 mil milhões de euros. Mas o verdadeiro problema de Espanha pode estar em outro local: a exposição dos bancos franceses, alemães e outros ao sector imobiliário espanhol.
Muitos empréstimos realizados a construtoras espanholas terão que ser considerados incobráveis. Mas, mesmo no pior dos cenários, os prejuízos dos bancos espanhóis e dos outros no sector imobiliário de Espanha não deve exceder 300 mil milhões de dólares, ou seja, cerca de 3% do PIB da União Europeia.
Assim, a verdadeira questão é porque é que problemas de proporções controláveis na periferia da Europa estão a paralisar todo o sistema bancário da Zona Euro. Apesar de tudo, ninguém esperaria que o sistema bancário dos Estados Unidos entrasse em colapso devido a uma bolha imobiliária na Califórnia ou se o Michigan (que tem a mesma dimensão da Grécia) entrasse em incumprimento.
A principal razão para os mercados financeiros da Europa continuarem nervosos é que, oficialmente, não existe nenhum problema. A Grécia não tem um problema de solvência e a reestruturação da sua dívida pública não é uma opção. Da mesma forma, em Espanha, a linha oficial é que o sistema bancário nacional está bem capitalizado.
A primeira regra para lidar com uma turbulência no mercado financeiro deve ser reconhecer a verdade e a dimensão dos problemas. A experiência grega mostrou-nos que ignorar a existência dos problemas pode provocar uma espiral de subida dos prémios de risco e de queda da confiança.
A este respeito, a publicação dos resultados dos testes de “stress” realizados aos 100 maiores bancos da União Europeia, prometida para o final de Julho, é, claramente, um passo em frente.
Mas existe uma segunda e mais perturbadora razão para os mercados financeiros continuarem instáveis: grandes franjas do sistema bancário europeu continuam, amplamente, descapitalizados. De acordo com as estatísticas do BCE, os bancos da Zona Euro têm cerca de 20 euros de passivo (incluindo dívida interbancária) por cada euro de capital e reservas. Isto significa que por cada prejuízo de capital de um euro, vai existir 20 euros de dívida duvidosa.
Mesmo o pior cenário para a Grécia e para a Espanha implicaria, no máximo, prejuízos 450 mil milhões de euros. Os fundos mobilizados até agora pelo EFSF (750 mil milhões de euros) seriam largamente suficientes para lidar com esta questão – desde que os potenciais prejuízos sejam claramente identificados e se reservem os fundos necessários para lidar com eles. Ainda assim esta não tem sido a estratégia seguida.
Em vez disso, o financiamento europeu vai ser usado apenas para resgatar governos, que por sua vez precisam de dinheiro para resgatar os seus bancos. Mas dado o rácio dívida-capital de 20:1 no sector bancário, esta opção implica que as exigências de capital vão ser astronómicas: em comparação com uma factura de 450 mil milhões de euros se os potenciais prejuízos continuarem ocultos e dispersos, podem ser precisos nove biliões de garantias de dívida para garantir a estabilidade do sistema bancário da Zona Euro.
Em resumo, aplicar teste de “stress” rigorosos aos bancos da Zona Euro (seguidos por uma recapitalização obrigatória) exigiria muito menos financiamento público do que a continuação de garantias globais para todos.
A Europa não pode escapar à crise nos seus mercados financeiros até que recomponha os seus bancos. Infelizmente, os decisores políticos europeus deixaram enganar-se por duas vezes pelas opiniões politicamente convenientes da crise – primeiro em 2007/2008, ao assumirem que o contágio financeiro vinha dos Estados Unidos, e, actualmente, ao culparem a política orçamental imprudente no sul da Zona Euro.
Mas o verdadeiro problema é que o sistema bancário da União Europeia tem uma capitalização tão fraca que não pode assumir nenhum prejuízo. Ao mesmo tempo, está tão interligado que os problemas de um país, rapidamente, colocam todo o sistema em risco. Até que os problemas dos balanços dos bancos sejam resolvidos de forma decisiva, os mercados financeiros vão continuar nervosos.
Daniel Gros é director do Centro de Estudos Políticos Europeus.
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