Luigi Zingales
A acção judicial apresentada pela Securities and Exchange Commission (SEC) contra o Goldman Sachs por fraude de obrigações, acusando o banco de interpretar de forma errada a forma como uma obrigação de dívida colaterizada (CDO, sigla em inglês) tinha sido criada, reavivou o mal-estar público com os credit default swaps (CDS), o instrumento utilizado para apostar contra estes CDO.
Antes da crise financeira de 2008, os CDS eram um produto esotérico, conhecido apenas por um número restrito de investidores sofisticados e académicos especializados. Actualmente, são um nome muito familiar, sinónimo de especulação descontrolada, ganância ilimitada e instabilidade sistémica. Na verdade, os CDS são acusados de serem uma das principais causas da crise financeira. A legalidade do comportamento do Goldman Sachs vai ser determinada pelo tribunal de justiça mas a péssima reputação dos CDS está a colocar em perigo a sobrevivência deste instrumento no tribunal da opinião pública.
Aproveitando a onda populista, alguns políticos propuseram a proibição dos CDS. A recente crise grega galvanizou ainda mais o sector anti-CDS. Afinal não é culpa dos avarentos especuladores do mercado de CDS que colocou a Grécia à beira do incumprimento e os funcionários públicos gregos a sofrerem profundos cortes salariais? Numa palavra, não. Longe de serem a semente do diabo, os CDS são um instrumento financeiro útil que pode melhorar não apenas a estabilidade financeira mas também a forma como as empresas e os países são geridos. Proibi-los será mais prejudicial do que benéfico. Qualquer tentativa nesse sentido seria nociva, porque desviaria a atenção do objectivo útil de disciplinar o mercado de CDS e torná-lo mais transparente, estável e eficiente.
Uma das principais vantagens (se não a principal vantagem) do capitalismo face ao planeamento central é a informação proporcionada pelos preços do mercado. Quando a procura por batatas ao preço actual excede a oferta, o preço das batatas sobe, assinalando escassez. Os agricultores individuais não precisam de nenhuma directiva burocrática para decidir se plantam mais baratas: um aumento nos preços cria um incentivo para plantar mais batatas; uma queda nos preços é um sinal para plantar menos.
O mesmo é verdade para os preços das acções. Um aumento no preço das acções dos produtores de aço sugere um aumento da procura de aço, que leva os empresários a abrir mais fábricas e os investidores a concederem-lhes mais dinheiro. Pelo contrário, uma queda no preço das acções dos produtores de aço leva os empresários a liquidar as fábricas existentes e dissuade os investidores de darem mais recursos para o sector.
Infelizmente, por vezes os preços não cumprem correctamente esta função de indicadores, como aconteceu com as recentes bolhas tecnológicas e imobiliárias. Durante a bolha tecnológica, os preços assinalaram uma elevada procura no sector da Internet. Por esta razão, milhões de dólares foram usados para publicitar empresas improváveis na televisão e construir uma capacidade de rede muito além das necessidades. Durante a bolha imobiliária, os preços assinalaram uma severa escassez de casas. Milhões de dólares foram gastos em novas casas situadas em locais remotos onde ninguém queria viver.
Dada a elevada afectação errada de recursos nos dois casos, é vital perceber o porque é que os preços não conseguiram enviar um sinal preciso aos investidores. Porque é que os Estados Unidos, com o mercado financeiro mais desenvolvido do mundo, viveu duas grandes bolhas em menos de uma década? Parte da culpa pode ser atribuída a uma política monetária expansionista, mas o verdadeiro problema é um ambiente institucional que favorece um sentimento "bullish".
Os fundos de pensões, os fundos mútuos e os bancos de investimento estão todos eles no mercado accionista. Ter uma posição curta numa acção é difícil e arriscado: é difícil por pedir acções emprestadas é difícil e é arriscado porque ter uma posição curta tem um potencial de subida limitado e de descida ilimitado. Por outras palavras, os títulos tradicionais disponíveis para os investidores tornam mais fácil apostar a favor de uma empresa do que contra ela, levando a que os preços sejam mais afectados por exuberância irracional do que pelo pânico.
A este respeito, os CDS são únicos. Dado que funcionam como um seguro sobre a capacidade de quem pede emprestado cumprir as suas obrigações, tornam mais fácil expressar uma opinião negativa sobre uma empresa ou título. Para expressar uma opinião negativa através dos mercados de CDS, os investidores não precisam de localizar os títulos para pedir emprestado (um pré-requisito do "short-selling") e apenas arriscam um prémio limitado, enquanto têm a oportunidade de ganhar muitas vezes esse valor. Foi o mercado de CDS que permitiu que a opinião negativa - e correcta - de John Paulson e outros se incorporasse, finalmente, nos preços de mercado. Elas fizeram a bolha estalar. Apesar de ser doloroso para o resto da sociedade, isto é saudável. Quanto mais tempo durar uma bolha mas danos causa.
O mesmo raciocínio aplica-se à crise grega. Os CDS sobre a Grécia ofereceram um sinal útil da situação financeira do país. Foi graças ao aumento repentino no mercado de CDS que o governo grego ajustou o seu orçamento e melhorou a sua situação orçamental. Os testes médicos também têm muitas vezes más notícias mas aboli-los não resolve os problemas, apenas os esconde, agravando-os.
A razão porque os políticos e os empresários odeiam os CDS é precisamente porque as taxas de CDS são muito úteis e imediatas a expor os seus erros. Ninguém gosta que descubram que estão errados. Por esta razão, os políticos e os empresários poderosos seduzem a imprensa, as agências de "rating" e mesmo os analistas para que mostrem o lado positivo das suas acções. Como é a fonte principal de informação negativa que não é sensível ao poder, o mercado de CDS é temido e os políticos querem eliminá-lo. Claro que o mercado de CDS não é perfeito. De facto, nem sequer é um mercado organizado mas apenas um mercado virtual informal. As regras existentes não estão a destinadas a torná-lo transparente ou resiliente mas sim mais rentável para grandes instituições como o Goldman Sachs e JP Morgan.
É necessária intervenção para formalizar o mercado de CDS e forçar uma colaterização apropriada, para que nenhum governo tenha que intervir para realizar um resgate. Mas regular o mercado de CDS não significa bani-lo. Fazê-lo não faria mais do que semear a sementes da próxima bolha.
JORNAL DE NEGÓCIOS 14-07-2010
LUIGI ZINGALES
A acção judicial apresentada pela Securities and Exchange Commission (SEC) contra o Goldman Sachs por fraude de obrigações, acusando o banco de interpretar de forma errada a forma como uma obrigação de dívida colaterizada (CDO, sigla em inglês) tinha sido criada, reavivou o mal-estar público com os credit default swaps (CDS), o instrumento utilizado para apostar contra estes CDO.
Antes da crise financeira de 2008, os CDS eram um produto esotérico, conhecido apenas por um número restrito de investidores sofisticados e académicos especializados. Actualmente, são um nome muito familiar, sinónimo de especulação descontrolada, ganância ilimitada e instabilidade sistémica. Na verdade, os CDS são acusados de serem uma das principais causas da crise financeira. A legalidade do comportamento do Goldman Sachs vai ser determinada pelo tribunal de justiça mas a péssima reputação dos CDS está a colocar em perigo a sobrevivência deste instrumento no tribunal da opinião pública.
Aproveitando a onda populista, alguns políticos propuseram a proibição dos CDS. A recente crise grega galvanizou ainda mais o sector anti-CDS. Afinal não é culpa dos avarentos especuladores do mercado de CDS que colocou a Grécia à beira do incumprimento e os funcionários públicos gregos a sofrerem profundos cortes salariais? Numa palavra, não. Longe de serem a semente do diabo, os CDS são um instrumento financeiro útil que pode melhorar não apenas a estabilidade financeira mas também a forma como as empresas e os países são geridos. Proibi-los será mais prejudicial do que benéfico. Qualquer tentativa nesse sentido seria nociva, porque desviaria a atenção do objectivo útil de disciplinar o mercado de CDS e torná-lo mais transparente, estável e eficiente.
Uma das principais vantagens (se não a principal vantagem) do capitalismo face ao planeamento central é a informação proporcionada pelos preços do mercado. Quando a procura por batatas ao preço actual excede a oferta, o preço das batatas sobe, assinalando escassez. Os agricultores individuais não precisam de nenhuma directiva burocrática para decidir se plantam mais baratas: um aumento nos preços cria um incentivo para plantar mais batatas; uma queda nos preços é um sinal para plantar menos.
O mesmo é verdade para os preços das acções. Um aumento no preço das acções dos produtores de aço sugere um aumento da procura de aço, que leva os empresários a abrir mais fábricas e os investidores a concederem-lhes mais dinheiro. Pelo contrário, uma queda no preço das acções dos produtores de aço leva os empresários a liquidar as fábricas existentes e dissuade os investidores de darem mais recursos para o sector.
Infelizmente, por vezes os preços não cumprem correctamente esta função de indicadores, como aconteceu com as recentes bolhas tecnológicas e imobiliárias. Durante a bolha tecnológica, os preços assinalaram uma elevada procura no sector da Internet. Por esta razão, milhões de dólares foram usados para publicitar empresas improváveis na televisão e construir uma capacidade de rede muito além das necessidades. Durante a bolha imobiliária, os preços assinalaram uma severa escassez de casas. Milhões de dólares foram gastos em novas casas situadas em locais remotos onde ninguém queria viver.
Dada a elevada afectação errada de recursos nos dois casos, é vital perceber o porque é que os preços não conseguiram enviar um sinal preciso aos investidores. Porque é que os Estados Unidos, com o mercado financeiro mais desenvolvido do mundo, viveu duas grandes bolhas em menos de uma década? Parte da culpa pode ser atribuída a uma política monetária expansionista, mas o verdadeiro problema é um ambiente institucional que favorece um sentimento "bullish".
Os fundos de pensões, os fundos mútuos e os bancos de investimento estão todos eles no mercado accionista. Ter uma posição curta numa acção é difícil e arriscado: é difícil por pedir acções emprestadas é difícil e é arriscado porque ter uma posição curta tem um potencial de subida limitado e de descida ilimitado. Por outras palavras, os títulos tradicionais disponíveis para os investidores tornam mais fácil apostar a favor de uma empresa do que contra ela, levando a que os preços sejam mais afectados por exuberância irracional do que pelo pânico.
A este respeito, os CDS são únicos. Dado que funcionam como um seguro sobre a capacidade de quem pede emprestado cumprir as suas obrigações, tornam mais fácil expressar uma opinião negativa sobre uma empresa ou título. Para expressar uma opinião negativa através dos mercados de CDS, os investidores não precisam de localizar os títulos para pedir emprestado (um pré-requisito do "short-selling") e apenas arriscam um prémio limitado, enquanto têm a oportunidade de ganhar muitas vezes esse valor. Foi o mercado de CDS que permitiu que a opinião negativa - e correcta - de John Paulson e outros se incorporasse, finalmente, nos preços de mercado. Elas fizeram a bolha estalar. Apesar de ser doloroso para o resto da sociedade, isto é saudável. Quanto mais tempo durar uma bolha mas danos causa.
O mesmo raciocínio aplica-se à crise grega. Os CDS sobre a Grécia ofereceram um sinal útil da situação financeira do país. Foi graças ao aumento repentino no mercado de CDS que o governo grego ajustou o seu orçamento e melhorou a sua situação orçamental. Os testes médicos também têm muitas vezes más notícias mas aboli-los não resolve os problemas, apenas os esconde, agravando-os.
A razão porque os políticos e os empresários odeiam os CDS é precisamente porque as taxas de CDS são muito úteis e imediatas a expor os seus erros. Ninguém gosta que descubram que estão errados. Por esta razão, os políticos e os empresários poderosos seduzem a imprensa, as agências de "rating" e mesmo os analistas para que mostrem o lado positivo das suas acções. Como é a fonte principal de informação negativa que não é sensível ao poder, o mercado de CDS é temido e os políticos querem eliminá-lo. Claro que o mercado de CDS não é perfeito. De facto, nem sequer é um mercado organizado mas apenas um mercado virtual informal. As regras existentes não estão a destinadas a torná-lo transparente ou resiliente mas sim mais rentável para grandes instituições como o Goldman Sachs e JP Morgan.
É necessária intervenção para formalizar o mercado de CDS e forçar uma colaterização apropriada, para que nenhum governo tenha que intervir para realizar um resgate. Mas regular o mercado de CDS não significa bani-lo. Fazê-lo não faria mais do que semear a sementes da próxima bolha.
JORNAL DE NEGÓCIOS 14-07-2010
LUIGI ZINGALES