Wednesday 13 October 2010

FRAGOSO MARQUES ESCREVE SOBRE O PROCESSO DE INVENTÁRIO


11-Out-2010


O candidato a bastonário pede revogação do regime actual.

Simplificação complicada ou o inventário das confusões

Em 29 de Junho de 2009, foi publicada a Lei nº 9/2009 que aprovou o novo regime do processo de inventário.

Estes processos, a partir da entrada em vigor da Lei, em 18 de Janeiro seguinte, passariam a ser tratados nas conservatórias e nos cartórios notariais, ficando desjudicializados.

Estranha solução, sabendo-se que esta é uma das espécies processuais em que a litigiosidade é mais intensa, tornando muitas vezes tão problemática a tramitação que as partes são remetidas para os chamados “meios comuns”, ou seja, convidadas pelo Tribunal a propor novas acções, visando resolver autonomamente esses litígios laterais.

Mas adiante.

A Lei n.º 29/2009 deveria entrar em vigor em 18 de Janeiro de 2010.

Devia, mas não entrou.

Em 15 de Janeiro de 2010, a Lei n.º 1/2010 alterou o art. 87.º da Lei n.º 29/2009 e estabeleceu que a entrada em vigor desta ocorreria em 18 de Julho de 2010.

Em Junho de 2010, porém, o Governo apresentou na Assembleia da República a Proposta de Lei 27/XI – Gov., visando “criar condições mínimas para o efectivo funcionamento da Lei do Inventário”.

Ou seja, um ano depois, sensível às críticas do sector, o Governo decidiu alterar a lei, temperando a desjudicialização, estabelecendo uma nova vacatio legis de 90 dias e ligando a produção de efeitos da Lei à publicação de uma portaria que regulamente o processo e a interligação electrónica entre os vários intervenientes.

Mas o mais curioso viria depois: “face à iminente e expectável aprovação destas alterações” o Ministério da Justiça, em 19 de Julho de 2010, entendeu “solicitar a cooperação de todos os profissionais forenses para a não instauração de processos de inventário nas conservatórias ou cartórios notariais”.

E isto porque tais processos, aprovadas as alterações, serão “rejeitados”, por “incompetência material, constituindo verdadeiramente um acto inútil”.

De acordo com o Ministério da Justiça, duas opções se abriam aos Advogados e Solicitadores (e aos cidadãos que pretendam recorrer à Justiça):

1.º - Aguardar a publicação da nova lei para intentar o processo de acordo com o regime vigente.
2.º - Instaurar o processo nos Tribunais e correr o risco de rejeição por incompetência, ainda que possam vir a ser “ratificados”, logo que a nova lei entrar em vigor, todos os actos praticados.
Quer dizer: o Ministério da Justiça, objectivamente, recomendava-nos… o desprezo pela lei vigente, olhos postos numa lei futura.

Ponderava o Ministério da Justiça: cumprir a lei vigente conduziria, previsivelmente, à rejeição do processo nas conservatórias e cartórios, porque a lei futura (quando aprovada e quando e se entrar em vigo) também não produzirá efeitos antes de 90 dias decorridos.

A recomendação de recorrer a Tribunal tinha um “pequeno” risco: a rejeição imediata por incompetência material do Tribunal, dado que a lei actual subtraiu o processo de inventário da alçada dos tribunais…

Todavia, apesar do risco de rejeição do processo por incompetência, logo que a nova lei entrar em vigor, todos os actos praticados ficam “ratificados”.

Remate da história: em 3 de Setembro de 2010, foi publicada a Lei nº 44/2010.

O Regime Jurídico do Processo de Inventário iria conhecer a sua segunda alteração sem nunca ter entrado em vigor a versão original.

A lei nº 44/2010 só produzirá efeitos 90 dias depois da publicação das Portarias a que se referia o artº 2º nº 3 da Lei nº 9/2009 (apesar de ter entrado imediatamente em vigor para impedir o vazio).

À Lei 9/2009 foi aditado entretanto um artº 6º-A que confere ao conservador ou ao notário, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, a possiblidade de remeter o processo a Tribunal quando cumulativamente, o valor do processo exceder a alçada da relação e a complexidade das questões de facto ou de direito a decidir justifiquem a necessidade.

Não nos é difícil prever que o novo regime não terá longa vida, nem largo campo de aplicação.
No meio de tanta incompetência (em sentido processual), não será caso de o legislador fazer apelo à sua compertência e prescindir desta malograda iniciativa?
Aqui fica o desejo: revogue-se definitivamente este novo regime e ponha-se fim ao experimentalismo incipiente.

Fernando Fragoso Marques

http://www.advocatus.pt/content/view/2848/9/

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