Doação
Centro foi o último legado de Champalimaud
por FRANCISCO MANGAS
Construiu um império industrial que o 25 de Abril nacionaliza. Do exílio, no Brasil, retoma a actividade e refaz a imensa fortuna: deixa uma surpresa no seu testamento.
Só permitiu que a notícia fosse revelada após a sua morte. Segredo de muitos milhões de euros: parte da sua vasta fortuna destinava-se a criar uma fundação dedicada à investigação em saúde. O industrial "austero", amigo de Salazar, apoiante do ELP (Exército de Libertação Português) e de outras forças da contra-revolução no Verão Quente de 1975, doa ao Portugal democrático uma instituição única no País.
Nos últimos anos de vida, António Champalimaud desenhou em segredo com o advogado Proença de Carvalho, o homem que preparou a sua fuga do País nos distantes anos 60, a futura fundação, que havia de nascer com os nomes dos pais do industrial. "Fez questão de ser esse o nome, eu ainda tentei demover: o nome lógico seria o dele." Mas, como em muitas situações ao longo da sua vida, a decisão era "definitiva" - lembra o advogado, que começou a trabalhar com o industrial quando tinha apenas trinta anos.
E outra surpresa, escolheu a ex--ministra da Saúde Leonor Beleza para lhe dar corpo. Será Beleza que, no próximo dia 5 deste mês, centenário da República, inaugurará, na zona ribeirinha de Lisboa, um núcleo de referência a nível mundial: é o Centro de Investigação para o Desconhecido, onde vão trabalhar cerca de 400 cientistas nas áreas do cancro e das neurociências, mas onde também será feito tratamento oncológico.
A fundação será, por certo, o projecto mais luminoso e consensual do empresário "determinado" e "culto", do homem "austero", mestre na arte de fazer muito dinheiro. Não frequentava os "salões sociais, nem ia aos cocktails das embaixadas", diz Proença de Carvalho. A sua vida, no entanto, teve lados sombrios, fugas do País, desavenças, derrotas. Todavia, ele acabaria por sair por cima. No ano da morte de Champalimaud, 2004, segundo a Forbes, o empresário figurava como o 153.º homem mais rico do mundo - com uma fortuna de 2500 milhões de euros.
Na década de trinta, do século passado, a morte do pai, Carlos Montez Champalimaud, médico e empresário, com quem manteve uma relação tensa, obriga António a trocar os estudos pela gestão dos pouco animadores negócios da família. Quatro anos volvidos, casa com Maria Cristina Mello, filha de Manuel de Mello e neta de Alfredo Silva, fundador da CUF. No ano seguinte, aparece como administrador da empresa Cimentos de Leiria, propriedade do tio Henrique Sommer.
Irreverente, atento à modernidade na indústria, sem medo de competir com empresas estrangeiras. É dos primeiros a defender a entrada de Portugal no Mercado Comum. O prudente presidente de Conselho, Oliveira Salazar, "tinha alguma admiração pela irreverência" de Champalimaud, que estende a sua actividade às colónias portuguesas. A expansão em África, como o próprio refere em carta a Salazar, era concebida de "forma a ter larga projecção dentro duma política de atracção e fixação de maiores contingentes europeus".
Com o beneplácito do ditador, muitos dos projectos de António Champalimaud concretizam-se. O seu império ganha forma, cresce durante o Estado Novo. Com Marcelo Caetano as coisas foram um pouco diferentes. E pior ainda, diria o industrial, foi Abril de 1974: o Governo de Vasco Gonçalves nacionalizou-lhe as fábricas, a seguradora, o banco. Conspira com Spínola e outros homens da contra-revolução. Sem grande êxito. Ou, pelo menos, Portugal jamais voltaria ao seu 24 de Abril. Parte para o Brasil e, em duas décadas, o industrial "arguto", em duas décadas, levanta de novo o império.
Era amigo de Salazar ou, pelo menos, as relações com o ditador surgiam cordiais. Ele era "irreverente", mas em sintonia com o regime. Mesmo assim, a Pide abriu--lhe ficha . O "austero" Champalimaud, fora do mundo dos negócios, mostrava o seu "sentido de humor", "tinha coração e sentimentos". Algum do seu tempo livre aplicava-o a dar caça às perdizes nas suas herdades alentejanas.
O nome do que foi o homem mais rico em Portugal não se assimilava à primeira. A própria polícia política - a Pide - , na ficha que abre sobre o industrial identifica--o como "Chapelemant". Devido aos desentendimentos com os irmãos, agravada com o tumultuoso processo da herança Sommer, o nome, por artes de um trocadilho, servia para distinguir os dois ramos desavindos. Ele era o "Champalimau"; os outros: os "Champalibons".
Um ano antes da Revolução de Abril, Champalimaud era o rei do aço e do cimento, tinha uma seguradora e um banco. Em 1987, zangou-se com Cavaco por este, com maioria absoluta, não entregar a administração das empresas aos antigos donos. Foi, no entanto, um Governo do actual presidente da República que negociou indemnização ao industrial pelas nacionalizações. Com o dinheiro, do Brasil, em 1994, dá ordem a um dos filhos para comprar o Banco Pinto & Souto Mayor, que fora seu. "Em sentimento, nunca abandonei o País", referiu ao DN em 1995. "Quis amealhar os recursos necessários para poder voltar e investir."
DIÁRIO DE NOTÍCIAS 1-10-2010
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