Tuesday 15 June 2010

PORTUGAL HÁ 25 ANOS ATRÁS

Portugal e o Mundo Éramos assim há 25 anos > Expresso


País desconfiado Na semana em que, finalmente, se assinava nos Jerónimos o tratado de adesão à CEE, só 40% dos portugueses acreditavam — mesmo — que o país conseguiria cumprir as obrigações necessárias para ter acesso à Europa. À sondagem publicada no Expresso juntavam-se os argumentos do PCP, único partido parlamentar que se opunha veementemente à adesão europeia. Esta "colossal burla política", segundo Álvaro Cunhal, ou a desconfiança intrínseca face ao 'estrangeiro' — a que o país sempre esteve de costas voltadas — acentuam esta aparente indiferença. Em plena crise política, com a queda do Governo do Bloco Central, os portugueses tinham bastante com que se entreter.

Os jornais seguiam a novela das zangas entre Mário Soares, primeiro-ministro, e Cavaco Silva, eleito de surpresa no recente congresso da Figueira da Foz e que pôs fim ao Governo de coligação. Inimigos políticos desde o princípio, Cavaco acusava Soares de "má fé" e de "oportunismo". O líder do PS pediu uma trégua para a assinatura do tratado, mas no dia seguinte à cerimónia dos Jerónimos já falava ao país através da televisão para esgrimir argumentos contra essa "bravata de afirmação pessoal" que levava o PSD a "abrir uma crise grave com pesadíssimas consequências nacionais". Ramalho Eanes, em final de mandato presidencial, tecia em Belém uma solução política. Lourdes Pintasilgo e Freitas do Amaral anunciam a candidatura e aproveitam a instabilidade para arrecadar adeptos.

Sinais de mudança de protagonistas fazem-se sentir, também, por todo o mundo. Ronald Reagan, Presidente dos EUA, visita Portugal em Maio, encontra-se com "o impressionante Soares", esse "furioso anticomunista" — como revelaria mais tarde nas suas memórias — e o processo de esvaziamento da esfera de influência da União Soviética começa a dar passos significativos. A chegada ao poder de Gorbatchov dá uma ajuda de leão à tarefa de abrir uma brecha na cortina de ferro que dividia a Europa e o mundo. No Vaticano, o polaco Karol Wojtyla traz ao pontificado um carácter de maratona pelo mundo e torna claro o apoio aos pequenos sinais de resistência que surgem com a greve nos estaleiros de Gdansk, fortemente reprimida pelo Governo pró-soviético.

Nós por cá todos bem, continuamos a manter a tradição de ficar com os últimos lugares do Festival Eurovisão da Canção. As esperanças em Adelaide Ferreira eram grandes, mas a desilusão a do costume. A televisão — com a RTPl e 2 que garantem em conjunto apenas 17 horas de emissão diárias — é o centro do interesse nacional. Margarida Marante é a estrela das entrevistas políticas, o "Top Disco" divulga o hit 'We are the World' e o país assiste, com demasiada simpatia e compreensão, aos preparativos dos julgamentos do ano: de D. Branca, a banqueira do povo, e de Otelo Saraiva Carvalho e das FP-25.

Modernices a sério só mesmo as gigantescas parabólicas que dão a alguns privilegiados a oportunidade de ver o máximo de 12 canais estrangeiros ou o ZX Spectrum com que os miúdos conseguem abrir — a custo — os primeiros jogos electrónicos. A modernização do país faz-se lentamente, abre-se concurso para 38 km da auto-estrada Lisboa/Porto e constroem-se as torres das Amoreiras, "o maior centro comercial da Europa". Mas, no fundo, no fundo, o país continua igual.

As críticas ao arquitecto Taveira são arrasadoras, junta-se um coro de vozes contra "o mamarracho" que ia "desfigurar Lisboa". As modernices continuam a pagar-se caro. Quando a Cinemateca exibe "Je vous salue, Marre", é o próprio presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Krus Abecassis, quem lidera a cruzada contra o filme. Promete "escaqueirar tudo", mas, desta vez, não cumpriu.

> Publicado no jornal Expresso a 12 de Junho de 2010

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