O regímen perfeito só pode consistir na síntese dos três grandes princípios naturalmente existentes nas sociedades humanas — o democrático, o aristocrático e o monárquico —; compreendemos que, destes três princípios, só o último pode desempenhar a função unificadora
O fulcro da doutrina integralista é a doutrina do Estado. Na época em que surge o
Integralismo Lusitano, era o Estado que se encontrava mais evidentemente em crise. Crise que vinha muito de trás, desde que o Iluminismo pretendeu transfigurar as instituições e os homens concretos, fazendo daquelas e destes simples figurações acidentais de ideias perfeitas. Por isso se compreende que a primeira geração integralista, a de 1914, tenha exercido um esforço gigantesco e entusiástico no sentido de definir o poder político e a sua actividade própria.
Mas a crise do Estado era fruto duma crise muito mais profunda — a crise do Homem. O mérito maior dos fundadores do I. L. foi exactamente terem compreendido qual era a primeira origem da tempestade política que desabara sobre toda a sociedade portuguesa. O que estava em jogo era a concepção do Homem, quer do homem singular, quer do homem colectivo. E, então, a doutrina integralista tornou-se inseparável da doutrina geral da sociedade e da pessoa humana. A raiz humanística do pensamento integralista [-191] havia de salvá-lo da tentação dum fácil nacionalismo fechado e totalitário. E, se se confessavam tradicionalistas, era porque a tradição, longe de ser mera corrente mecânica de factos, era definida por um critério transcendente.
À primeira vista pode parecer absurdo definir uma tradição a não ser pelos próprios elementos que se revelam à análise. Aqueles que em filosofia são nominalistas, não podem reconhecer nem entender o que seja uma tradição viva e complexa, como um corpo animado. Para eles, nada há de essencial nas sociedades, como nada há de essencial nos homens. Cegos para as formas substanciais, não admitem a natureza. No plano do Direito, só a lei positiva tem lugar. No plano do Estado, só reconhecem aquilo que é o produto efémero do acordo momentâneo de vontades individuais. É contra o nominalismo que é preciso afirmar e reafirmar a existência da tradição nacional, distinguindo-a da força mais operante ou mais sensível em cada época.
O tradicionalismo integralista tem um limite e uma regra: a doutrina católica sobre o Homem. A feliz coincidência, na História nacional, das leis internas do desenvolvimento da sociedade com os princípios fundamentais do humanismo cristão, contribuiu para o que podemos chamar no Integralismo um optimismo radical. Nele não se encontra nenhuma daquelas roturas dolorosas e angustiosas tensões que fazem de multas doutrinas políticas modernas uma ocasião constante de perturbações e equívocos. [-192] Ao mesmo tempo e quase no mesmo acto intelectual em que aprofundava as razões de ser da Nação Portuguesa, o I. L. analisava e valorizava os princípios básicos da sociologia cristã. Deste modo o Integralismo pôde ser e ainda hoje é uma resposta lúcida e viva aos grandes problemas do homem de sempre, e especialmente do homem contemporâneo. É um erro considerá-lo alinhado com os movimentos reaccionários ou simplesmente contra-revolucionários que surgiram na Europa durante a primeira metade deste século.
O Integralismo está muito mais aparentado com o catolicismo social, com todo esse vasto e fecundo esforço de meditação sobre o Homem que veio a culminar no monumento imperecível das grandes Encíclicas. É certo que o catolicismo social, por o seu ponto de partida não ser qualquer sociedade nacional concretamente considerada, não formula nem resolve o problema da forma do Estado. Mas tem sido demasiado esquecido tudo quanto há de doutrina política nos ensinamentos do magistério eclesiástico, desde Leão XIII a João XXIII. Um movimento tão puramente cristão como é a Cité Catholique tem demonstrado, através de muitos números da sua revista Verbe, que não é menos verdade ter a Igreja uma doutrina política do que ter urna doutrina social. E, embora não se possa dizer que essa doutrina inclui uma solução para o problema da chefia do Estado, é inegável que nela se encontram os critérios [-193] cuja aplicação em cada país necessariamente determinarão um regímen político. Um dos princípios mais vivos da doutrina política católica é que o direito deve respeitar não apenas a lei natural de origem divina, mas a lei histórica das sociedades nacionais. Esse princípio, claramente exposto por Leão XIII e Pio XII, encontra-se já perfeitamente definido e fundamentado por S. Tomás de Aquino e, por trás deste, por Santo Isidoro de Sevilha. A doutrina agostiniana da origem consciente e voluntária da sociedade apenas afecta o corpo de valores que forma o conteúdo do bem comum e serve, em qualquer sociedade historicamente estabelecida, de apelo constante à autenticidade pessoal que deve alimentar quotidianamente a vida colectiva. Desgarrar qualquer destes princípios (o tomista e o agostiniano) do conjunto da doutrina integral de qualquer dos grandes Doutores da Igreja e, sobretudo, da unidade estrutural da visão católica do homem, é condenar as sociedades, quer a uma estéril repetição dum passado morto, quer à dissolução sem remédio. Insistir, por outro lado, nas grandes linhas da doutrina política da Igreja, sem querer continuá-las até ao momento da concretização numa sociedade dada, é certamente próprio de quem, por força de missão divina, tem de falar uma linguagem universal; mas é tremendamente impróprio daqueles que se julgam empenhados em resolver o problema político de uma nação. Compreende-se que o magistério eclesiástico não inclua, mesmo quando se trata de um episcopado [-194] nacional, a opção entre Monarquia e República: feita por aqueles a quem compete a orientação directa do pensamento e da acção dos católicos, uma tal opção iria criar terríveis problemas de consciência, e confundiria, com o plano religioso o plano político, entregue providencialmente ao estudo, à reflexão e à vontade dos cidadãos como taI. É, porém, incompreensível que os católicos preocupados com o bem público se recusem a olhar de frente os mais altos problemas do Estado, ao passo que estão sempre dispostos a tomar posição nos problemas de natureza económica ou cultural. Tudo isto o Integralismo compreendeu. Nunca esteve nas suas intenções misturar a política com a religião ou fazer da política uma religião nova. Sempre respeitou a pureza doutrinária da Igreja, não lhe pedindo qualquer espécie de compromisso político. Mas sempre soube partir de princípios gerais definidos pelo magistério eclesiástico, quando se tratava de organizar a vida colectiva em termos tais que permitissem e facilitassem a salvação do Homem. Sempre compreendeu que os direitos do indivíduo têm como limite intransponível os direitos do todo social; mas nunca negou que a existência da sociedade é uma função dos valores pessoais.Mais alto que a pessoa humana, só o Reino de Deus. O Estado não é tudo para o homem, mas para o Estado o homem é tudo. [-195] O que determina o Estado não é nenhuma ideia desumana, mas o humanismo integral. O Estado mais perfeito será aquele que melhor servir o homem perfeito, e, para servir o homem, importa que o Estado respeite tudo quanto é humano. É humana a família. É humana a corporação. É humano o município. É humana a comunidade de sangue e história a que se chama Nação. O Estado que não sirva a Nação, o município, a corporação e a família, não serve o homem. Pode concretizar uma ideia transcendente, servir uma ideologia — não serve os filhos de Deus. A doutrina integralista do Estado inclui a Realeza, exige o Rei, mas exactamente porque o Rei é exigido pela Nação portuguesa no conjunto dos seus municípios, das suas corporações, das suas famílias. Como reacção contra uma política puramente abstracta, própria de um ambiente filosófico racionalista, o integralismo inscreve-se aparentemente na concepção positivista que teve em Augusto Comte o maior teórico. Seria, porém, erro grave interpretar o Integralismo Lusitano como a doutrina do facto. O cuidado pelo homem concreto é, ao mesmo tempo, mais doutrinário e menos doutrinário que o positivismo: mais doutrinário, porque abrange o interesse pela natureza humana em todas as suas dimensões; menos doutrinário, porque se recusa a acentuar uma concepção geral sobre a estreita base do fenómeno. Os fundadores do Integralismo tiveram a clara consciência da fraqueza intrínseca e, por isso, invencível, do positivismo filosófico. É essa consciência que justifica, no [-196] plano teórico, a aversão integralista a um puro e simples conservadorismo, como aquele que vigorava na quase totalidade dos meios monárquicas do princípio deste século. Entre o conservador e o tradicionalista, a distância é invencível. O conservador aceita o facto consumado, não apenas como facto, o que seria científico, mas como bem indiscutível. Pode o seu sentimento revoltar-se contra o significado humano do facto, mas, logo que este se conclui e estabiliza, o conservador sente-se incapaz de se lhe opor. Por isso a sua atitude perante os factos novos é caracterizada, na melhor das hipóteses, por uma miúda e mesquinha luta de posições, porque lhe importa sobremaneira impedir a ocupação pelo adversário do mais pequeno recanto da vida social. Ao contrário, o tradicionalista é capaz de valorizar até os factos isoladamente contrários aos princípios fundamentais da doutrina que professa. Senhor de uma visão rasgada e profunda da História, recusa-se a disputar palmo a palmo o terreno pretendido pelo inimigo real ou aparente. Sabe que a história humana não é semelhante a um desdobrar tranquilo e lógico dos teoremas e dos corolários, mas inclui e arrasta muitos elementos aparentemente inúteis ou prejudiciais, e, no entanto, susceptíveis de receber do bem e da verdade um sentido e uma salvação. Nesta perspectiva, o tradicionalista não apenas aceita cientificamente os factos de observação imediata, como lhes dá um significado superior, pois procura extrair deles um bem que eles não permitiam. [-197] O tempo é acompanhado e sagrado pela Eternidade. Nem pode haver verdadeiro tradicionalismo onde faltar de todo uma visão transcendente, uma integração do homem no plano de Deus. Sem esse critério, pode haver conservação — não há tradição. Alimentando-se do passado, o Integralismo volta-se para o futuro. Numa época em que a filosofia da História, depois de ter passado pelo apogeu e de ter dado lugar a alguns abusos, parecia desacreditada, o Integralismo Lusitano assumia uma posição em grande parte precursora e profética, pois abria caminhos com grandeza de ânimo e lucidez intelectual às modernas concepções da História. Quando comparamos o essencial do tradicionalismo integralista, sucessivamente com a filosofia de Santo Agostinho e a de Augusto Comte, é impossível não concluir indubitavelmente que o Integralismo Lusitano está muito mais próximo do grande Doutor da Igreja do que do fundador e pontífice da religião positivista. Como em Agostinho, há nos mestres integralistas uma serenidade exemplar perante os ultrajes da fortuna, uma confiança profunda na Lei de Deus e no seu amor, uma distinção perfeita entre os factos que são mensageiros do bem e os que são mensageiros do mal, mas, ao mesmo tempo, a prudência política que tem sua raiz na sentença evangélica «Não separeis o trigo do joio». Na concepção integral do homem e da história, tudo pode servir para a maior glória de Deus e para o bem das pessoas e das sociedades. O providencialismo, cujos fundamentos se encon- [-198] tram claramente definidos no Antigo e no Novo Testamento, e que foi formulado, em termos teóricos inultrapassáveis, por Agostinho, Boécio, Tomás de Aquino é seguramente uma das fontes inspiradoras do Integralismo Lusitano. Mas o Integralismo está tão próximo da concepção providencialista, — que vê o mal sair do bem, — como está longe de um falso providencialismo que consiste em abrir as portas ao mal, na esperança de que Deus o fará fecundo. Assim o Integralismo Lusitano traçou o seu caminho próprio a igual distância do conservadorismo estéril e do espírito revolucionário, alheio às disciplinas da natureza e de Deus. Ao contrário do que muitas vezes se pensa, o Integralismo Lusitano não professa um historicismo passivo. Antes, armado de um critério filosófico que já inclui a história no seu âmbito, o Integralismo selecciona e promove, condensa e valoriza, fundamenta e interpreta. O que a história oferece ao olhar desprevenido do puro observador empírico é uma amálgama informe de fenómenos. Ter uma visão humanista da história não pode ser o mesmo que ter dela um conhecimento que seja o somatório dos conhecimentos empíricos que em cada geração pertencem ao homem vulgar. Também não pode ser, porém, o mesmo que escolher, de todos os elementos imanentes (declaradamente imanentes) da evolução humana, um qualquer ou porventura o mais nobre (com que critério?) e sujeitar-lhe todos os outros. Entre este ideologismo e aquele empirismo, importa definir e firmar o humanismo integral. Antes de ser [-199] urna dádiva da fé cristã, este humanismo tem para todos os homens a virtude de não assentar num subjectivismo arbitrário, mas num ponto de vista transcendente. Aplicado a uma política nacional, este humanismo histórico não quererá perpetuar indefinidamente situações, mas defenderá a permanência sempre renovada dos princípios geradores da nacionalidade. A história da fundação, da crise da independência e da restauração revelam de maneira inequívoca, não apenas o anseio popular da liberdade, mas o apelo ao Rei; não apenas o Poder Real, servindo uma vontade e plasmando massas informes, mas o Rei como a expressão definitiva da vontade popular e o trono assente numa hierarquia de poderes sociais. Quando nos dizem que a tradição nacional é democrática, pois já antes do Rei a Nação se erguia no horizonte da História, nós aceitamos essa doutrina, que, antes de ser de Republicanos, foi de Monárquicos, mas sabemos acrescentar que a tradição portuguesa não é apenas democrática, porque é também aristocrática e monárquica. Como para S. Tomás, também para nós o mais perfeito regímen não é a Monarquia pura, que tratasse o Povo e as élites corno simples massa a plasmar. Mas, também como ele, proclamamos que o regímen perfeito só pode consistir na síntese dos três grandes princípios naturalmente existentes nas sociedades humanas — o democrático, o aristocrático e o monárquico — (*); compreendemos que, destes três princípios, só o último pode desempenhar a função unificadora. [-200] A distinção a que acabamos de aludir é manifestamente necessária quando se quer estabelecer uma teoria da Nação e do Estado, e corresponde a uma realidade profunda que a História constantemente manifesta. Não vamos, porém, imaginar que essa tríplice realidade política se apresenta naturalmente dividida. Por maior que seja o papel da consciência e da razão na marcha da História, é próprio da natureza humana, que não é apenas espírito, mas corpo também, que as sociedades vivam e cresçam e se aperfeiçoem segundo um processo espontâneo, habitual, quase automático, de desenvolvimento. Pode faltar, numa época ou num momento mais ou menos largo, a consciência do Povo, a força da Aristocracia, até o Poder Real. Pode suceder que uma crise profunda trespasse de alto a baixo todo o corpo social. A Nação é uma unidade viva e crescente, não é uma simples combinação de elementos, um artifício imaginado e procurado. Para o Integralismo Lusitano, a massa popular, o escol e o Rei são uma e a mesma realidade nacional. Nem o Rei é um valor em si, dotado de um carácter independente da sua função, nem o Povo e os nobres podem prescindir do Rei como de um ornato inútil. Quando a Realeza se torna transcendente e desce sobre a Nação como um poder estrangeiro, um princípio em si mesmo superior e perfeito que viesse colonizar indígenas sem cultura, é a si mesmo que a Realeza se condena. Mas quando a Nação julga poder viver e cum- [-201] prir-se sem o Rei, é ela que entra no caminho da destruição. Em Portugal, o Rei e o Povo constituem a Nação. Importa que o Estado seja a permanente actualização da realidade nacional, e só pode sê-lo se o seu chefe for também o chefe natural da Nação. Pode e deve a Nação desenvolver-se de acordo com todas as suas virtualidades. Mas uma Nação não é um corpo isolado. Hoje mais que nunca, cada Nação está aberta a um sem-número de influências, e arrisca-se a trocar a sua alma pela tendência mais forte em dado momento. A Realeza, como parte integrante da Nação, é fiadora da continuidade histórica. A situação presente do Mundo e, em especial, da Europa, exige, muito mais do que noutras épocas de tranquilidade e de isolamento, a presença do Rei. Não pensemos, no entanto, que, em face das tendências novas, o papel do Rei seja um papel negativo de polícia de costumes políticos. É, antes, uma função nobremente positiva, a que lhe compete: a função integradora, tanto num sentido estático como num sentido dinâmico, de tudo quanto pode servir ao bem comum nacional. Os mesmos valores que, lançados no corpo da Nação sem a presença do Rei, poriam em risco a saúde colectiva, podem contribuir para o progresso da comunidade, sempre que a Realeza os receba, coordene e oriente [1]. [-202] Deste modo, a Realeza é condição de progresso; na bela expressão de Pierre Boutang, "a Esperança é monárquica". Mas a Esperança não é apenas monárquica: o Integralismo abriu a Política ao plano espiritual e ao plano económico. E era bem urgente essa abertura. A experiência liberal e a experiência republicana, ao mesmo tempo que tinham quebrado toda a autêntica vinculação da Política à esfera dos valores religiosos, tinham também desenraizado a Política do húmus social, em que se processa toda a pujança e variedade da actividade económica. Os fundadores do Integralismo Lusitano compreenderam que a crise teórica e prática da Política não vinha somente da perda do sentido transcendente da vida humana, do esquecimento do carácter integral do verdadeiro humanismo: vinha também da pretensão a construir a obra política como um jogo — e de jogadores profissionais. A Política moderna partira de uma ideologia e acabava numa mesquinha arte de ludíbrios. A intercomunicação natural e vital, entre a Política e a Economia parecia para sempre cortada. Sobre uma concepção abstracta de "cidadão" erguera-se uma falsa representação nacional, teoricamente baseada em divergências doutrinárias, praticamente, porém, derivada das influências do dinheiro, da habilidade; cada vez menos do prestígio social, cada vez mais da própria força política. Deste modo, pelo menos duas características totalmente anómalas tinham este sistema representativo: na falta de divergências doutrinárias, o processo de representação tendia a não funcionar; [-203] e o "político", teoricamente emanado da vontade popular, era quem, em larga medida, a determinava. Contra um tal sistema, o Integralismo Lusitano proclama que a representação nacional tem de sair da complexidade e riqueza da própria vida nacional. O elemento consciente e pessoal tem o seu papel a desempenhar: há um momento voluntário no processo; mas esse momento não pode estar solto do conjunto: há-de ser a expressão responsável, no plano político, duma realidade económica que importa respeitar. Como tal, considerada em si mesma, a representação é "política", mas o que ela representa, o que ela transpõe para o plano político é, em grande parte, económico. Foi também por não o reconhecerem nem promoverem, que o Liberalismo e a República nunca conseguiram resolver o problema da representação. Não basta, porém, assentar o sistema representativo no plano económico. A Nação não é apenas vida económica, riqueza, produção, distribuição... Na medida em que os cidadãos se interessam pelo Bem Comum, é-lhes adequada a intervenção nos negócios públicos, nos destinos da Nação definidos pelo Estado. Cada homem é membro da comunidade política, e não apenas da comunidade económica. E a Nação será formalmente tanto mais perfeita quanto mais for constituída por indivíduos conscientes do seu papel político. Uma das razões da superioridade da Monarquia está exactamente nisto: o Rei é tão adequado a uma sociedade politicamente atrasada corno a uma nação que atingiu a maioridade política. No primeiro caso, [-204] estimula e orienta o progresso da consciência social; no segundo caso, condiciona e regula o exercício da actividade política, a concretização do pensamento de indivíduos e grupos. Quando numa sociedade a consciência política se encontra em progresso, cumpre ao Rei defendê-la, quer de ataques mal-intencionados, quer de possíveis desvios. O Rei não é infalível; mas ninguém como ele está em posição de conhecer a verdade nacional. Qualquer acção negativa que o Rei haja de exercer, não deve, porém, afectar directamente a expressão do pensamento político, mas sim e apenas a tradução desse pensamento no plano das estruturas. Todo o pensamento é de raiz pessoal. Não compete ao Rei, porque não compete ao Estado, planificar o pensamento, mesmo que se trate de pensamento político. Embora seja, excepcionalmente, e em casos extremos, necessária a suspensão do direito pessoal da expressão, por altos motivos de Bem Comum, nunca essa intervenção excepcional deve ser feita em nome de um pensamento político, mas sim em virtude de uma necessidade imperiosa de vida nacional. Mas, quando todo o pensador político pretende que a sua ideia se transforme em acção, se faça carne e sangue da Pátria, então o Rei tem o dever de velar, porque a Pátria não pode estar à mercê de todos os cérebros fecundos. Que cada ideia política tenha natural direito a participar do Poder, a fazer a Lei da comunidade — eis o absurdo da política "democrática". Mas fazer do Estado e, no fim de contas, da Nação, criaturas de uma só dela, à qual se atribui, [-205] por um acto de vontade, valor absoluto — eis o absurdo da política totalitária. Numa sociedade moderna, em que a complexa experiência dos séculos, quase por um fenómeno físico de reflexão, provoca o aparecimento de inúmeras concepções, que, por sua vez, se repercutem umas nas outras, interminavelmente, o Poder Real é salvador. Porque não é ideológico, abre o campo da Cultura às ideologias. Porque não é ideológico, fecha às ideologias o domínio estrito do Estado, o mínimo político que pertence ao comum. [-206]
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[1] Neste sentido, lembrar O Meu Testemunho, de
Pequito Rebelo, e os artigos do mesmo doutrinador sobre a Revisão Constitucional, em O Debate. (1971)
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"«O Integralismo como Doutrina Política», trabalho na sua maior parte inédito, corresponde, no entanto, a uma conferência feita no Centro de Cultura Popular, em 1964, durante as comemorações do cinquentenário da revista Nação Portuguesa, com que nasceu o Integralismo Lusitano. Feita inteiramente de improviso, a conferência foi depois criada, quase inteiramente de novo, para ser publicada no volume em que deviam figurar os trabalhos de Fernando Amado,
Manoel Galvão, Pedro da Câmara Leme, Gaspar de Campos, José Fernando Rivera Martins de Carvalho e do Autor. Esse volume nunca foi editado, mas um trecho da conferência ora publicada foi editorial de O Debate." (Nota na edição de 1971, pp. 330-331)
(Henrique Barrilaro Ruas,A liberdade e o Rei, Lisboa, 1971, pp. 191-206; 330-331)
* S. Tomás de Aquino, ST I-II. 95. 4 "regimen commixtum est optimum"; I-II. 105. 1 "optima politia bene commixta" (Nota desta edição, J.M.Q.)
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1971 - Henrique Barrilaro Ruas, A liberdade e El-Rei
1971 - Henrique Barrilaro Ruas, O Integralismo como Doutrina Política
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1981 - Henrique Barrilaro Ruas, O «31 de Janeiro» e o «1º de Fevereiro»
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2003 - Henrique Barrilaro Ruas, Da Dignidade da Política
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2004 - Teresa Martins de Carvalho, Henrique Ruas. Memória e Louvor
Livros
http://www.angelfire.com/pq/unica/il_br_integralismo_como_doutrina.htm