Saturday 27 September 2014

Tuesday 16 September 2014

Monday 9 June 2014

CÂMARAS PAGAM 355 MIL EUROS POR UMA PROVIDÊNCIA CAUTELAR


“As Câmaras de Viana do Castelo, Barcelos, Ponde da Barca, Esposende e Ponte de Lima pagaram, por ajuste direto, 355 mil euros ao escritório de advogados Nuno Cerejeira Namora, Pedro Marinho Falcão &  Associados pela providência cautelar, interposta em Maio, para travar a privatização da Empresa Geral de Fomento (EGF), que gere os resíduos sólidos de 60% do País. O CM apurou que o pagamento aos advogados deverá ser feito em três vezes  ao longo de três anos e que os municípios pediram isenção de custas judiciais.
 
 O autarca de Viana, José Costa, levou o assunto à reunião de câmara. Segundo o vereador e deputado do PSD Eduardo Teixeira, que votou contra a proposta, os 355 mil euros são pagos a dividir por cada autarquia de acordo com a posição acionista na Resulina. Viana vai pagar 94 mil euros em três tranches. “O valor total é imoral e tenho dúvidas da legalidade deste contrato por ajuste direto”, diz ao CM.
O anúncio da privatização foi recebido com desagrado por muitas câmaras , nomeadamente da área de Lisboa,  e motivou protestos dos trabalhadores.  Ainda ontem,  centenas de pessoas manifestaram-se em Lisboa contra o processo de venda.”

Monday 12 May 2014

FIDALGOS, QUEQUES E BETINHOS

Miguel Esteves Cardoso – Fidalgos, queques e betinhos
 
Os Portugueses têm algo de figadal contra todos os que tenham algo de fidalgal. Como as crianças, confundem muito a fidalguia, que é uma simples condição social, com a aristocracia, que é um sistema político em que o poder pertence aos nobres. E, no entanto, como diria Chesterton, não há mérito automático em ser fidalgo, nem vergonha em pertencer decididamente (como eu) à ralé.
Em Portugal a nossa civilização deve muito a duas classes minoritárias. Ambas são gente simples, com posses reduzidas e educação informal. Refiro-me, obviamente, à plebe e à nobreza. O pretensiosismo dominante, seja proletário ou possidónio, seja triunfalista ou disfarçado, encontra-se nas classes restantes, que constituem a grande maioria da população. Mas um pastor ou um pescador é tão senhor como um fidalgo. Como ele, vê o mundo de uma maneira antiga, em que cada coisa tem o seu lugar, o seu sentido e o seu valor. O pior é o operariado, a pequena, média e alta burguesia: enfim, quase toda a gente. É esta gente que se preocupa com a classe a que pertence. Enquanto o pastor e o visconde se ocupam, os outros preocupam-se. Os primeiros não querem ser o que não são. Os outros adorariam. Os primeiros aceitam o que são, sem vaidade. Os outros têm sempre um bocadinho de vergonha e por isso disfarçam, parecendo vaidosos.

Quem é fidalgo e quem é que quer ser?
 
Em Portugal existem três classes distintas. Há a classe dos fidalgos – os meninos “bem”. E depois há duas classes falsamente afidalgadas. Há os meninos “queques”, filhos de pais “queques” mas com avós que não. E há os “betinhos”, filhos de pais que, simplesmente, não.

O “menino bem” é aquele que não sabe muito bem em que século começou a fortuna da família. Geralmente é pobre, com a consolação irritante do passado rico. É muito bem-educado e jamais se lembraria de lembrar aos outros que é “bem”. O “queque” sabe perfeitamente que foi o avô ou o bisavô que abriu a fábrica ou a loja que enriqueceu a família. Geralmente é bastante rico. Embora tenha frequentado os colégios correctos, tem sempre um enorme complexo de inferioridade em relação aos “meninos bem”, o que o leva a fazer-se mais do que é. De bom grado trocaria grande parte da sua fortuna pela antiguidade e pelo prestígio de um bom título.

Finalmente, o “betinho” é aquele cujo pai nasceu pobre, indesmentivelmente operário. O betinho procura dar-se, em vão, com queques e meninos bem, mas a sua educação é formal e institucional, não familiar. É o mais rico de todos, mas é também o mais envergonhado. O betinho por excelência é aquele que não suporta a vergonha de um pai nascido entre o povaréu. Evita apresentá-lo aos amigos. Tudo faz para ocultar a sua proximidade genealógica ao vulgacho.

Tanto o queque como o betinho são o resultado de self-made man, homens que se levantaram pelas próprias mãos, quantas vezes rudes e calejadas e tudo o mais. O menino bem, em contrapartida, nem sequer compreende o conceito de self-made man. Porque é que um homem se há-de “fazer a si próprio” quando houve sempre pessoal, criados e caseiros, para se ocupar dessas tarefas desagradáveis?

Distinguem-se em tudo. A falar, por exemplo. O menino bem usa todas as formas de tratamento, desde “a menina” – A menina vai levar o Jorge ou vai sozinha no Volvo? – até ao “Psst, tu que fumas”.

O queque, por ser menos seguro, trata toda a gente por “Você”, incluindo os criados e as crianças (o que não é correcto, mas parece). O betinho, a esse respeito, está em absoluta autogestão. Tenta tratar mal aqueles que considera inferiores (demasiado mal) e bem aqueles que considera superiores (demasiado bem). No fundo é um labrego engraxado que julga sinal de aristocracia dizer os erres como se fossem guês.

O que caracteriza o menino bem é o seu total à vontade no mundo. Nunca se enerva, nunca hesita, nunca está muito preocupado. Haja ou não dinheiro. O menino bem dá-se bem com a pobreza e encara o sobe e desce da sorte com a naturalidade com que aceita a circulação do sangue pelas veias. Por isso dá-se bem com toda a gente. Nada tem a perder ou a ganhar.

Os queques não são assim. Pensam que nasceram para o brilho baço do privilégio. Vivem obcecados pelo dinheiro já que é o dinheiro que lhes permite comprar todos aqueles adereços (relógios Rolex, automóveis Porsche) que consideram indispensáveis ao seu estatuto social. Um menino bem, em contrapartida, nunca usa relógio – porque é que há-de querer saber as horas? O queque só se dá com pessoas “do seu meio”. Enquanto o menino bem tem aquele rapport feudal com caseiros, varinas e pedreiros, que constitui uma forma multissecular de intimidade, o queque aflige-se em “manter as distâncias” com esse gentião, precisamente por serem tão curtas.

O betinho é uma pilha de nervos. Ninguém o respeita. Dá-se quase exclusivamente com outros betinhos, do mesmo ramo de importação de electrodomésticos ou da construção civil. Não gostam de sair da sua zona. Os de Lisboa, por exemplo, só quando há uma emergência é que saem do Restelo. Ao contrário dos queques, evitam falar em dinheiro porque se sentem comprometidos. Esforçam-se mais por serem meninos bem do que os queques, que julgam já serem meninos bem. Andam sempre vestidos pelas lojas mais tradicionais (camisa aos quadradinhos, casaquinho de malha, jeans novinhos e mocassins pretos com correiazinha de prata ou berloques de cabedal), ao passo que os queques compram roupa mais moderna na boutique da moda. Escusado será dizer que os autênticos meninos bem andam sempre mal vestidos, com a camisola velha do pai e as calças coçadas do irmão mais velho. A única diferença é que as camisolas e as calças que têm em casa duram cem anos. Os avós já compram camisas a pensar que hão-de servir aos netos. Aliás, os fidalgos são sempre mais forretas que a escória.

No que toca aos hábitos alimentares, os meninos bem comem sempre em casa. Como as famílias são geralmente muito grandes (de resto, como sucede com o populacho), a comida é quase sempre do tipo rancho, ou sempre servida com muito puré de batata.

Os queques estão sempre a almoçar e a jantar fora, em grupos grandes com muitos rapazes e raparigas a exclamar: “Ai, já não há pachorra para o quiche lorraine!” Aqui se denunciam as suas verdadeiras origens sociais. Para um menino bem, comer fora é uma espécie de solução de emergência, quando não dá jeito comer em casa. Para um queque é um prazer.
Nas casas bem, a qualquer hora do dia, há sempre uma refeição a ser servida a um número altamente variável de crianças, primos, criadas, motoristas, tias, etc.

Nas casas queques as refeições variam conforme os convidados. Nas bem são sempre rigorosamente iguais. Os queques têm a mania dos restaurantes – conhecem-nos tão bem como os meninos bem conhecem (e odeiam) as cozinheiras. E os betinhos? Os betinhos tentam evitar as refeições o mais possível. Comem sozinhos em casa (os betinhos tendem a ser filhos únicos) ou levam betinhas a jantar. Porquê? Porque têm a paranóia de serem “descobertos” através dos modos de estar à mesa. Mas, na verdade, só são descobertos pelo seu excesso de boas maneiras. Um betinho à mesa está sempre “rijo”, atento, receoso de tirar uma azeitona por causa do terror de não saber lidar com o caroço. Os queques comportam-se como animais, espetando garfos nas mãos estendidas dos outros, soprando pela palhinha para fazer bolinhas no Sprite e atirando os caroços para martirizar o cocker spaniel. Quanto aos meninos bem, encaram as refeições como uma simples necessidade fisiológica. Comem e calam-se. Falam só para dizer “passa a manteiga” ou “Parece que houve uma revolução popular em Lisboa, passa a manteiga”.

Não são, portanto, os fidalgos que dão mau nome à fidalguia – são os queques e betinhos. Estes cultivam ridiculamente os “brasões” e as “quintas”, fingindo que não gostam de falar nisso. Em contrapartida, nas casas fidalgas, os filhos das criadas experimentam os lápis de cera nos retratos a óleo dos antepassados. E ninguém liga…


In “Os meus Problemas”Miguel Esteves Cardoso
 
 

Sunday 30 March 2014

UMA CIDADE AGRÍCOLA


Uma estufa no telhado do Clube VII, em Lisboa, para produzir girassol, ervilha e erva-trigo é o projecto de João Afonso Henriques para 2014, Ano Internacional da Agricultura Familiar. É, espera o fundador da Urban Grow, só o princípio de uma revolução que vai trazer a agricultura para dentro das cidades.
  

“Não quero produzir microlegumes”, diz. “O que eu quero é fazer microfábricas de proteína vegetal com baixas calorias, aminoácidos, vitaminas, antioxidantes e ácido fólico. Não quero produzir plantas, quero criar microfábricas de força vital. Quero criar a melhor solução de produção de nutrientes localmente e de forma sustentada.” Fala em “força vital” porque é este o conceito que surge associado à ideia de plantas muito jovens, que têm toda a sua energia concentrada, mas frisa que se trata de algo que não é mensurável cientificamente, por isso prefere focar-se nas vitaminas e outros componentes que podem de facto ser medidos.

 

Dos microlegumes aos biovivos
 
Anteriormente, João tinha uma horta na qual produzia microlegumes gourmet — rabanetes, tomates e alfaces, por exemplo — para fornecer a restaurantes e chefs. Mas agora a sua perspectiva é outra. Não quer vender alimentos, quer vender saúde. Aponta para um dos tabuleiros. “Apesar de aquilo serem microlegumes de ervilha, podemos vê-los como a melhor fonte de vitamina C e proteína com baixas calorias, antioxidantes e ácido fólico.”

O girassol, por exemplo, “tem mais antioxidantes que os frutos vermelhos”, garante. “As amoras, framboesas, mirtilos ajudam na luta contra o envelhecimento, mas demoram seis meses a crescer e têm um custo extremamente elevado para a quantidade de antioxidantes que oferecem. Com o girassol, temos uma dose de antioxidantes superior por cada 100 gramas, e que cresce em 20 dias.”
 
Em casa, diz, tem um tabuleiro em cima da mesa de trabalho e vai comendo os rebentos de ervilha, que usa também em sanduíches, em omoletes ou, juntamente com duas laranjas, para fazer um sumo que representa 100% da dose diária recomendada de vitamina.

Quando apresenta o seu produto num restaurante, tem vários argumentos: “Comecei com os microlegumes, mas estes, como já foram colhidos, estão mortos, enquanto os biovivos só morrem na altura em que o chef os corta e vão para a salada ou outro prato. Só são utilizados quando é preciso e por isso não há desperdício. E depois, quando digo que um tabuleiro destes equivale a um quilo de alface, meio quilo de espinafres e duas laranjas, as pessoas ficam impressionadas.”

A primeira apresentação destes produtos acontecerá a 5 de Abril durante o Sangue na Guelra, um evento-satélite do festival Peixe em Lisboa, em que as estrelas são os subchefs dos grandes restaurantes do mundo. E em Maio o produto deverá estar à venda nos supermercados biológicos Brio (com um preço de lançamento de 1,55 euros por tabuleiro, que subirá depois para os 2 euros; um tabuleiro deverá ser consumido no prazo de uma semana para manter as características ideais).

Qual é, então, a diferença entre os biovivos e os germinados, que começaram também nos últimos anos a aparecer no mercado? João abre uma caixa de plástico colorida onde tem as sementes de ervilha dentro de água. “Isto que tenho aqui são os germinados, cresceram num sítio escuro e quentinho, que é o autêntico spa das bactérias. Na minha perspectiva, é preciso termos muito cuidado com os germinados crus, porque lavamos a semente por fora, mas é quando ela rebenta que aparecem as bactérias.” Os biovivos são uma fase mais avançada dos germinados que, segundo João, mantêm muitas das características boas destes mas já deixaram o tal “spa de batérias”.

Fiel à sua ideia de aproveitar os espaços urbanos (até porque a sua formação original é de design, depois aplicado à agricultura), prepara-se para criar a “primeira estufa de telhado biocertificada da Europa”, no cimo do ginásio Clube VII, no Parque Eduardo VII, em Lisboa. É aí que vão crescer os biovivos, que serão depois utilizados na cafetaria do clube. “Vamos espalhar várias estufas na cidade e fornecer os biovivos o mais localmente possível.”

O modelo que João Afonso quer implementar passa muito por sítios como clubes e ginásios (a ideia é aliar a nutrição e a saúde), mas também por hotéis. “Vamos imaginar um hotel. Pego na lista de produtos que usam na zona de restauração, vou analisar o telhado e outras zonas de cultivo que possam ter no edifício e vou tentar produzir os inputs da cozinha deles no próprio edifício.”

Se o hotel usar produtos gourmet, tem ainda mais vantagem, afirma. “Se eu fizer um sistema para produzir alfaces, vou conseguir pagá-lo em três anos, se fizer um sistema para produzir morangos azuis, rabanete preto ou rabanete melancia, paga-se em seis meses. Porque é um produto raríssimo, com um valor de mercado muito mais elevado. O desafio que lanço a todos os hotéis é que tenham coragem para começar a desenhar os seus modelos de autocultivo. Não precisam de mandar vir o produto de distância e têm-no a crescer no próprio hotel.”
 
                                                       Uma cidade agrícola
João foi criando esta imagem de uma cidade agrícola, cheia de espaços verdes onde crescem alimentos, durante os últimos anos, em que se dedicou a criar sistemas de produção de vegetais sem terra, usando a água como “solo”. Aqui na estufa da faculdade vêem-se também alguns exemplos. “O meu objectivo era que toda a gente começasse a ter uma plantinha em casa e a partir daí desenvolvesse o seu sistema de compostagem e começasse a criar um modelo de autocultivo para ter uma alimentação de melhor qualidade e reduzir custos. Jardinagem faz muito bem, mas não é o suficiente para a auto-subsistência.”

Tornou-se crítico das hortas urbanas que se vêem em várias zonas da cidade, porque considera que esses vegetais actuam sobretudo como biofiltros e retêm toda a poluição. “Tenho a certeza de que as hortas ao lado do IC19 não vão alimentar as pessoas.” Mas a poluição não chega também às hortas nos telhados? “Temos que ter a consciência de que a qualidade do ar nas cidades é péssima e por isso estou a desenvolver uma solução realista que é a de termos estufas em que o ar que entra é sempre filtrado. Os custos são mais elevados, mas temos a certeza de produzir alimentos saudáveis.”
Durante vários anos fez experiências para a produção de legumes com sistemas de hidroponia — ou seja, substituindo a terra por água, na qual são colocados os nutrientes necessários às plantas. Estudou profundamente o assunto, fez uma tese sobre a hidroponia na região Oeste e concluiu que a maioria dos agricultores faziam hidroponia em sistema aberto, desperdiçando enormes quantidades de água. “Com uma pequena mudança, que passa por fechar o ciclo, temos um sistema que poupa 90% de água.”

Foi assim que se interessou pela aquaponia, que na sua forma moderna surgiu nos anos 1960 no New Alchemy Institute, em São Francisco. Trata-se de um sistema fechado em que os dejectos dos peixes são transformados por bactérias em nitratos, que as plantas usam como nutrientes. “As bactérias transformam a água dos peixes em comida para as plantas, e estas limpam a água, que regressa aos peixes já limpa.”

João desenhou soluções mais económicas para quem queira ter em casa um sistema deste tipo e chegou até a projectar uma estufa de aquaponia de 500 metros quadrados para um projecto de agro-turismo no Alentejo. Mas afirma que o seu sistema preferido é, actualmente, a bioponia, no qual já não são usados peixes, mas sim um “chá de composto”, com terra, húmus, guano (fezes de morcego), um macerado de luzerna e melaço, que vai alimentar os microrganismos que “fazem uma penugem à volta das raízes e sintetizam os nutrientes para a planta”. Dominar este sistema permite produzir legumes muito maiores, explica.

Nessa altura viajou pelo mundo e viu exemplos do que de mais avançado se faz nesta área. “Fiz um curso no Hawai, que é a zona do mundo com mais agricultores de aquaponia por quilómetro quadrado, visitei os melhores exemplos de agricultura urbana, estive no Living With The Land, no Epcot Center, na Disneylândia, onde andamos num barquinho e passamos por uma estufa gigante com cacau, jaca e bananas a crescer com água que vem de esturjões, crocodilos, tartarugas e camarões.” Leu sobre o arroz que é cultivado em túneis de metro desactivados no Japão, e pensou muito sobre tudo isto.

Acredita no admirável mundo novo da agricultura urbana biológica. Mas, para já — e enquanto ideias como a das “quintas verticais” não são ainda uma realidade em Portugal —, vai começar com os seus biovivos, cultivados em estufas nos telhados de Lisboa.

 
http://www.publico.pt/sociedade/noticia/vamos-ao-telhado-buscar-a-salada-1629689