Tuesday 11 February 2014

ENTRE A MAÇONARIA E O MECO por HENRIQUE NETO


“Não vou naturalmente dizer que a tragédia do Meco foi provocada pela Maçonaria, mas apenas afirmar que a cultura de secretismo instilada numa parte da sociedade portuguesa pela Maçonaria, está na origem do que aconteceu naquela praia. Porque o que aconteceu, com origem na Universidade Lusófona, não foi o resultado de uma associação de praxes, mas o crime de uma sociedade secreta, a meio caminho entre a Maçonaria e a Máfia.
 
Não por acaso. Pelo que tenho visto, a Universidade Lusófona será uma instituição de ensino mas não é uma Universidade, na melhor tradição europeia e universalista da criação de conhecimento e de escola de valores. Pelo contrário, tudo indica que se trata de um negócio de grande sucesso, que para o ser usa os recursos tradicionalmente consagrados em alguns sectores da sociedade portuguesa, que vão da cunha aos favores de amigos, afilhados e irmãos. Acresce que a aproximação às hierarquias políticas e a ambição do poder, foram as principais razões que desenvolveram na Lusófona um ambiente favorável ao secretismo de raiz antidemocrática, fonte histórica de todos os abusos, que, com o tempo, se tornou a alma do negócio.
 
Alguns acontecimentos que ultimamente têm chegado ao conhecimento da opinião pública, como as licenciaturas de favor, atestam-no e não surpreende que alguns jovens mais imaturos se tenham deixado endrominar pela cultura do sucesso fácil, do autoritarismo, da dominação dos mais fracos e da obtenção de poder pessoal, tudo isso teorizado como um suposto modelo do sucesso individual. Que isso tenha acontecido numa universidade portuguesa e, alegadamente, tenha passado ao lado dos seus órgãos dirigentes, é matéria de estudo e condenação.
 
O jornal “Sol” publicou recentemente que a Grande Loja Legal de Portugal está a instalar uma Ordem para rapazes dos 12 aos 21 anos, a exemplo do que acontece nos Estados Unidos e no Brasil, países que aparentemente não querem ficar atrás de certos países islâmicos com as suas madrastas e centros de recrutamento de malfeitores. O jornal fala apenas de rapazes e não menciona as raparigas, acrescentando que “o objectivo é formar jovens que sejam úteis à sociedade, promovendo palestras e dando-lhes formação.” Mais à frente da notícia é dito “que uma das actividades que mais praticam é a oratória para aprenderem os truques de falar em público.
 
Nada poderia ser mais claro, as irmandades sentem que estão a perder terreno para as juventudes partidárias na sua capacidade de nomear gente para as mais diversas funções e mordomias do Estado: Assembleia da República, governos, empresas públicas, grupos económicos privados, autarquias e tudo o resto onde exista alguma forma de poder e de rendimento. Cintam com jovens devidamente treinados, capazes de através da “oratória” reconquistar uma fatia do poder político e económico, que é a sua razão de ser.
 
Provavelmente nunca se saberá o que aconteceu na praia do Meco naquela noite de Dezembro, nem haverá culpados conhecidos e condenados. Se assim for, como tudo indica, será apenas mais um caso em que a justiça portuguesa é vencida pelo silêncio, pelos grupos de interesses e pela sua própria natureza de classe. Dos seis jovens roubados às suas famílias pela estupidez de uma mal compreendida disciplina fascizante, restará a memória difusa das vítimas de um sistema de educação desmiolado e irresponsável. As declarações prestadas aos meios de comunicação por alguns dirigentes da Lusófona, a seguir à morte dos jovens, de tão ridiculamente desculpabilizantes ficarão como parte da farsa que quase sempre se segue à tragédia.
 
O Governo e o Ministério da Educação farão sem dúvida aquilo que sabem fazer melhor em circunstâncias semelhantes: leis e regulamentos. Infelizmente, não lhes passará pela cabeça reconhecer que tudo isto é o resultado da degeneração de um sistema político cada vez menos exemplar e cada vez mais corrupto.”
 
 
HENRIQUE NETO in JORNAL DE LEIRA, edição de 6 de Fevereiro de 2014
 

Wednesday 5 February 2014

Sunday 2 February 2014

Monday 13 January 2014

PRESIDENTE DO CONSELHO EUROPEU EVOCA "CATÓLICO" ROBERT SCHUMAN

 

Presidente do Conselho Europeu evoca «católico» Robert Schuman, «pai da Europa» que pensava mais no futuro do que nos votos
 
Com este artigo quero prestar uma vibrante homenagem ao pai da Europa moderna, Europa que se chamou "Comunidade" e que tem hoje o nome de "União". Robert Schuman que nos deixou há 50 anos (a 4 de setembro de 1963) e o seu exemplo, o seu pensamento e a sua ação são para mim fonte de inspiração constante.
 
O homem que, a 9 de maio de 1950, fez entrar a Europa contemporânea na história, não estava só nem era o único. Outros Grandes da Europa marcaram o caminho ou levaram-no por diante: Aristide Briand e Gustav Stresemann (que receberam o prémio Nobel da Paz em 1926), depois Winston Churchill, Charles de Gaulle, Konrad Adenauer, Alcide De Gasperi e Paul-Henri Spaak; sem esquecer aquele "mentor" do projeto europeu que foi Jean Monnet, nem o "braço operativo" que esteve ao lado de Robert Schuman, o diretor do seu ministério Bernard Clappier. Homens provenientes de diversos horizontes, de diferentes convicções políticas, filosóficas e religiosas, mas que têm em comum o facto de terem inscrito a Europa e o projeto europeu na história. (...)
 
O pensamento e a ação destes Grandes da Europa são hoje desconhecidos ou, pior, ignorados. Por isso, é em relação a eles que quero testemunhar todo o meu reconhecimento através desta reflexão dedicada a Rober Schuman. Sim, Schuman: homem simples, modesto, calmo, honesto e reto, de temperamento sereno, dotado de prontidão de espírito e sentido de humor, que detestava a demagogia e era "impermeável" às modas intelectuais.
 
Este homem, que não fazia "gestos teatrais", tinha como reconhecida qualidade «a clareza, a precisão e as maneiras reflexivas de apresentar as argumentações» (citação do excelente trabalho de François Roth, "Robert Schuman, du Lorrain des fontières au père de l'Europe", 2008). Poderia ter dito «je suis ma conscience», "sigo" e "sou" a minha consciência. Estava ao serviço do bem comum e não exercitava o poder para fins pessoais. Homem de Estado, pensava, como Churchill, nas gerações seguintes mais do que nas seguintes eleições. Cristão, espiritualmente e socialmente católico, também ele gostava de recarregar-se com frequentes retiros no mosteiro.
 
Em suma, Robert Schuman exercitava, coisa mais rara do que geralmente se pensa, um poder autêntico. Porque, como escrevia Hannah Arendt, «o poder só é exercitado onde ato e palavra não tomam estradas separadas, onde os fins não são vazios de sentido e os atos credores de violência».
Era homem de abertura, homem das fronteiras que se encontram; para ele amar a Europa não queria dizer ignorar o próprio país, a própria região, a própria vila.
 
Porque cada homem precisa de ser "reconhecido": conhecido e reconhecido. Para existir, e não só para ser. E o reconhecimento passa através de referências, pontos fixos. Referências que cada pessoa se dá e que os outros lhe reconhecem. Referências feitas de laços sociais e familiares, mas também de laços históricos e geográficos. O homem faz parte da humanidade. (...) Ser um europeu sem laços não tem sentido. E poderia provocar apenas uma sensação de medo e retirada, derivada de uma perda de referências. Robert Schuman compreendeu-o bem.
 
Era de Evrange, da Lorena, de França, da Europa. Não "ou", mas "e". Porque as identidades não se anulam. Ao contrário, enriquecem-se reciprocamente e não se perde uma identidade adquirindo outra. Identidade europeia, porque Robert Schuman fez da Europa a obra da sua vida. O seu projeto, o seu desejo, era a Europa.
 
Na declaração que precede em alguns meses a declaração de 9 de maio de 1950, dizia já claramente que «a confiança entre os povos não se improvisa nem se impõe. Podemos chegar a ela apenas através de uma cooperação num quadro mais amplo no qual seremos muitos a dar prova de boa vontade. Esse quadro é a Europa». Declaração que não tem uma ruga. Porque a Europa é uma ideia generosa. É a colocação em ato do perdão, da reconciliação. «A Europa nascerá das realidades concretas que criarão antes de tudo uma solidariedade de facto», escreverá a Adenauer. E no seu livro "Pour l'Europe", publicado em 1963, fará esta análise: «Todos os grandes problemas que afligem os países saídos da guerra assumiram um caráter mundial e subtraem-se à autonomia política e económica dos países, mesmo dos mais poderosos». Se omitir as palavras «saídos da guerra», que hoje estão datadas, poderei descrever nos mesmos termos a crise económica e financeira que nos atingiu nos últimos anos.
 
Sim, a Europa era a sua questão primeira, a sua grande causa. Uma Europa baseada na solidariedade e na responsabilidade. Sobre valores que colocam "o homem no centro". O homem enquanto pessoa, aquele homem (entendido como homem ou mulher) que se apresenta não como um indivíduo puramente autónomo, mas como um indivíduo em relação de solidariedade, um indivíduo dotado de direitos e deveres; em suma, o homem que sabe ser interpelado pelo rosto do outro. O outro e portanto, necessariamente, a diversidade.
 
É precisamente a diversidade a construir a riqueza histórica europeia. E é a universalidade a constituir a nossa mensagem política. A universalidade, não o universalismo. A universalidade de uma palavra dirigida a cada homem. Ao contrário do universalismo, que considera a realidade como um todo único.
 
A Europa que era para Schuman, e é sempre para nós, um projeto em perpétuo devir. Porque a Europa, como a conhecemos hoje, é o resultado de um duplo moto de unificação e despedaçamento. E a tensão é parte integrante da nossa herança. Uma tensão que não é destrutiva, mas, ao contrário, vital. Porque nos impede de cair numa forma de letargia politicamente mortal. Uma tensão que nos obriga constantemente a "enquadrar de novo" o projeto europeu.

Herman Van Rompuy
Presidente do Conselho Europeu
In L'Osservatore Romano
 

Saturday 11 January 2014

Saturday 4 January 2014

SKY CYCLE - UMA UTOPIA?

SkyCycle, uma rede de ciclovias a pairar sobre as ruas de Londres

Projecto do arquitecto Norman Foster está a ser estudado e pode vir a custar mais de 240 milhões de euros. SkyCicle é visto como uma “utopia”: "sem autocarros, carros ou stress"
Tem 219 quilómetros de extensão e paira sobre as ruas de Londres. O SkyCycle é uma rede de ciclovias desenhada pelo arquitecto britânico Norman Foster e, caso seja aprovada para construção, vai custar mais de 200 milhões de libras (cerca de 240 milhões de euros), noticia a BBC.
 
 A arrojada proposta, uma parceria entre os gabinetes Foster+Partners e Exterior Architecture e os consultores Space Syntax, quer ligar, numa primeira fase, a zona Este de Londres à Liverpool Street Station. “Se aprovadas, as dez rotas seriam construídas acima das linhas ferroviárias existentes e levariam cerca de 20 anos a completar”, continua o site da rádio e televisão britânica.
 
 O projecto, que permitiria o uso da bicicleta num caminho livre de carros, está a ser estudado pelas “partes interessadas”, por forma a ter algum “feedback” antes de ser submetido para candidatura. “Acredito que as cidades onde se pode caminhar ou andar de bicicleta em vez de conduzir são lugares mais simpáticos para se viver”, disse Foster.
  
Ainda de acordo com a BBC, a rede de ciclovias, ainda conceptual, pode atingir “quase seis milhões de pessoas” que vivem na zona de influência. Para dar resposta ao tráfego de bicicletas — que, estima-se, podia chegar aos doze mil ciclistas por hora —, o SkyCycle foi pensado para ter mais de duzentas rampas de acesso, espalhadas por toda a cidade. Em média, as deslocações de bicicleta pela cidade diminuiriam até meia hora.
  
“SkyCycle é uma abordagm lateral para encontrar espaço numa cidade congestionada. Utilizando os corredores acima das linhas ferroviárias suburbanas, poderíamos criar uma rede ‘word-class’ de segurança”, continuou Foster. Já Sam Martin e Oli Clark, do Exterior Architecture, definem o projecto como “uma utopia”: “sem autocarros, carros ou stress”.
  
Já o porta-voz da Network Rail, a autoridade responsável pela rede ferroviária do Reino Unido, garantiu apoiar os planos. “Vamos manter a ligação com todos os envolvidos, enquanto a ambição por este projecto inovador se desenvolve."
 

Wednesday 25 December 2013

Monday 23 December 2013

JAIME NOGUEIRA PINTO: AS RELAÇÕES PORTUGAL- ÁFRICA


 É um dos grandes africanistas portugueses, mas não vive dentro dos livros. Angola e Moçambique são temas que conhece como a palma das mãos

Jaime Nogueira Pinto: “As relações Portugal-Angola são alvo de manipulação - cá e lá”

No livro que publicou em 2008, Jogos Africanos, escreve logo nas primeiras páginas que, quando tinha 15 anos, a sua visão de África era muito simplista, como no romance As minas de Salomão, que aliás cita. Via África como uma divisão entre os bons e os maus. Cinquenta anos depois é possível olhar para África e ver quem são os bons e os maus?
 
Não... os bons não eram tão bons como pareciam, os maus também não eram tão maus como se achava. Acho que não é tanto uma visão de África, é uma visão da vida. Graças a Deus quando temos 15 anos, e até quando temos 25 ou 30, ainda vemos tudo como bons e maus. E com o tempo passamos a ver uma coisa que é interessante: não são necessariamente bons todos os que pensam como nós, não são necessariamente maus todos os que pensam o contrário de nós. Ou seja, há uma data de boas ideias servidas por gente péssima e há uma data de gente boa a servir coisas más. A vida ensina isso.
 
 
É igual em África?


É igual em toda a humanidade. Isso é outra coisa que também aprendemos. Por um lado, a profunda identidade e diferença das pessoas, dos povos; por outro, o denominador comum que é a natureza humana. Foi Deus quem a criou assim ou porque é assim, não sei.
 
Nesse mesmo livro diz que partiu para Angola em Julho de 1974, em pleno PREC. A sua ligação a Angola é profunda. Hoje há talvez 150 mil portugueses em Angola, não sabemos ao certo...

Não sabemos ao certo, os portugueses têm a mania de inflacionar os números. Mas também não inflacionam apenas os números deles, inflacionam os de todos....
 
... é de qualquer forma um número alto. Muitas dessas pessoas são empresários bem integrados na sociedade angolana...

Há pessoas que estão bem integradas, normalmente aquelas camadas mais modestas. As camadas médias estão bem integradas. Às vezes noto, a nível das empresas importantes e dos quadros mais altos, que há uma autocriação de gueto. Quer dizer, estas pessoas, às vezes, fazem vida em grupo, em gueto, e isso é mau porque pode ser interpretado como uma forma de se considerarem mais importantes.
 
Porque acontece isso?


Não sei, é normal, é uma questão de defesa. As pessoas são muito assim, têm a tendência, quando estão deslocadas, quando estão expatriadas, para criar um pequeno grupo. Isso é negativo porque as pessoas em Angola gostam de conviver para além da vida empresarial, profissional e das relações de trabalho. Gostam de ter relações afetivas quando gostam das pessoas. Essa é uma das características de Angola, talvez na Costa Oriental [de África] não seja bem assim, mas Angola tem muito isso. Os angolanos, para o bem e para o mal, têm muita coisa parecida connosco histórica e culturalmente.

Mas dizia que a classe média portuguesa que está em Angola tem uma atitude diferente?

A classe média e até a classe baixa, os trabalhadores. Estive em julho em Angola com algumas pessoas que trabalham comigo. Fomos almoçar ao Cabo Ledo, a 100 quilómetros a sul de Luanda, num restaurante mesmo em cima da praia, uma praia lindíssima, e estava uma série de gente, pessoas modestas, trabalhadores, toda a gente convivendo com as famílias e com os locais, tudo numa grande mistura que é muito característica.

E que não acontece tanto numa África francófona...?

Não, não acontece tanto na África francófona, na anglófona talvez ainda menos e na Costa Oriental [de África] também não acontece tanto. É muito característico até do tipo de colonização, do tipo de pessoas que fizeram a colonização de Angola e do tipo de relação que foi estabelecida no século passado. Angola foi um destino de gente que ia de saco às costas para ganhar a vida, para fazer pela vida. Moçambique era diferente, uma estrutura de grandes companhias onde as pessoas iam para lugares médios ou altos e já iam com as famílias. Em Angola não, muitos fizeram ali as suas famílias. Angola é um produto de um tipo de gente mais popular.
 
As recentes investigações judiciais que aconteceram em Portugal a cidadãos angolanos com relevância política e até com responsabilidade judiciais, casos que foram arquivados, provocaram uma enorme tensão política entre os dois países. Isso complicou a vida aos empresários em Angola, mudou alguma coisa?

Em alguns casos pode ter complicado, porque cria sempre um clima de reserva, de maior tensão. Mas não é que a intenção fosse essa... É evidente que as pessoas seguem muito a política e sobretudo as pessoas responsáveis e com um certa visibilidade e, às vezes, querem ser mais papistas que o Papa. Acho que houve aqui uma grande manipulação. Há aqui um problema complicado: as relações de Portugal com Angola, que são muito importantes quer para Portugal quer para Angola, talvez neste momento mais para Portugal, não podem ser, como têm sido, reféns da manipulação política, quer em Angola, quer em Portugal.
 
Ou seja?

Ou seja, às vezes os angolanos para hostilizarem o Governo angolano utilizam como refletor a sociedade portuguesa, as instituições portuguesas e os media portugueses. E vice versa. A questão económica é importante do ponto de vista do interesse público, até pela dependência económica que sucessivos governos portugueses, não vou dizer quais, nos foram colocando. Recuperar a independência económica e financeira de Portugal é uma base fundamental da independência política... portanto temos de olhar muito a sério para estas áreas. Há aqui uma razão de Estado para que estas coisas sejam tratadas como interesse público.
 
Falemos da parceria estratégica com Angola. Isto é o quê mesmo?




Temos de ver a questão da internacionalização da economia portuguesa. Lembro-me que, depois do 25 de Abril, andava tudo muito contente porque a partir daquele momento passávamos a ter relações com todos os países mas na maior parte nem eles estão muito interessados em ter relações connosco, nem nós tínhamos nada para lhes comprar, nem para vender, nem para lhes dar. Uma falácia. Agora, há países que são importantes e com quem é importante termos relações... são aqueles com quem temos afinidades históricas.
 
Angola.


Angola é um caso.
 
A parceria estratégica é apenas um chavão político?


A questão da parceria estratégica poderia fazer sentido num espaço, vamos chamar-lhe assim, lusófono. Acabada a Guerra Fria e acabadas as grandes solidariedades ideológicas, hoje, salvo raríssimas exceções, reminiscências quase folclóricas embora terríveis para as pessoas que lá vivem, como a Coreia do Norte, o mundo tem mais ou menos todo o mesmo sistema: o sistema económico é o sistema capitalista, chamemos-lhe assim, e o sistema político é o sistema democrático. Há alguns países que não são bem assim, a Arábia Saudita e mais algumas monarquias ainda teocráticas em algumas zonas do Golfo, há depois essas reminiscências como Cuba e a Correia do Norte.
 
Esse mundo acabou...


Curiosamente, uma das solidariedades que surgiu no pós-Guerra Fria tem a ver com identidades históricas e culturais que depois se manifestam doutras maneiras. Quem é que teve tropas combatentes no Iraque depois da invasão de 2003? Os americanos, os ingleses, os australianos... curiosamente é um bocadinho aquela linha dos povos que Churchill chamaria os anglo-saxónicos. Se no espaço lusófono criássemos este tipo de unidade acho que tínhamos muito a ganhar. Há, de facto, uma certa complementaridade.
 
Do ponto de vista económico e político quais são os países que estão a fazer concorrência a Portugal nesses mercados africanos lusófonos?

O Brasil tem interesses na área da construção... penso que a maior construtora estrangeira a operar em Angola é a Odebrecht. Nós depois temos a Mota Engil. A Odebrecht teve aquela ligação grande a Capanda durante a guerra e os irmãos Odebrecht cuidaram sempre muito bem das suas relações com os dirigentes angolanos. Os chineses são importantes, claro, estão em toda a África. O drive dos chineses é o de terem uma sede enorme de concessões, sobretudo de oil and gas, de energia, além de outras matérias primas, como os minerais.
 
Os chineses...


Os chineses são muito mais parecidos com aquilo que seria um Estado nacionalista. Aliás, eu diria que o mestre económico dos chineses é muito mais o List do que o Marx. Os chineses têm uma linha de nacionalismo económico e têm uma história que os marcou muito nesse aspeto, não querem voltar a passar por aquilo que passaram no século XIX, de serem humilhados nas guerras do ópio, serem invadidos pelos ocidentais, depois maltratados pelos japoneses. Por isso, os chineses chegaram à conclusão que tinham de deixar-se daquelas fantasias maoístas e desenvolveram uma economia que funciona. Para isso, precisam, também, de África. África é o continente que ainda tem grandes recursos em termos energéticos, tem grandes recursos de minerais, tem muita terra livre para comida, tem água e depois...
 
... e tem mercado potencial...

África tem hoje um enorme mercado nos telefones celulares, nos automóveis. Bem sei que parte de índices muito pequenos mas, por isso mesmo, a margem de crescimento é grande. Por isso tudo, para economias novas, Angola é muito apetecível. Em Angola os chineses entraram quase como monopolistas na reconstrução dos caminhos de ferro. Sem ofensa para os chineses, na parte de construção de estradas o trabalho não tem sido muito famoso.

Mencionou o Brasil como um potencial parceiro económico relevante para Angola.




Sim, mas esta força humana que nós vemos dos portugueses em Angola, não vemos nos brasileiros.
 
Escreveu uma vez que os países produtores de petróleo têm tendência para serem mais autoritários.




Os países que estão a começar é natural que sejam autoritários. D. Afonso Henriques não era advogado, nem era do PS ou do PSD, e a profissão dele era guerreiro, tirava terras ao inimigos para os amigos e para a família. Os estados quando surgem são muito parecidos. No caso dos estados mais novos do planeta, que são os estados africanos, eu distingo duas coisas: os que tiveram que lutar pela independência, foi o caso da área lusófona, porque a política portuguesa foi diferente dos outros países europeus, esses países tiveram de lutar pela independência e a seguir tiveram guerras civis prolongadíssimas. Depois temos os outros estados que tiveram independências dadas ou, digamos, outorgadas, não tiveram guerras de independência, mas sofreram guerras pós-independência muito complicadas e continuam a ter estruturas tribais muito fortes. A fábrica nacional deles é muito mais lenta.
 
Isso significa que exigimos demais dos países africanos? Queremos que se democratizem e normalizem quase instantaneamente?




Os americanos sim, não digo todos os americanos porque também há americanos realistas, mas há esta espécie de obsessão que os americanos têm de exportar o seu modelo político para todo o lado e fazem-no com o cinismo necessário porque, que eu saiba, não se preocuparam muito em introduzir a democracia, por exemplo, na Arábia Saudita. Mas, quando lhes deu jeito introduzi-la no Iraque foram por aí. Agora, nós temos isso, os europeus também têm: é uma obsessão irrealista porque se nós tivéssemos criado os nossos estados assim não existíamos. Digo isto em qualquer lado: só pode haver democracia havendo nação, se não houver nação a coisa fragmenta-se. Aliás, foi o que aconteceu quando se introduziu a democracia na Jugoslávia, depois do fim da Guerra Fria, a Jugoslávia desapareceu, ficaram seis Estados. Como não estava criada um entidade nacional, havia várias entidades nacionais juntas, cada nação da Jugoslávia quis ser livre. A fábrica da nação em Angola está a funcionar porque a guerra destribalizou e atirou as pessoas para as cidades, acelerou essa fábrica da nação.
 
Como olha para os investimentos angolanos em Portugal?

Acho bem, desde que essas pessoas, e tanto quanto se vê até hoje, não procurem utilizar esses recursos para influenciar de um modo, digamos, negativo.
 
É uma coisa que o preocupa?

Não sei se existe, até agora não tenho visto. Há uma coisa muito interessante: um jornal que seja manipulado não serve de nada para os manipuladores porque perde a credibilidade com uma rapidez extraordinária, as pessoas dão por isso, então num meio mínimo como é o português... Acho que as teorias conspiratórias têm muita sorte, como há uma grande preguiça mental das pessoas, pessoas com doutoramentos e grandes cursos têm essa preguiça mental, não lêem e não pensam, as teorias conspiratórias resolvem imensos problemas porque explicamos tudo sem sabermos nada.
 
Moçambique outra vez em tensão, Dhalkama em parte incerta, no mato, há um ambiente de medo, logo numa altura em que recursos naturais poderiam dar outro rumo ao país...

Conheço bem Afonso Dhlakama, também o presidente Chissano, conheço o General Chipante, conheço bastante bem essas pessoas todas. Nestas coisas temos que pensar um bocadinho no fator humano. O que é que aconteceu? Criou-se à volta de Moçambique, sobretudo depois das descobertas muito significativas de gás natural, a ideia que choviam milhões ou biliões só de Moçambique. Isso não é verdade, o gás está lá efetivamente, a 50 milhas ao largo da pequena cidade de Palma, está no mar, mas ainda vai demorar e custar muito dinheiro ir buscá-lo.
 
Não faltam empresas interessadas.

Temos lá duas empresas grandes, a Anadarko, uma empresa americana importante, e o consórcio da Eni, onde também está a Galp. Só que começou a falar-se disso com uma intensidade, quer na imprensa portuguesa, quer na imprensa moçambicana, que toda a gente começou a achar que todos estavam ricos exceto eles próprios. Eram milhões de moçambicanos a pensar isso. Foi também a pressão exercida sobre o líder da oposição, o líder da Renamo, que já estava um bocadinho incomodado com o aparecimento do MDM, uma cisão do partido dele, e que lhe criou nesse momento, como uma forma de auto protesto, o ir para aquele acampamento na Gorongosa. Quando isso aconteceu achei que se devia fazer alguma coisa.
 
Mas não se fez.

Os nossos patrícios habituaram-se muito a não se preocupar, não preocupam, não se ocupam, e depois quando as coisas acontecem ficam alarmadíssimos, como se ninguém lhes tivesse dito nada. Durante um ano as coisas foram-se complicando, até porque o líder da oposição foi para o acampamento e já havia três ou quatro acampamentos... É muito fácil, quando há homens armados num país, também há homens armados na polícia e nas forças armadas e não gostam especialmente uns dos outros, mais tarde ou mais cedo vai haver problemas. Fundamentalmente tem que se fazer uma coisa: tem que se reintegrar a Renamo politicamente, porque não participou nas recentes eleições [municipais] e isso favoreceu imenso o outro partido da oposição, o MDM, que é um partido interessante, com quadros bastante preparados que corresponde mais ao tal modelo de classe média nascente e urbana. Aliás, não é impunemente que as vitórias nas cidades são suas nas zonas mais urbanizadas, mais progressivas, digamos assim.
 
Há condições para as empresas, não só as grandes empresas, viverem em paz e fazerem negócios?

A situação vai estabilizar porque ninguém vive com estas situações, ninguém vive com uma parte do país a ter que fazer os percursos nas estradas sob escolta, mesmo assim com ataques de vez em quando. Ninguém vive com esta coisa dos raptos, que é uma enorme insegurança, sobretudo para os expatriados.
 
Os raptos são preocupantes?


Claro que deve preocupar. Os raptos começaram dirigidos como uma coisa profissional, dirigidos a famílias abastadas da comunidade islâmica, negociantes. Era extorsão pura, as pessoas eram devolvidas à procedência sãs e salvas depois de pagarem resgates elevados. Depois deste Verão começou a haver uma espécie de fenómeno de democratização do rapto, até em famílias paupérrimas. Penso que isto também tem a ver com uma certa insegurança. Parte das forças armadas e parte da polícia das forças armadas como vieram para estas zonas de tensão com a Renamo de certa forma saíram da capital...
 
Os portugueses devem preocupar-se?

Os portugueses devem preocupar-se. É um setor que conheço bem, o da segurança, e as pessoas, que antes não nos pediam isso, pedem segurança direta, pedem que vá um carro buscá-las, que as acompanhem, que haja um homem armado... Isso surgiu e acho que é preocupante, mas vamos ao lado positivo e racional: isto não é uma situação com a qual se possa viver. O presidente Guebuza tem grande noção política, tem neste momento problemas no seu próprio partido onde terá que agir. Mas a classe política está consciente destes problemas e de que eles não se podem eternizar porque isso terá altíssimas e graves repercussões nos investidores. O gás é diferente, porque são negócios que podem viver em enclave, isolados, mas o resto não aguenta este estado das coisas. Tudo o que é negócio no interior e tem de passar pelas estradas e pelos caminhos de ferro está em causa...
 
Moçambique está em antepenúltimo lugar no ranking do índice de desenvolvimento humano. Há quase tudo ainda por fazer. Portugal é um parceiro privilegiado?




Portugal tem boas condições em algumas áreas. O sistema financeiro moçambicano está muito ligado aos bancos portugueses, que têm aí um papel dominante. Moçambique é Costa Oriental, é uma coisa bastante diferente e tem ali outras proximidades, tem os grandes países asiáticos, tem a Índia, tem a China, tem a própria África do Sul, é outra África. A Costa Oriental e a Costa Ocidental são muito diferentes quer historicamente, quer economicamente. Em Moçambique temos que ser muito realistas exatamente porque a história é diferente, a história das relações é diferente e até o próprio modelo económico.
 
O que tem a dizer sobre a Guiné Bissau e a história dos passaportes?

Essa história reflete que aquilo é um Estado completamente marginal. A última pessoa que tentou pôr aquele país direito foi o Carlos Gomes Júnior e foi derrubado por um golpe militar, em Abril de 2012. Nessa altura o Governo português teve uma atuação certa, conseguiu que ele não fosse morto, eu acho que era o que estavam a preparar-lhe. Tem-se tolerado ali um governo, uma coisa de uns militares que tomaram o poder pela força das armas, uma criminalidade enorme...
 
É justo dizer que a relação de Portugal com a Guiné é mais distante?

A relação com a Guiné Bissau era boa, a Guiné tem quadros de relações muito interessantes. O problema destes países é que as pessoas acabam por sair deles, o que é uma tragédia.
 
Portugal devia ter uma verdadeira política africana?

Está sempre para ter mas nunca tem. Os americanos é que têm secretário adjunto para os Assuntos Africanos. O problema não é um problema de orgânica do Governo, é um problema de vontade política, é um problema de lucidez, é um problema de usar os recursos da própria sociedade civil portuguesa, a influência que as comunidades portuguesas têm nessas áreas, os conhecimentos que as pessoas que lá trabalham têm.
 
Nenhum partido tem mostrado essa vontade.




Isto há aqui uma tragédia na história de Portugal, porque o regime que se implantou há 40 anos tinha como única linha ideológica fazer tudo ao contrário de Salazar. Como Salazar se preocupava com África e achava que aquilo era importante, a nova ideia foi dizer “não é nada importante”. Depois começaram a perceber que talvez fosse importante mas, entretanto, perderam-se muitos anos.
 
Jaime Alexandre Nogueira Pinto (Porto, 4 de Fevereiro de 1946, 67 anos) é professor universitário, investigador, empresário (na área da consultoria e segurança) e escritor. Foi casado com Maria José Nogueira Pinto. Acaba de lançar o livro “Portugal, Ascenção e Queda” (D. Quixote). Licenciou-se em Direito, pela Faculdade de Direito de Lisboa. Foi voluntário na Guerra Colonial.