Thursday 16 December 2010

ENTREVISTA COM FELÍCIA CABRITA



Felícia Cabrita, jornalista de investigação - O caso Casa Pia abriu os olhos a muita gente

Costuma dizer que lida com o lado mais obscuro da sociedade, mas que não tem medo. Nesta entrevista, a jornalista que colocou a descoberto o maior caso de pedofilia registado em Portugal, explica o que sentiu quando percebeu a dimensão do escândalo na Casa Pia e coloca o dedo na ferida das ligações pouco claras entre o poder e os interesses da finança

Textos: Jacinto Silva Duro Fotos: Ricardo Graça

Como é possível que, na Casa Pia, mesmo com denúncias internas, só depois de os abusos terem sido denunciados no Expresso é que a justiça actuou?

Não houve muitas denúncias. O professor Américo tinha feito uma denúncia com o Bibi como visado. Teresa Costa Macedo, cujo julgamento começou na segunda-feira, também tinha denunciado. Em 1982, era ela que estava no colégio quando crianças desapareceram e se começou a falar de Carlos Cruz e Jorge Ritto. As crianças faziam denúncias ao professor Américo e havia lá dentro quem se batesse por elas, mas não havia a noção da existência de uma rede... mas havia já o suficiente. Durante a minha investigação, consegui encontrar, datado de 2001, um relatório do SIS [Serviços de Informação e Segurança] bastante aprofundado acerca da existência da pedofilia. Aqueles serviços do Estado sabiam, mas abafavam.

O que sentiu quando olhou para esses dados e se apercebeu da sua importância?

Foi uma investigação que sofreu uma evolução. Quando a denúncia parte, é apenas acerca do Carlos Silvino [Bibi]. Mês e meio depois, eu já tinha a noção da existência da rede. Começou por ser uma denúncia de uma pessoa e de repente apercebi-me que era uma escândalo que envolvia uma instituição do Estado, que essa pessoa servia de angariador para muitas outras e que os miúdos eram filmados dentro de colónias de férias da Casa Pia. Uma pessoa fica atónita e tem de perguntar: o que é isto? Imaginar como tudo se foi perpetuando no tempo, dentro daquelas quatro paredes e não se travou. E era óbvio que muita gente sabia...

Perante isto, podemos confiar no sistema judicial?
Depende. Neste caso, foi quase preciso que o céu nos caísse em cima para que as pessoas começassem a olhar. Felizmente, abriu os olhos a muita gente, mesmo dentro do aparelho judicial, para o que antes não se fazia... Por exemplo, quando o Rui Pedro desapareceu, os pais apresentaram queixa e a atitude foi: “ele foi passear”. Foi fatal. As primeiras 24 horas são fundamentais para o êxito de uma investigação. Houve mudanças, mas isso não quer dizer que deixou de haver “fruta podre” em vários sítios. Este foi um marco que abriu os olhos a professores, educadores, instituições para os sinais que as crianças vítimas de abusos apresentam.

Somos um povo de brandos costumes?

Não somos de todo. Basta lembrar o que foi a guerra colonial e os massacres que lá aconteceram... Na Idade Média, quando a Santa Inquisição queimava pessoas, o povo ia com banquinhos assistir, e se nos lembrarmos como tratávamos outras raças, como os ciganos que eram apedrejados mal entravam numa aldeia... Não podemos considerar que somos um povo de brandos costumes. Mas também temos e tivemos gente destemida, embora pouca... Costumo dizer que a única revolução popular que existiu em Portugal foi a de 1385. Não sei o que foi feito dessa coragem. Talvez se tenha perdido com a ditadura de Salazar. Talvez o medo se tenha colado à pele dos portugueses, contudo, 36 anos depois da revolução e com tanta promessa de educar o povo, está tudo na mesma. Às vezes, passo por sítios do Portugal profundo e as pessoas continuam com medo. Em vários trabalhos notei um enorme receio de falar dos presidentes de câmara. Como diz Alexandre O’Neal: “o medo vai ter tudo”... Vamos deixar de ter medo? Ou largamos o medo, ou ficamos completamente congelados por ele. A sociedade actual anda bastante congelada.

“A imprensa está muito politizada e instrumentalizada pelo poder político”
Com os media a cortar nos custos, como se tem verificado nos últimos anos, o jornalismo de investigação tem futuro?

Há já algum tempo que está a passar por um mau momento, mas não tem a ver apenas com o facto de não haver dinheiro. Além da crise, que obviamente se vai acentuar, já há muito que se sente, não por mim, porque sempre tive a sorte de ter condições para fazer jornalismo de investigação. Tenho visto muito colegas a “desaparecer” e a deixar de praticar esse tipo de jornalismo. Quando iniciei a minha carreira, havia muita gente em Portugal a fazer bom jornalismo de investigação... Por vezes, vou ao estrangeiro e preciso de ajuda de outros jornais. Fico abismada com o pouco jornalismo de investigação que se pratica lá fora e não estou a falar dos Estados Unidos, mas da Europa. É verdade que muitos dos nossos jornalistas começaram no Expresso e, mais tarde houve saída de gente para formar jornais como o Público. Além disso o “tecido das redacções” vai-se esfrangalhando, por várias razões... É talvez por isso que não há hoje uma imprensa combativa.

O que falta? Nos telegramas revelados pelo Wikileaks pode ler-se que Cavaco Silva entende que a imprensa portuguesa é muito “branda”.

A leitura é dele, mas é provavelmente correcta. Os jornalistas estão a renunciar ao seu papel. A própria classe aceitou este comportamento como natural, sobretudo nos últimos cinco anos. Nem considero já que se trate de medo, mas de oportunismo. A imprensa está muito politizada e instrumentalizada pelo poder político. E isso é o mais grave que pode acontecer a uma classe. Se nós, os mais velhos, não dermos o exemplo aos mais novos, tudo fica bloqueado e compromete o nosso trabalho. O meu jornal [semanário SOL], que tem marcado o quotidiano com grandes notícias e investigações – como o caso Freeport, Face oculta, entre outros - tem sido alvo de processos judiciais que nos tentam liquidar financeiramente e não há resposta da classe a estes ataques. Não se une para a defesa de um jornal. Aí se vê o terror... e há outras coisas. O objectivo é eliminar a concorrência e isso faz-se com uma grande facilidade e brutalidade. A profissão não se discute e não há união entre jornalistas. O jornalismo está moribundo em Portugal. Ainda vamos ter de esperar para voltar a ver o que havia na década de 80.

O público prefere mais o infotainement (entretenimento informativo) do que a informação?

Se soubermos dar um bom produto ao público ele saberá o que esperar no futuro. Esse é um dos esforços que faço: contar uma história, por mais maçuda que seja a matéria, e atrair o público. Quando passava a Grande Reportagem na SIC, havia reportagens de uma hora e tínhamos uma audiência brutal. A “guerra” entre as televisões, com o aparecimento dos canais privados, levou à vulgarização do jornalismo e ao aparecimento de algo com maiores semelhanças com telenovelas. A TVI apareceu com o Big Brother e com informação mais “levezinha” e o que é certo é que conseguiu afirmar-se. E o resto foi por arrasto.

“Não queria ser rato de biblioteca”

“Rato de biblioteca” era algo que não queria ser e foi por isso que, depois do Curso de Línguas e Literaturas Modernas, se dedicou ao jornalismo. Aos 17 anos já tinha tido experiências no meio e sabia que era ali que se sentia bem. Felícia Cabrita trocou o Algarve natal, onde nasceu há 47 anos, por Lisboa e dedicou-se ao “jornalismo de investigação”, um estilo que, por demorar tempo a conseguir resultados – não obstante a sua normal espectacularidade e importância -, tem vindo a ser abandonado pelos media. Uma profissão que envolve riscos e uma capacidade de “desenrascanço” fenomenal, pouco própria para cardíacos. É a Felícia Cabrita que se deve a exposição do caso de pedofilia na Casa Pia, ou dos contornos pouco claros em que o Freeport de Alcochete foi construído ou ainda do Caso Face Oculta. Amada por uns e muito pouco apreciada por outros, Felícia é jornalista do semanário SOL, mas já trabalhou para o jornal Expresso, revista Grande Reportagem ou para a SIC. É autora da obra Amores de Salazar e co-autora da biografia Pinto da Costa, entre outras personalidades. Actualmente, está a preparar uma biografia de Pedro Passos Coelho, que deverá ser editada em Fevereiro de 2011. n

“Ameaçaram a minha filha”

Quem manda realmente no País?

O poder faz-se de alianças. Nunca está sozinho. E temos visto que há uma grande promiscuidade entre o poder político e os banqueiros. Veja o caso do BPN ou da Face Oculta, onde se percebe como era a relação entre ambos, para conseguir dinheiro para os “amigos” ou para investimentos que se pretendia fazer na comunicação social. O poder não vive sozinho. Vive graças aos mais fortes. Não estou a dizer que tenha de ser assim, mas é o que tem estado a acontecer. Ainda a semana passada escrevi sobre o SIED [Serviço de Informações Estratégicas de Defesa] e essa promiscuidade que existia ao nível de “empresas públicas” onde o Estado tem apenas 10 ou 20% do capital e o resto é privado e está na mão de estrangeiros. Temos a nossa polícia secreta, que foi criada para o bem da Nação, a passar informação privilegiada. E isso também acontece com os bancos. Onde fica a democracia no meio disto tudo? É apenas uma palavra para colocar muitas rendas de bilros.

Durante as suas investigações sofre muita pressão e ameaças. Como lida com isso?
Já fiz muitos trabalhos complicados ao longo da minha carreira. Na Casa Pia, fui mesmo vítima de uma tentativa de atropelamento. Se não tivesse pulado na hora certa, tinham-me passado a ferro. Isso não me preocupa. Costumo dizer que sou um pouco inconsciente. Vou para cima das coisas sem medo e nunca me ocorre o que possa acontecer. Sou muitas vezes meia bola e força. Mas o pior para o jornalista é quando começam a ameaçar o jornal para onde trabalha. Por exemplo, as ameaças no caso Freeport partiram directamente do Governo para directores do SOL. Disseram: “mais uma notícia e liquidamo-vos financeiramente”. E continuam a tentar. Agora na Face Oculta, aconteceu através de processos cíveis. Estávamos habituados a processos por difamação que nos davam outra margem de manobra... percebe-se que o que querem é o dinheiro.

Alguma vez ameaçaram a sua família?

No início da investigação na Casa Pia ameaçaram a minha filha... Ganhei muitos inimigos. Fico feliz pois isso aconteceu numa sociedade muito cobarde, onde muita gente serve de tapete para subir na vida e onde não há valores. Fico feliz por ter muitos inimigos e também muitos amigos. Medo? Nunca.

Como avalia o trabalho feito pela defesa dos alunos da Casa Pia?

O primeiro advogado dos alunos da Casa Pia chamava-se Proença de Carvalho. É uma pessoa sobejamente conhecida... da nata do País. Nunca achei boa ideia o nome dele estar ligado ao Processo da Casa Pia e não tenho dúvidas do papel que ele teve no caso. Em escutas a que tivemos acesso e onde eu era alvo de “grandes elogios”, da parte dele, Proença de Carvalho marcava conversas com um dos suspeitos, utilizando código. Era óbvio que ele estava a passar informações aos arguidos que tinha obtido dos miúdos. E ele não foi caso único. Houve advogados que estiveram no processo por vingança pessoal e com alvos direccionados. A única pessoa que sei que se portou bem neste processo chama-se Miguel Matias. Um advogado novato que levou, com êxito, o trabalho até ao fim... No caso da acusação, como não acredito em “passarinhos”, tenho muita dificuldade em acreditar que um homem tão inteligente como Sá Fernandes, advogado de Carlos Cruz, acredite na sua inocência e passe a vida a ser enganado. Ou estamos a falar de um homem sem capacidade alguma para desempenhar a profissão ou que se engana com muita facilidade. Venha o Diabo e escolha.n

“Vivo um dia de cada vez”

É a autora de vários livros e biografias de personalidades como a de Valentim Loureiro ou Salazar. Qual foi a mais fascinante?

A mais fascinante não foi a de um político. Claro que a de Valentim Loureiro foi muito difícil, teve tantas peripécias e até ameaças, que me deu um gozo enorme vencer obstáculos. Por exemplo, andei por vários tribunais para conseguir encontrar o chamado Processo das Batatas que lhe valeu a saída do Exército. Mas o que me deu ainda mais “gozo”, pela dificuldade, foi a biografia sobre Sita Valles, uma jovem angolana que veio estudar para Portugal, foi a número dois da União dos Estudantes Comunistas e que, depois da revolução de 1974, achou que os objectivos tinham falhado e voltou para Angola, onde acabaria por ser fuzilada por ordem do poeta Agostinho Neto, em 1977. Ela e mais 30 mil. Encontrei em documentos secretos a assinatura de Agostinho Neto, o poeta, dando a ordem e isso para mim fez desabar um mito.

Como é o seu dia-a-dia?

Vivo um dia de cada vez. O jornalismo de investigação lida com o lado mais obscuro da sociedade, o que me obriga a fazer uma desintoxicação. Sou uma pessoa muito caseira. É um bocado como fazem os alcoólicos inteligentes, como o escritor surrealista Luíz Pacheco. Ele tinha a noção do seu alcoolismo e de vez em quando, internava-se e fazia umas curas... E eu tenho de fazer essas “curas”. O dia--a-dia é uma batalha em termos profissionais e tento adoçá-lo com a minha filha e com uma cadela.

2010-12-16

http://www.jornaldeleiria.pt/portal/index.php?id=5671

Wednesday 15 December 2010

BPN: UM LONGO PROCESSO


Juiz avisa que julgamento do BPN "será demorado"

Sandra Almeida Simões
15/12/10 12:10

A próxima sessão ficou agendada para 19 de Janeiro.

Oliveira Costa entra em silêncio no Tribunal

Oliveira Costa não faz declarações no início do julgamento

Terminou a primeira sessão do processo BPN. Nenhum dos 15 arguidos quis prestar declarações.

No final da sessão, Luís Ribeiro, presidente do colectivo de juízes, avisou que "o julgamento vai ser demorado" por se tratar de "um processo complicado". À entrada do tribunal, Rogério Alves, advogado de Vaz Mascarenhas, um dos arguidos no processo, também já tinha antecipado que será um julgamento longo e complexo.

Por ter outros dois processos em mãos, Luís Ribeiro anunciou que não conseguirá realizar mais do que duas sessões por semana. A próxima audiência ficou assim marcada para 19 de Janeiro, mês em que decorrerão outras três sessões, nos dias 20, 24 e 25. Em Fevereiro haverá sessões nos dias 9, 10, 23 e 24 e em Março nos dias 10, 16 e 17.

O julgamento começou hoje por volta das 11h com a identificação dos arguidos. O antigo presidente do BPN, acusado de sete crimes, apresentou-se como reformado e disse que antes de se retirar foi presidente da Sociedade Lusa de Negócios (SLN), ‘holding' que controlava o banco antes da nacionalização.

De seguida, José Oliveira Costa, 75 anos, afirmou ao juiz não pretender "prestar declarações no início do processo", opção que também foi seguida pelos restantes 14 arguidos no processo.

Oliveira Costa está a ser julgado por crimes de abuso de confiança, burla qualificada, falsificação de documentos, branqueamento de capitais, infidelidade, fraude fiscal qualificada e aquisição ilícita de acções.

O BPN foi nacionalizado no final de 2008 e recebeu desde então injecções de liquidez do Estado no valor de 4,7 mil milhões de euros. A reprivatização do banco está na gaveta por falta de interessados.

http://economico.sapo.pt/noticias/juiz-avisa-que-julgamento-do-bpn-sera-demorado_106801.html

Tuesday 14 December 2010

AS MULHERES E A REPÚBLICA


Segunda-feira, 13 de Dezembro de 2010

"As Mulheres e a República" por SAR Dona Isabel de Bragança

(Discurso proferido por S.A.R. a Duquesa de Bragança no Encontro Anual da AACDN - Porto, 1 a 3 de Outubro de 2010)

Existe uma tentação comum a quase todas as comemorações de efemérides que tende a marcar a realidade à luz desse acontecimento, como se todas as coisas passassem a acontecer em função da data que queremos assinalar e dos seus ideais.

É o que se passa, um pouco, com as comemorações do Centenário da República em Portugal. Na ânsia – legítima - de exaltar os ideais republicanos, parece que estamos perante uma verdadeira refundação do Estado português ou perante a estreia absoluta dos mais elementares direitos de cidadania.

Fala-se na inauguração de certas liberdades mas basta um olhar mais atento e esclarecido para verificar que, por exemplo, onde antes de 1910 havia liberdade de imprensa, passou a haver encerramentos e ataques a jornais monárquicos ou mesmo republicanos de sinal adverso; onde antes de 1910 havia um sistema multipartidário, que incluía um partido republicano, passou a haver um sistema de partido único, com lideranças de legitimidade revolucionária. O mesmo se pode dizer sobre a liberdade religiosa e a liberdade sindical que também era praticada na Monarquia Constitucional e deixou de o ser depois de 5 de Outubro de 1910.

Mesmo uma das bandeiras da República que tem sido valorizada este ano, que pode e deve ser reconhecida pela história – como a escola pública – deve ser referida a par da razia que foi dada com o encerramento das múltiplas escolas que pertenciam às congregações religiosas, entretanto extintas e perseguidas pelo novo regime. Refiro-me em especial à expulsão dos Jesuítas que tinham estabelecimentos de ensino por todo o País que foram expulsos sem solução alternativa.
As consequências no Ultramar foram ainda mais graves com expulsão das missões católicas.

É, assim, importante que estas datas sejam aproveitadas para aprofundar o estudo e a procura da realidade histórica e não tanto para reforçar alguns estereótipos que a propaganda dos regimes subsequentes sempre produz. Esta lucidez é-nos pedida quando estudamos os assuntos e, sobretudo, quando - como agora - sobre eles partilhamos reflexões.

No caso da situação das Mulheres na sociedade, sabemos que ela não se alterou pela via revolucionária a não ser na possibilidade do divórcio – assunto que afecta igualmente homens e mulheres. As mulheres não passaram a ter direito ao voto, ou salário igual, ou quaisquer direitos laborais referentes à condição da maternidade.

Assim, a condição feminina não se alterou favoravelmente em Portugal por via da Revolução de 5 de Outubro, pelo contrário, viu-se seriamente prejudicada em relação à evolução verificada em outros países Ocidentais pelo facto de 64 anos deste século republicano terem sido tomados por regimes revolucionários e ditatoriais que em nada beneficiaram as liberdades cívicas das mulheres ou a sua condição social.

Na verdade, nem a I República, nem a II República, consagraram, por exemplo, o direito ao voto extensível a todas as mulheres, tal como foi acontecendo em outros países do Ocidente na mesma época. Esta diferença significativa anda a par da descriminação que se verificou também na lei laboral que foi evoluindo mais depressa e melhor na maioria dos países do Ocidente.

O atraso na evolução da condição feminina em Portugal prende-se, também, com outros factores internacionais, sociológicos e económicos, para além dos de raiz eminentemente política que referi. Mas a verdade é que o atraso na sociedade e uma certa clausura na economia são consequências directas desses primeiros 64 anos da República.

O facto de Portugal não ter entrado na II Guerra Mundial tornou mais lenta a entrada de mulheres no mercado de trabalho e retardou, ainda mais, o processo de industrialização que vinha do século anterior e que recebeu um forte impulso na Europa que entrou na Guerra.

O controlo da natalidade, associado por muitos à condição feminina, também teve um impacto mais lento numa sociedade fechada, pouco permeável à divulgação deste tipo de informação. Esta clausura, permitida pelas duas Repúblicas, teve múltiplos efeitos. Também a instrução geral para Mulheres ou a sua entrada no Ensino Superior são realidades tardias para as portuguesas.

Enfim, se a pergunta é: o que fez a República pelas Mulheres, ou: como estariam as Mulheres se tivéssemos continuado em Monarquia, a resposta é, (fugindo a qualquer maniqueísmo ou «bola de cristal depois da hora»): as democracias europeias favoreceram mais cedo e melhor os direitos cívicos das Mulheres e as suas condições sociais. E as Democracias europeias eram, nessa época, maioritariamente monarquias.

A esta luz, não será difícil supor que a diferença dos regimes teria feito diferença à condição das Mulheres portuguesas. Mas nunca saberemos a resposta porque a História nos fez correr por outro caminho.

Entretanto, não posso deixar de mencionar que, ao longo da história de Portugal, o papel das rainhas foi muito importante e as suas intervenções políticas, humanitárias e culturais foram significativas.

Assim:

1 - As duas únicas chefes de Estado femininas que houve até agora foram rainhas – D. Maria I e D. Maria II.

Particularmente notáveis foram:

- A rainha Santa Isabel, mulher de D. Dinis, que moderou graves conflitos internos evitando a guerra civil e se celebrizou na assistência aos pobres;

- A rainha D. Filipa de Lencastre, mulher de D. João I, que sempre esteve por trás do engrandecimento do País durante esse reinado e foi mãe da “ínclita geração”;

- A rainha D. Leonor, mulher de D. João II, que fundou as misericórdias, que ainda hoje são tão importantes na solidariedade social;

- A rainha D. Catarina, mulher de D. João III, que assegurou eficazmente a regência do País em circunstâncias difíceis, durante parte da menoridade de seu neto D. Sebastião;

- A rainha D. Luísa de Gusmão que contribuiu com o seu ânimo para a causa da Restauração e assegurou a regência do Reino com grande eficácia na menoridade de D. Afonso VI;

- A rainha D. Catarina de Bragança, rainha de Inglaterra e filhe de D.João IV, que também foi regente de Portugal na doença de seu irmão o rei D. Pedro II;

- A rainha D. Amélia, a quem se deve o impulso e a presidência do Instituto Ultramarino e da Assistência Nacional aos Tuberculosos, duas das mais notáveis instituições de saúde pública e solidariedade social criadas na Monarquia Constitucional.

Agora que se comemoram os 100 anos do regime republicano, quando penso no papel das primeiras-damas, só consigo lembrar-me da notável acção social desenvolvida por duas: A Dra. Maria de Jesus Barroso Soares e a Dra. Manuela Eanes.

Muitas mulheres portuguesas estiveram presentes, desde tempos antigos, mas com mais evidência no séc. XIX e princípio do séc. XX, nos vários sectores importantes da actividade pública.

A título exemplificativo apontem-se algumas:

Política

Uma das mais influentes figuras da Maria da Fonte, revolução que produziu profundos efeitos na vida política nacional, começando pela queda do governo dos Cabrais, foi Maria Angelina, uma mulher minhota que deu o nome ao movimento.
A primeira mulher a votar em Portugal foi Carlota Ângelo em 1911; mas a disposição legal de que se socorreu para exercer esse direito era idêntica à da lei eleitoral no tempo da Monarquia; ela, por outro lado era já médica, formada em tempo da Monarquia.

Empresariado

Distinguiu-se no século XIX D. Antónia Ferreira, a célebre “Ferreirinha”, grande e dinâmica empresária numa actividade importante e exportadora como era o sector do vinho do Porto.

Obras Sociais

Muitas mulheres portuguesas em tempo do constitucionalismo monárquico se distinguiram na implementação de obras sociais.


Apontem-se por exemplo a duquesa da Palmela e D. Júlia Brito e Cunha, com as chamadas cozinhas económicas, e o papel na solidariedade social de inúmeras instituições onde religiosas e leigas deram o seu contributo fundamental para a saúde e bem estar da população carenciada.

Educação

Não se pode esquecer o papel de colégios religiosos, em muitos dos quais tinham acção mulheres consagradas e leigas.


O primeiro liceu feminino, o Maria Pia, foi fundado em 1906, em 1910 já frequentavam os liceus cerca de mil raparigas.

As primeiras universitárias femininas de pleno direito aparecem na década de 90 do séc. XIX. Domitila de Carvalho foi a 1ª a inscrever-se, e Elisa de Andrade a primeira a licenciar-se. Licenciaram-se mais de duas dezenas até 1910 (em farmácia, medicina, filosofia e matemática).

Ciência


Tem de ser lembrado o nome da historiadora, filóloga e literata D. Carolina Micaelis de Vasconcelos, cuja produção escrita teve já expressão de relevo em finais da Monarquia.

Literatura

Lembrem-se os nomes, em épocas mais antigas, de Paula Vicente, Públia Hortênsia de Castro, Antónia da Trindade, Antónia de S. Caetano, Bernarda Ferreira de Lacerda, Beatriz da Silva e Sousa e tantas outras; já nos sécs. XIX e XX, a Marquesa de Alorna, a Viscondessa de Balsemão, Maria Amália Vaz de Carvalho e Virgínia de Castro e Almeida.

Artes Plásticas

Mencionem-se, entre outros, os nomes antigos de Josefa de Óbidos, pintora, Paula de Sá, escultora, e da moderna Aurélia de Sousa, pintora.

Música

São incontornáveis as figuras de renome internacional de Luísa Todi, cantora, e de Guilhermina Suggia, violoncelista.

Teatro

Houve uma plêiade de actrizes em fins do séc. XIX e princípio do séc. XX, entre as quais são de incluir Rosa Damasceno, actriz Virgínia, Ângela Pinto, Adelina Abranches, Lucinda Simões e Palmira Bastos.

Fonte: Casa Real Portuguesa


ANABELA RODRIGUES: TAXA DE EMCARCERAMENTO EM PORTUGAL É MUITO ELEVADA

Justiça: Taxa de encarceramento em Portugal das mais altas da Europa - professora universitária

09-Dez-2010

A taxa de encarceramento em Portugal é das mais altas da Europa, a par da Holanda e Reino Unido, revelou hoje a professora universitária Anabela Rodrigues na Conferência sobre Segurança Interna e Direitos Humanos, em Lisboa.

“Portugal, Reino Unido e a Holanda são os países com a taxa mais alta de encarceramento [prisão]”, afirmou à agência Lusa a catedrática da Universidade de Coimbra à margem da sessão inaugural da Conferência sobre Segurança Interna e Direitos Humanos, que hoje começou no Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, em Lisboa.

A jurista, sem nunca mencionar números, referiu que “este fenómeno está relacionado com a duração média de permanência nas prisões”, acrescentando que Portugal tem “uma severidade relativa às penas de prisão que acaba por não existir em outros países europeus”.

De acordo com a especialista, “uma coisa é a lei, outra é a sua aplicação”, e o que “se verifica hoje e desde há alguns anos é uma severidade generalizada na punição” pelos tribunais.

No entanto, Anabela Rodrigues ressalvou que, “apesar de se verificar uma franca melhoria na aplicação de penas diferentes da pena de prisão”, essas condenações “continuam a ser escassas” no sistema judicial português.

“As formas de libertação condicional e antecipada também continuam a ser escassas”, o que no conjunto “determina uma população prisional muito elevada”.

A ex-diretora do Centro de Estudos Judiciários (CEJ) defende que o problema “não é de lei em si, mas a sua aplicação”, reconhecendo “algumas falhas ao nível de regulamentos e formas de concretização dessa mesma lei”, que permitam ao poder judiciário “uma agilização na aplicação de penas”.

A catedrática concluiu que “Portugal deve completar algumas leis que ficaram a meio caminho e que dificultam a sua concretização”, bem como os “instrumentos de apoio do poder judiciário”, exemplificando com o caso de trabalho comunitário.

O Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna iniciou hoje de manhã, com a duração de dois dias, um colóquio dedicado à Segurança Interna e Direitos Humanos, abordando temas como direito penal, novos desafios e paradigmas, medidas policiais e interdependências.

A Polícia de Segurança Pública (PSP) organizou este evento para celebrar os 62 anos sobre a assinatura da Carta Universal dos Direitos do Homem, a 10 de dezembro de 1948, como referiu o diretor do Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, José Ferreira de Oliveira.

MPC.

http://www.advocatus.pt/content/view/3348/20/

Monday 13 December 2010

TERESA COSTA MACEDO DESMENTE FELÍCIA CABRITA


Ouvida em tribunal

Costa Macedo nega autoria de lista de alegada rede pedófila

A ex-secretária de Estado da Família Teresa Costa Macedo negou esta segunda-feira, em tribunal, ter escrito uma lista de alegados membros de uma rede pedófila, apesar de análises da polícia científica considerarem "muito provável" que a tenha redigido.

Só a falta de documentos com "escrita espontânea" da ex-governante para comparar com a letra das anotações impediu as especialistas da polícia científica ouvidas em tribunal de concluir com a máxima certeza que Costa Macedo escreveu os nomes na folha que a jornalista Felícia Cabrita afirma ter recebido da ex-secretária de Estado.

Teresa Costa Macedo, que começou esta segunda-feira a responder em tribunal por falsidade de testemunho e difamação, negou reiteradamente ter escrito a lista e tê-la entregue à então jornalista da SIC durante a emissão do programa ‘Hora Extra’, que analisou em 26 de Novembro de 2002 o escândalo de pedofilia na Casa Pia, revelado no semanário ‘Expresso’ dias antes.

Felícia Cabrita afirmou ter a certeza de que Teresa Costa Macedo lhe fez chegar a folha durante a emissão em directo do programa.

Durante o julgamento do processo Casa Pia, Teresa Costa Macedo negou a autoria das anotações, o que levou Felícia Cabrita a apresentar a folha em tribunal e decidir apresentar queixa por difamação, argumentando que ao negar ter escrito os nomes, a ex-governante está a sugerir que a jornalista forjou a lista ou tentou simular a sua letra.

Na sequência da queixa de Felícia Cabrita, o Ministério Público acusou Teresa Costa Macedo de falsificação de declarações no julgamento do caso Casa Pia.

Duas especialistas do laboratório de polícia científica da Polícia Judiciária ouvidas por videoconferência afirmaram ter considerado "muito provável" que a letra com que foram escritos os nomes seja de Costa Macedo e não de Felícia Cabrita.

Uma classificação de "muitíssimo provável" seria "muito perto da certeza absoluta" mas as peritas afirmaram não a ter atribuído porque as amostras de caligrafia de Teresa Costa Macedo que tiveram para comparar eram "muito desenhadas" e com letras pouco percetíveis.

Teresa Costa Macedo reiterou que nunca ouviu os nomes que constam na lista, exceto dois arguidos do processo Casa Pia, o embaixador Jorge Ritto e o apresentador de televisão Carlos Cruz, referidos em dois relatórios internos da instituição que possuía, relacionados com o desaparecimento de dois alunos que foram alegadamente encontrados em casa do embaixador.

"Que me lembre, nunca escrevi aqueles nomes", declarou Teresa Costa Macedo, cuja defesa insistiu em que o relatório da polícia científica não dá uma certeza absoluta e argumentou que nas imagens televisivas do programa não há registo de ter passado a folha a Felícia Cabrita, directa ou indirectamente.

A jornalista contrapôs que numa emissão em directo um gesto desses seria "tudo o que não deve ser filmado".

"Continuo sem perceber como é que uma pessoa que se ofereceu para desmascarar uma rede fez um recuo tão grande, que foi cada vez maior. Por alguma razão recuou, mas não faço ideia porquê", salientou a jornalista, afirmando que no primeiro contacto com Teresa Costa Macedo enquanto fazia a sua investigação, esta manifestou "total abertura" para revelar nomes de alegados pedófilos.

O julgamento prossegue na terça-feira no sexto juízo criminal no Campus da Justiça, em Lisboa.
CORREIO DA MANHÃ 13-12-2010

http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/nacional/portugal/costa-macedo-nega-autoria-de-lista-de-alegada-rede-pedofila

Friday 10 December 2010

OS MILIONÁRIOS DE SALAZAR



Livro de Pedro Jorge Castro com base no espólio de cartas privadas da alta finança ao ditador revela um cordão umbilical a nu.

Jorge Nascimento Rodrigues (www.expresso.pt)
17:35 Segunda feira, 23 de Novembro de 2009


O ditador com Ricardo Espírito Santo

BES -Centro de História

"Porque se mantém o Governo numa posição de favorecimento da burguesia capitalista", interrogava-se Marcello Caetano numa carta de denúncia de um rol de escândalos, enviada ao ditador António de Oliveira Salazar em 1944. Uma linguagem que poderia parecer decalcada, em algumas frases retiradas do contexto, do "Avante!" clandestino que, naquele ano, falaria das duras e muito reprimidas greves de Maio.

A burguesia a que se referia Caetano, então ministro das Colónias, era a alta camada monopolista e financeira. Esta classe começara a consolidar-se sob o regaço do novo regime, protegida da concorrência nacional e estrangeira pelo célebre condicionamento industrial (estabelecido em 1931), encontrando recursos baratos e até mercado cativo no império colonial (cuja conservação era o principal objectivo geopolítico do Estado Novo) e vivendo estreitamente das boas graças no relacionamento pessoal ou, via terceiros, com Oliveira Salazar. A quem não poucas vezes pediam a sua "alta intervenção" e se lhe dirigiam, com alguma intimidade, como "meu querido amigo".

A história do relacionamento com o Estado Novo desta burguesia capitalista que "confrangia" Caetano, é o pano de fundo das mais de 400 páginas de "Salazar e os Milionários", a lançar dia 26 pela editora Quetzal. A obra, escrita por Pedro Jorge Castro, jornalista da revista "Sábado", é um aprofundamento da investigação que publicou naquela revista desde Abril deste ano.

O livro, repleto de detalhes saídos de uma pesquisa própria em diversos arquivos e baseada em leituras do que se publicou depois de 1974 sobre o ditador e a ditadura, dá de Salazar uma imagem bem real e, por vezes, patética: um político agarrado às suas botinhas de pelica; que comia canja oferecida por uma dona de pensão; que regateava orçamentos de fornecedores; que apadrinhava o negócio das capoeiras e horta nos jardins do Palácio de São Bento gerido pela sua governanta; que nunca, enquanto presidente do Conselho, foi mais além do que a fronteira, embevecendo-se com as histórias contadas pelas namoradas ou pelos seus amigos milionários, olhando o mundo através dessas "viagens formidáveis" e dos postaizinhos de correio que lhe mandavam, como anotava meticulosamente no seu diário.

Esta imagem de um rural beirão de Santa Comba na capital do império contrastava com a realidade económica de alta concentração financeira de um país onde, nos anos 1950, apenas 34 empresas detinham mais de 40% do capital social. No final da sua obra de gestão económica do país, já depois de cair da cadeira de lona (ou na banheira) no Forte do Estoril em Setembro de 1968, apenas 10 famílias dominavam 50% da riqueza nacional em 1970, sublinha Pedro Jorge Castro.

Uma relação íntima

Uma das famílias da alta finança que recebe destaque neste livro é a dos banqueiros Espírito Santo, que ocupa a segunda parte com quase 100 páginas. Ricardo Espírito Santo e Silva (na foto com Salazar) assumira a direcção do Banco da família (o BESCL) em 1932, justamente no ano em que o ditador passaria a presidente do Conselho de Ministros. Liderava o maior grupo financeiro da época e tinha o privilégio de ser um amigo muito especial de Salazar. Sobre as outras famílias milionárias do regime, o livro escolhe mais onze (Alfredo da Silva/Mello, Champalimaud, Cupertino de Miranda, Queiroz Pereira, Manuel Bulhosa, Medeiros e Almeida, Delfim Ferreira, Moniz da Maia, Miguel Quina, Fino e, por fim, Sousa e Holstein Beck). Todos eles se esmeravam em cartas para o ditador que o livro compila em anexos documentais que dão bem a imagem do cordão umbilical entre o poder político e o económico e financeiro.

Um complemento interessante teria sido enquadrar os negócios e iniciativas destes milionários no processo evolutivo, por vezes em ziguezague, da estratégia económica da ditadura: desde o Acto Colonial, às negociações do Plano Marshall, à tentativa de política industrial sistemática de Ferreira Dias (secretário de Estado do Comércio e Indústria e depois ministro da Economia) para evitar que o país continuasse a ser "uma horta", até à adesão à EFTA, confirmando a guinada para a Europa.

Disseram

"Deixa-se por exemplo criar a convicção de que quem põe e dispõe nos bastidores são os homens de negócios, os homens do dinheiro"

Marcello Caetano, ministro das Colónias e presidente da Comissão Executiva da União Nacional, carta enviada a Salazar, 25/1/1944

"Tenho muita pena de não ir aí hoje, a nossa conversa dominical é para mim o maior prazer da semana, mas obedeço na esperança de que serei compensado"
Ricardo Espírito Santo e Silva, presidente do BESCL, carta enviada a Salazar, 1951

"O senhor professor tinha muito medo dos empresários que queriam mudar tudo a correr"

Maria de Jesus Freire, governanta de Salazar

"Aquilo tinha de ser tudo ao ritmo dele, das conjecturas que lhe iam na cabeça, da sua visão global"

António Champalimaud, industrial, opinando sobre Salazar


Texto publicado na edição do Expresso de 21 de Novembro de 2009

http://aeiou.expresso.pt/os-milionarios-de-salazar=f549055

QUEM FOI CHAMPALIMAUD?


No dia em que a República faz 100 anos, Cavaco Silva passa a tarde a falar na Fundação Champalimaud. O gesto é cheio de significado: apesar de muitos conflitos, Champalimaud foi um protegido dos governos da ditadura e da democracia. Era o homem mais rico de Portugal na queda do Estado Novo e voltou a sê-lo no fim da vida, beneficiando do processo de privatizações. A 5 de Outubro, sob o signo de Champalimaud, Cavaco escolhe celebrar a República do capital.

Artigo 4 Outubro, 2010 - 01:11 Por Jorge Costa

António Champalimaud – foto de Alfredo Cunha/Lusa (arquivo)
Nascido em 1918, Champalimaud perde o pai aos 19 anos. Carlos Champalimaud era membro do Conselho Fiscal do Banco Comercial, importador de ferro e aço pela sua Companhia Geral de Construções e, depois de casar com uma filha de Henrique Sommer, tornou-se proprietário da Quinta da Marinha, de algumas quintas no Douro, de roças em São Tomé e de minas de cobre no nordeste de Angola. Mas a situação financeira da família Champalimaud é complexa, com dívidas ao seu banco que ascendem a 13 mil contos, no seguimento do embargo da linha de caminhos-de-ferro Luanda-Ambaca, em cuja construção esteve envolvido. O filho primogénito, António, lançou-se cedo nos negócios e recebe mesmo um primeiro empurrão com o crédito do banqueiro Ricardo Espírito Santo (Pedro Jorge Castro, Salazar e os Milionários, 2009).

E tinha pressa. Aos 24 anos, António passa a fazer parte da administração da Empresa Cimentos de Leiria (ECL), do seu tio Henrique Sommer. Os Sommer eram descendentes de Henry, Barão de Sommer, alemão imigrado em Portugal, e dedicavam-se ao cimento e ao ferro: a família fundara em 1920 os Cimentos de Leiria e três anos depois introduzira no país a técnica do cimento Portland. Em 1935, comprara os Cimentos Tejo, passando a dominar o mercado nacional. Era também dono de interesses no algodão, metalomecânica e calçado, numa estratégia de diversificação que viria a ser o padrão dos principais grupos portugueses. Quando morre, em 1944, Henrique deixa ao sobrinho, António Champalimaud, a herança que será o início da sua fortuna.

Já presidente dos Cimentos de Leiria, Champalimaud posiciona-se para uma rápida acumulação. 1944 é também o ano do seu casamento com Cristina de Mello, filha de Manuel de Mello, neta de Alfredo da Silva. O sogro convida-o para dirigir a empresa de navegação do grupo, a Sociedade Geral, e garante-lhe o crédito da Casa José Henriques Totta, o banco da CUF. António quer comprar ao BNU a fábrica de cimentos da Matola, perto de Lourenço Marques, e move influências: o sogro pede a Salazar a preferência para o genro e Champalimaud consegue-a através do secretário pessoal do ditador, Alexandre Ribeiro da Cunha, seu amigo.

Caso Sommer: protecção e perseguição?

Em 1944, Champalimaud defronta-se com a oposição dos outros accionistas da Cimentos de Leiria, que não concordam com a compra da Matola. Champalimaud pede então às tias as suas acções da ECL como penhor de um novo empréstimo do Totta. Entre a declaração testamentária do tio Henrique, que beneficiaria os sobrinhos, e uma carta posterior, a favor das irmãs, era na posse destas que estavam as acções dos Cimentos. Este imbróglio sucessório estará na origem do «caso Sommer». Contudo, o empresário começa uma carreira sob protecção: em 1949, para a instalação da Companhia de Cimentos de Angola, a ECL recebe empréstimos avultados da Caixa Geral de Depósitos (120 mil contos, a uma taxa de 2,5% a 20 anos), favor tanto maior quanto a CGD estava inibida de emprestar para os investimentos nas colónias. O BNU também empresta cerca de 30 mil contos. Enquanto as condições da futura guerra se vão desenhando, Champalimaud é dos que apela ao «rápido incremento da ocupação europeia, principalmente nas áreas mais longínquas e de menor densidade económica». Para Champalimaud, não há nada a temer: «Não faltam o ânimo e a fé na continuidade sagrada dum Moçambique português». Vão seguir-se novas fábricas no Lobito (Angola), Dondo e Nacala (Moçambique).

A operação inaugural com as acções das tias está na origem de um processo judicial que excitou a imprensa ao longo de anos e criou dificuldades a Champalimaud. O «caso Sommer» começa em Março de 1957 e envolve duas acusações contra o empresário dos cimentos: a primeira é a do desvio de cerca de 10% da ECL deixados pelo tio Henrique Sommer aos cinco sobrinhos. Quando os co-herdeiros pediram a sua restituição, já Champalimaud as tem penhoradas e recusa a devolução, afirmando que pertencem às suas tias. A segunda acusação, de abuso de confiança, resulta da compra de acções da ECL pela Transformal, que depois as transferiu para a Companhia de Cimentos de Moçambique, ambas detidas por António Champalimaud.

A partir de 1957, os processos cíveis entre as duas partes são mais de 30 e as sessões em tribunal quase 400, envolvendo as partilhas de várias empresas da família. Em Março de 1959, os irmãos Carlos, Henrique e Maria Ana apresentam queixa contra António na Judiciária, que inicia as investigações e conclui pela sua inocência. Entretanto, inicia-se um processo paralelo: em Novembro de 1960, António Champalimaud apresenta queixa, em nome da Transformal, contra o seu antigo gerente, o seu irmão Henrique, acusando-o de desfalque e burla. O processo levará Henrique à prisão durante alguns meses em 1969. Mas, numa reversão do processo, António Champalimaud tem conhecimento em Fevereiro desse ano da existência de um mandato de captura contra si no âmbito deste caso. A PIDE vigia o seu barco e o seu avião. Parte então para o Alentejo com a filha, de onde o genro Luís Lino o conduzirá, em avioneta, até Madrid. Aí se encontra com Adriano Moreira, ex-ministro do Ultramar, para se aconselhar sobre os países com condições de extradição mais convenientes.

Apesar da censura, o noticiário do Caso Sommer populariza o tema dos rendimentos e privilégios das altas figuras do regime. No seu livro Depoimento, Marcelo Caetano deplora o «ambiente público desfavorável ao capitalismo», devido ao «escândalo levantado, à inépcia do juiz presidente e à demagogia dos advogados». Pela defesa de Champalimaud desfila uma série de advogados oposicionistas, que conferem ao processo uma carga política incómoda: o jovem Proença de Carvalho, Manuel João da Palma Carlos (ambos expulsos pelo juiz em pleno processo), Salgado Zenha, que passa a basear a defesa em argumentos abertos de perseguição política, sugerindo que o regime se serve para isso de um «louco», o irmão de António Champalimaud. Em 1973, Champalimaud é absolvido e regressa de Acapulco, no México, onde se refugiara durante cinco anos.

Um cheque do BPSM

Nos anos sessenta, a banca vive um período de falta de liquidez a que responde com a expansão das redes de balcões para captar depósitos a prazo. Champalimaud não olha a meios para avançar no seu desenvolvimento como grupo financeiro. Partindo da indústria, sempre teve o apoio da finança e conhece a sua importância: «No país não há nem haverá nunca um mercado de capitais à altura de satisfazer as necessidades da indústria. (…) O auto-financiamento representa um papel primordial, indispensável à vida e ao crescimento das empresas» (Champalimaud, citado in Maria Fernanda Rollo, História da Siderurgia, 2005).

Depois de tentar, sem sucesso, comprar a União, pequena seguradora dos Espírito Santo, vira-se em 1960 para a Confiança, do Porto, propriedade de Manuel Henriques Júnior, industrial resineiro e dono de 80% do Banco Pinto e Sotto Mayor. Henriques Júnior só aceita vender a Confiança se Champalimaud comprar também o banco. Depois de concentrar depósitos no BPSM, Champalimaud avança: «Não regateei a quantia, mandei vir um cheque avulso e preenchi-o logo ali, sacando sobre a minha conta e fechando assim o negócio. Fiquei só a dever, para pagar daí a trinta dias, uma percentagem pequena» (Exame, Junho 2004). O mesmo relato foi feito por outras palavras: a conta de Champalimaud não cobria a operação, mas quando o cheque careca chegou à administração, já Champalimaud era o presidente (Público, 09.05.2004).

É já o tempo da guerra: «o grande volume de capitais próprios que o BPSM leva para o Ultramar é uma homenagem expressiva aos que se batem nas frentes de batalha e no campo da produção para manter em África o homem português» (citado por Ana Paula Pires, Memórias da Siderurgia Nacional, 2005). Além do cimento, Champalimaud ganha o monopólio da produção de ferro e aço nas colónias. Em 1973, funda o Commercial Bank of Malawi, de que detém 60%. O Estado português, através do Instituto de Crédito de Moçambique, tem outros 20% do banco. As portas para o negócio tinham sido abertas, junto do ditador do Malawi, por Jorge Jardim, homem de negócios e agente de Salazar, que fez do Malawi um protectorado luso-sul-africano hostil aos movimentos de libertação e, em particular, à Frelimo. Durante a guerra em Moçambique, Jardim organiza grupos armados de colonos, que retaliam sobre a população local.

Mais tarde, com o 25 de Abril, Jardim refugia-se na embaixada do Malawi em Lisboa, de onde vem a fugir iludindo a vigilância policial em Junho de 1974, em direcção àquele país. Mais tarde, como veremos, estará em Madrid a organizar os grupos bombistas de extrema-direita que serão responsáveis por ataques contra a esquerda e por várias mortes.

A compra do Banco Português do Atlântico

Na sua expansão como grupo financeiro, Champalimaud faz, em 1965, a primeira tentativa de compra do BPA. A intenção torna-se rumor e chega mesmo à imprensa. Os genros de Cupertino de Miranda e administradores do banco, João Meireles e Alberto Pires de Lima, inviabilizam o negócio. Champalimaud, único accionista do BPSM, ficaria com o controlo da nova instituição que poderia resultar da fusão deste banco com o BPA, detendo assim 18% e mais 15% do mercado. Os opositores ao negócio não estão sozinhos: há accionistas que também se opõem à entrada de Champalimaud porque disputam com ele posições na indústria e não querem facilitar ao concorrente uma capacidade financeira muito acrescida. Essa disputa leva a um conflito com Salazar, porventura o mais grave, porque o governo impede a compra do BPA, apoiando os accionistas que contestaram o negócio e vetando-o de facto.

Em 1970, Champalimaud volta à carga. A partir do exílio, monta uma complexa e bem sucedida operação para tomar de assalto o BPA. Cupertino de Miranda encontra-se secretamente em Paris com o empresário fugido e vende-lhe 22,4% dos seus 38% por um milhão de contos. Mas Cupertino pretende manter-se à cabeça do banco. Julga que, com esta quota, Champalimaud será sempre obrigado a negociar acordos. Porém, Champalimaud dedica-se entretanto a coleccionar, também em segredo, as pequenas participações de vários accionistas abrangidos por um acordo de cavalheiros que quase ninguém respeitou – Bordallo, Borges Vinagre, Vinhas, Brandão Miranda, família Sousa Lara, João Lacerda, Domingos Barreiros e família Lello (juntos, com Cupertino, somavam 65%). Com 10% do BPA reunidos assim pelo empresário João Rocha, Champalimaud controla o banco e pode dispensar acordos com o seu fundador. Em Setembro de 1970, empresas de Champalimaud pedem ao BPA uma série de empréstimos avultados, até que estes começam a ser recusados. Champalimaud reúne-se de novo com Cupertino de Miranda e abre o jogo: precisa de dinheiro e é o dono do banco.

Cupertino agira a solo e, quando comunica o sucedido aos seus administradores, o pânico instala-se no BPA. Carlos da Câmara Pestana e Vasco Vieira de Almeida, em conjugação com os genros de Cupertino, acabam por decidir pela hipótese de recurso – o regaço do poder. Era conhecida a antipatia mútua entre Marcello Caetano e António Champalimaud (o sucessor de Salazar abriu o sector dos cimentos à família Queiroz Pereira, decisão que Champalimaud nunca lhe perdoaria). Na reunião com Marcello, recorda Câmara Pestana (Público, 23.02.1998), o presidente do Conselho afirma que, para evitar o negócio, estaria até disposto a nacionalizar os dois bancos. No contexto de então, sendo o BPA o segundo maior banco e o BPSM, de Champalimaud, o terceiro, esta concentração ia demasiado longe para o que o governo queria aceitar no sistema financeiro. O regime protegia mas também limitava.

Não seria necessário nacionalizar os bancos. Em Janeiro de 1971, surge o decreto n.º 1 do Ministério da Justiça, estabelecendo que «os contratos celebrados nos doze meses anteriores e que não tenham sido executados por ambas as partes» e que envolvam 5% do capital, precisam de consentimento da sociedade por maioria de dois terços, de parecer favorável do Conselho de Administração e, no caso das empresas financeiras, do Ministério das Finanças. A 19 de Janeiro sai o despacho de anulação do negócio do BPA. O advogado do foragido Champalimaud, Salgado Zenha, definiu o processo como «locupertinamento à custa alheia». Mas o Estado garantiu o essencial: que o equilíbrio bancário do regime permanecia intocado e que Champalimaud não conseguia tornar-se no gigante da banca que sempre quis ser. A carreira do quase octogenário Cupertino terminava assim: no acordo com Marcello, ficou definida a sua substituição pelo genro e proibida a venda de acções sem a autorização dos dois accionistas minoritários que tinham recusado o aliciamento. A devolução do sinal a Champalimaud demorou até às vésperas do 25 de Abril.

«Marcello é o extraordinário timoneiro do governo da nação», dizia Cupertino de Miranda, ainda grato em 1972. O obreiro da intervenção estatal, Carlos da Câmara Pestana, chegaria a presidente do BPA e à liderança do Grémio Bancário. Em 1975, depois da nacionalização da banca, ruma ao Brasil, onde fez carreira no Banco Itaú. Em 2008, aos 77 anos, é nomeado presidente do maior banco brasileiro, cuja mesa partilha com dois ex-presidentes do banco central e um ex-ministro das Finanças. Por esta via, Câmara Pestana é também administrador não-executivo do BPI, do qual o Itaú é accionista de referência (18%). A sua influência na banca portuguesa foi evidente ainda recentemente, durante a OPA do BCP sobre o BPI, quando se opôs a Jardim Gonçalves apesar de ser seu «grande amigo e lhe dever vários favores pessoais e profissionais» (Nicolau Santos, Expresso, 15.09.2008).

Abertura ao exterior torna-se novo proteccionismo

A abertura da economia portuguesa aos capitais estrangeiros, em particular depois da Segunda Guerra Mundial, teve consequências surpreendentes: uma delas foi a criação da Siderurgia Nacional, protegida da concorrência, e que transformou um dos impérios do século XX, o de António Champalimaud.

João Martins Pereira sublinha esta contradição entre o discurso de abertura e a prática proteccionista, manifesta no «facto, aparentemente paradoxal, de ter sido o processo incipiente de integração europeia, em princípio tendente à liberalização das trocas e ao mercado livre, que esteve na origem de uma empresa industrial fortemente apoiada pelo Estado [a Siderurgia Nacional] e que, com a sua protecção (que veio a chegar à proibição de importações), monopolizou durante décadas o mercado de laminados correntes em Portugal. Indo mais atrás, pode mesmo dizer-se que a origem de tudo esteve na entrada de Portugal como membro fundador, em 1947, da OECE, destinada então a co-administrar a aplicação do Plano Marshall, de que o país viria depois a ser relutante beneficiário» (Martins Pereira, Para a História da Indústria em Portugal, 1941-1965 – Adubos Azotados e Siderurgia, 2005).

A Siderurgia Nacional é criada em 1954 por Champalimaud, então com 36 anos. No ano seguinte absorve a Companhia Portuguesa de Siderurgia, sendo-lhe garantido o monopólio durante dez anos no mercado português. Tanto era assim que a empresa nem tinha director comercial, como regista Martins Pereira, que nela trabalhou no início da sua carreira de engenheiro. Mas nem por isso deixou de haver alguma fricção entre os interesses do proprietário e os do governo. Ferreira Dias e Champalimaud envolveram-se em acesa discussão sobre o preço de venda do aço e as tarifas de protecção: o empresário pedia 30% de taxas e mesmo a proibição de importação dos produtos idênticos, mas o governo não estava disposto a ir tão longe. Ferreira Dias aceitou conceder um subsídio para a exportação, dado que os produtos da Siderurgia não eram competitivos no mercado internacional, mas em contrapartida queria a entrada de capitais públicos ou semi-públicos na empresa, o que não convinha a Champalimaud.

Apesar disso, até 1967, o Estado pagava semestralmente o que fosse necessário para financiar a empresa: mesmo beneficiando da protecção alfandegária e de preços garantidos, a empresa teria sido inviável sem o financiamento permanente do Estado: para um capital de 750 mil contos, operou um investimento de 2,7 milhões, sendo a diferença garantida por capitais públicos. Como escreve Martins Pereira, «em meados dos anos 50, [Champalimaud] não tinha capacidade própria para mobilizar vultuosos capitais sem a garantia do total apoio do Estado (incluindo a concessão de um aval para a encomenda dos equipamentos principais)».

No início da construção da empresa, queixava-se do atraso na expropriação por utilidade pública de terrenos do Seixal, onde a empresa seria instalada. Nesse ano, Salazar intervém directamente em seu apoio. No ano seguinte, o empresário acusa o governo de «obstrucionismo», mas logo corrige num discurso pouco depois, em 1961: «o Estado e a iniciativa privada, cada um no lugar que a Constituição Política lhes atribui, marcharam, assim, lado a lado, em franca e leal colaboração», assegurando a sua fidelidade à ditadura a que tanto devia. Em todo o caso, Champalimaud, entre 1961 e 1965, entra frequentemente em conflito com o governo acerca dos preços no mercado interno. Mesmo dependente do Estado, Champalimaud usou toda a sua influência na ditadura para ampliar as suas regalias.

Champalimaud, Spínola, Pinochet: os bons espíritos encontram-se

A 30 de Abril de 1974, à saída de uma reunião com Spínola, em que o presidente da Junta de Salvação Nacional discute o programa do MFA com os maiores capitalistas portugueses da época, António Champalimaud felicita «todos os que estiveram na base da gloriosa arrancada – o 25 de Abril de 1974». Além de Champalimaud, estão presentes José Manuel de Mello, Manuel Ricardo Espírito Santo, Miguel Quina (o banqueiro portuense do Borges e Irmão). Champalimaud recorda o regime caído há cinco dias e como este «limitava drasticamente a capacidade de acção dos homens de iniciativa» (Filipe Fernandes, Fortunas & Negócios, empresários portugueses do século XX, 2003). Como já sabemos, este antifascismo foi de pouca dura e, para defender as suas posses, Champalimaud e todos os outros passaram-se para a conspiração anti-democrática.

Champalimaud tinha muito a defender: em 1975, era a oitava maior fortuna da Europa. Além da Siderurgia Nacional, a família é dona dos Cimentos de Leiria, Cimentos Tejo, Cimentos de Angola e Moçambique, Companhia do Cabo Mondego, metalúrgicas Cometna, Sepsa, Siderurgia de Angola e Ferrominas, das papeleiras Companhia de Papel do Prado e da Abelheira, de empresas de celulose, a Cemil, a Companhia Portuguesa de Celulose, a Socel. Tem participações na Companhia Industrial de Portugal e Colónias, Laboratórios Vitória, União Eléctrica Portuguesa, Cires, Sotéis. Na área financeira, o grupo tem o Banco Pinto e Sotto Mayor, as seguradoras Mundial, Confiança (esta também em Moçambique e Angola) e Continental de Resseguros. As suas acções valiam 40 milhões de contos, o equivalente a 9,1 mil milhões de euros (valores de 2009). Essa fortuna foi reconstruída depois das vicissitudes da revolução e, em 2008, oito herdeiros Champalimaud figuravam na lista das cem maiores fortunas da revista Exame.

Nos meses seguintes, termina este idílio insustentável com a revolução que começa. As famílias Champalimaud, Mello, Espírito Santo, Vinhas (Central Cervejas), Conceição e Silva (Torralta), com o conde de Caria (parceiro de Champalimaud no BPSM), ainda lançam um efémero Movimento Dinamizador Empresa/Sociedade (MDE/S). Em Agosto, o MDE/S entrega ao governo um documento «por uma reforma das actividades empresariais» e por um «capitalismo moderno, progressista e evoluído», acompanhado de um «plano de investimentos», anunciando querer criar 100 mil postos de trabalho, mas não convencem.

Depois do fracasso da manifestação da «maioria silenciosa», que leva à demissão do presidente Spínola em Setembro de 1974, e com a primeira nacionalização de um banco comercial (o BIP, de Jorge de Brito, preso sob acusações de burla), o ambiente político altera-se. Champalimaud toma iniciativas de outro tipo: transfere 130 mil contos dos cofres do BPSM para o seu pequeno banco em França. Ao mesmo tempo, compra à Empresa de Cimentos de Leiria (ECL) as acções da sua cimenteira no Brasil, a Soiecom, e paga com acções da própria ECL, deixando a fábrica de Minas Gerais fora do alcance das autoridades portuguesas. Depois da nacionalização a 11 de Março de 1975, as administrações do BPSM e da Cimpor (que absorve a ECL) virão a processar Champalimaud por estas operações.

Com o grupo nacionalizado, Champalimaud continua a apostar na aliança com Spínola. A ligação já vem dos tempos iniciais da Siderurgia Nacional (o militar representou o Grémio das Conservas na administração e foi quem vendeu a Champalimaud as primeiras acções na empresa) e da edição de «Portugal e o Futuro» (apoiada através da Companhia de Papel do Prado). Pouco depois do 11 de Março, Champalimaud estará perto de Paris, em casa do empresário Manuel Boullosa, com Spínola, Sanches Osório e Manuel Quina, numa reunião para montar uma estrutura de financiamento do MDLP, a rede clandestina da direita apostada na preparação e provocação da guerra civil. Segundo o depoimento de Sanches Osório, dirigente de extrema-direita, Champalimaud terá condicionado a sua participação no movimento ao controlo da sua direcção (Eduardo Dâmaso, A Invasão Spinolista, 1999). Na versão do jornalista Filipe Fernandes, esta ligação permanece até 1977 (Visão, 13.05.2004). Muitos outros, como Manuel Queiroz Pereira, contribuirão mensalmente para o MDLP. O seu antigo sócio, Boullosa, também apoia o movimento. José Miguel Júdice (que será advogado de Champalimaud vinte anos depois) é funcionário da organização em Madrid, vivendo em instalações religiosas. O tesoureiro é Cota Dias, ex-Ministro das Finanças de Caetano.

Champalimaud estabelece-se no Brasil com os filhos, mas não perderá contactos políticos. Inicia mesmo novas relações: é assim que, pouco depois de chegar ao Brasil, viaja ao Chile, onde se encontra com Augusto Pinochet, o militar que menos de dois anos antes assassinara o presidente eleito e iniciara o extermínio da esquerda (agência EFE, 19.06.1975, citada por Adelino Gomes e João Pedro Castanheira, Os Dias Loucos do PREC, 2006). No Brasil, além da cimenteira Soiecom, a família tem três enormes fazendas que a tornam no maior produtor mundial de feijão em 1995 (DN, 18.03.1995). A fazenda Imperatriz, comprada em Bolsa, inclui um pedaço de reserva amazónica e é a maior do Estado do Maranhão.

http://www.esquerda.net/artigo/quem-foi-champalimaud

HENRIQUE GALVÃO - O INIMIGO Nº 1 DE SALAZAR


Sexta-feira, 12 de Novembro de 2010

"O Inimigo Nº1 de Salazar" de Pedro Jorge Castro
Autor: Pedro Jorge Castro

P.V.P.: 24,00 €

Data 1ª Edição: 2010

Nº de Edição: 1ª

ISBN: 978-989-626-260-0

Nº de Páginas: 408 + 16 extratextos

Dimensões: 160 x 235 mm

Colecção: História divulgativa Editora: Esfera dos Livros

Sobre a obra:

Na manhã daquele domingo, 22 de Janeiro de 1961, os passageiros do paquete Santa Maria apercebem-se de que algo está errado quando encontram marcas de sangue no chão. Um homem armado impede-lhes o acesso ao convés superior. Os empregados fazem correr a notícia: «Uns rebeldes tomaram conta do navio.» A liderá-los está o capitão Henrique Galvão, o inimigo número um de Salazar.

Fervoroso salazarista, Galvão começa a desiludir-se e a afastar-se dos ideais defendidos pelo Estado Novo. A ruptura é assumida quando afronta o regime na Assembleia Nacional, onde denuncia a escravatura e vários negócios promíscuos que envolvem a Administração de Angola. Está aberta a porta para o confronto entre os dois homens. Segue-se uma tentativa falhada de atentar contra a vida do presidente do Conselho, em 1951, a prisão, uma espectacular fuga do Hospital de Santa Maria e o exílio. Salazar terá desabafado na altura: «Vamos arrepender-nos mil vezes. É muito mais perigoso que [Humberto] Delgado.»

O ditador não estava enganado. Galvão prepara a «Operação Dulcineia», que ocupa as primeiras páginas da imprensa internacional e expõe o regime português como nunca antes tinha acontecido. Segue-se o sequestro de um avião da TAP de onde são lançados cem mil panfletos a apelar à revolução, e o depoimento contra Portugal na sede das Nações Unidas.

Com base em documentos, na maioria inéditos, de oito arquivos nacionais e do arquivo particular do capitão, e em testemunhos dos seus principais cúmplices, o jornalista Pedro Castro desvenda a vida de Henrique Galvão, num livro único, com uma narrativa empolgante onde não falta acção e intriga.

Sobre autor:

Pedro Jorge Castro nasceu em Leiria em 1975. Licenciado em Ciências da Comunicação pela Universidade Autónoma de Lisboa, completou também o curso de formação geral em jornalismo do CENJOR. É jornalista há 13 anos e desempenha desde 2007 o cargo de redactor principal da revista Sábado. O Inimigo nº 1 de Salazar é o seu segundo livro, depois de em 2009 ter publicado Salazar e os Milionários.

Publicada por Clube Dos Livros em 19:14
http://clube-dos-livros.blogspot.com/2010/11/o-inimigo-n1-de-salazar-de-pedro-jorge.html