Tuesday, 15 June 2010
VITÓRIA DA SUÉCIA VAI CASAR
A Suécia moderna gosta de contos de fadas
13.06.2010 - 08:02 Por Isabel Coutinho, em Estocolmo
A futura rainha da Suécia ocupará o trono que era destinado ao irmão. No sábado, vai casar-se com o plebeu que o pai não aceitava. Victoria é símbolo de emancipação feminina num país que ama a sua monarquia. Será um paradoxo um país moderno acreditar num conto de fadas?
Daniel e Victoria (DR)
Mal se põe o pé no chão, em Estocolmo, um cartaz gigante avisa-nos que chegámos ao "aeroporto oficial do amor 2010". Na cidade, tudo lembra que em breve haverá um casamento que não será como os outros. As caixas de bombons têm fotografias dos noivos e até os vulgares panos de cozinha passaram a ter estampadas coroas douradas. Não é possível escapar: o amor está no ar.
E esta é uma história de amor. Ela é princesa, vai ser rainha porque nos anos de 1980 a lei da sucessão ao trono mudou na Suécia. Ele é um plebeu, que foi seu professor de ginástica. Victoria Ingrid Alice Desiree, 32 anos, e Daniel Westling, de 36, vão casar-se no dia 19 de Junho na Catedral de Estocolmo. E como nos contos de fadas, ele será príncipe.
Durante meses, a capital sueca esteve em obras. Entre ruas esburacadas e andaimes nos edifícios, todos trabalharam para que, no próximo sábado, a cidade seja cenário de um acontecimento inesquecível. Na parte velha da cidade muitos edifícios foram restaurados, entre eles o Palácio Real e a catedral de Estocolmo, onde se vai realizar a cerimónia.
Valeu a pena. Na catedral, a emblemática estátua de madeira do cavaleiro S. Jorge com o dragão está majestosa. O altar prata e negro, o vitral e as pinturas medievais brilham. Tudo está a ficar perfeito para receber os noivos e convidados. A cerimónia será conduzida pelo arcebispo Anders Wejryd, da Igreja da Suécia, de denominação protestante, com a ajuda do capelão-chefe da corte Lars-Göran Lönnermark, da mulher-bispo Antje Jackelén, e de Åke Bonnier, o cónego da catedral de Estocolmo.
Entre as naves feitas de tijolo ocre, Åke Bonnier anda atarefado com os 22 restauradores. Ainda tem tempo para dizer que o casamento real "vai ser um casamento tradicional". A futura rainha, tal como qualquer outra noiva, vai a determinado momento da cerimónia dizer: "Sim, eu quero."
Será tradicional, mas nem tanto. Victoria quer ser levada ao altar pelo seu pai, o rei Carlos Gustavo. Na Suécia, tradicionalmente os noivos entram juntos na igreja para mostrar como são iguais na cerimónia e na vida. Houve polémica. A Igreja da Suécia mostrou o seu desagrado (num país conhecido por ser igualitário, o acto está a ser visto como sexista e até mesmo como uma importação de Hollywood) mas Victoria venceu a batalha.
Como todas as histórias têm um princípio, pode dizer-se que esta começou há 34 anos. Os pais da princesa Victoria, o rei Carlos Gustavo e a rainha Sílvia, casaram-se no dia 19 de Junho de 1976 na mesma catedral de Estocolmo. Exactamente no mesmo dia, 30 anos depois, a filha mais velha do casal vai seguir-lhes os passos. No altar espera-a Daniel Westling, um rapaz que nunca sonhou que um dia viria a ser príncipe.
Prevê-se que aquilo que se viu nos anos de 1970 se vai repetir no próximo sábado, mas com uma expressão ainda maior. São 1100 convidados e um país inteiro vai estar em frente à televisão a assistir ao casamento em directo. Uma multidão irá encher as ruas de Estocolmo. Em Ockelboa, pequena cidade onde nasceu o noivo de Victoria, vai ser colocado um grande ecrã para que todos possam assistir ao casamento e vai realizar-se um gigantesco piquenique.
Desde 6 de Junho, Dia Nacional da Suécia, que a cidade de Estocolmo está em festa. O festival Love Stockholm, com concertos e outros eventos, está a decorrer e irá durar até ao dia do casamento. No domingo passado, os noivos passearam pela cidade numa carruagem aberta, naquilo que foi considerado um ensaio para a data em que irão dar o nó.
Por causa da segurança e do protocolo, muitos pormenores sobre este casamento mantêm-se secretos mas já se sabe que, no dia 17 de Junho, o rei e a rainha da Suécia vão dar um jantar privado no palácio Drottningholm. Para o dia seguinte, véspera do casamento, está marcada a recepção do Governo aos municípios e concelhos, a família real e os noivos receberão os convidados na Câmara Municipal de Estocolmo. À noite, haverá um jantar oferecido pelo Governo, seguido de um concerto no Stockholm Concert Hall. Corre o rumor de que Benny Andersson, um dos membros dos ABBA, está a fazer uma música para o casamento. A ideia não cai do céu. Em 1976, na véspera do casamento do rei Carlos Gustavo, o famoso grupo sueco ABBA deu um concerto em honra dos noivos.
Sábado é o grande dia. A cerimónia do casamento começa às 15h30 na catedral Storkyrkan. Também não se sabe quem vai ser o criador do vestido da noiva (é segredo). Mas especula-se. Quando a lista de convidados foi divulgada recentemente, o jornal tablóide Expressen descobriu no meio dos convidados o nome do designer de moda sueco Pär Engsheden. É o único costureiro na lista de convidados e Victoria quando anunciou o noivado usou uma das suas criações. Aceitam-se apostas e diz-se, em Estocolmo, que a noiva vai vestida de branco.
Hakan Pettersson, 62 anos, um homem próximo do rei e seu chefe militar, foi escolhido pela família real para organizar o casamento. Arrancar-lhe pormenores é difícil. "O casal quer manter secreto o maior número possível de detalhes do casamento. Trata-se de um assunto de Estado, porque se trata da nossa futura rainha, mas é também o casamento da Victoria e do Daniel", disse o general à Pública durante um almoço em Estocolmo. Há meses que Pettersson prepara a cerimónia e tem dialogado com os noivos para perceber o que sonharam para o dia mais feliz das suas vidas. "Eles são muito criativos mas também tradicionais. Não querem que seja um casamento extravagante. Tivemos de nos sentar e decidir o que era mais importante. Esta é também uma oportunidade para promover o turismo na nossa capital", explicou. Pediram conselhos aos países vizinhos, Dinamarca e Noruega, que recentemente realizaram casamentos reais e se alguns dos desejos dos noivos não se realizarem será por razões de segurança. Seguir-se-á a tradição. Depois da cerimónia, às 16h40, Victoria e Daniel sairão da catedral para o cortejo pela cidade que terminará com o casal na barcaça real The Vasaorden, que costuma ser usada em ocasiões especiais. Às 20h, começa o banquete do casamento no Palácio Real. Já se sabe que a ementa está a cargo do chefe Stefano Catenacci, do restaurante Operakällaren (costuma ter a seu cargo os jantares reais e é o responsável pelo banquete de entrega dos Prémios Nobel) e que os noivos pediram uma ementa com produtos suecos e da época. À noite, no Palácio Real serão acendidas velas para iluminar e alguns dos convidados mais importantes (45 pessoas, reis, rainhas e princesas) ficarão hospedados no palácio.
Aulas para ser príncipe
Entre tantos segredos, não é segredo nenhum para os suecos que a futura rainha e o seu noivo já vivem juntos há algum tempo. Conheceram-se por acaso. Se a princesa Victoria não tivesse sofrido de anorexia, talvez Daniel, filho de um reformado dos serviços sociais e de uma empregada dos correios, nunca se tivesse cruzado com ela. Pertenciam a mundos completamente diferentes. Foi a irmã de Victoria, Madalena, que a aconselhou a fazer desporto para melhorar a sua saúde. Falou-lhe de um novo ginásio, muito privado, que abrira em Estocolmo e que tinha um óptimo personal trainer: ali ela poderia treinar sem ser incomodada. "Foram amigos durante dois anos, até que se começaram a encontrar em segredo, a primeira vez numa ida ao cinema. Isto durou um ano, completamente em segredo, ninguém sabia desta história por isso o início do namoro foi tranquilo", conta num vídeo no site do Paris-Match a jornalista Ghislaine Ribeyre, que viveu na Suécia e tem acompanhado para a revista francesa os preparativos do casamento. Nada foi fácil para Daniel. O pai da princesa fez saber que não o achava o candidato ideal para a filha. "Foi como se a Suécia, que é uma sociedade sem classes, tivesse conhecido a lei das classes sociais nesta altura." Daniel é um sueco da classe média baixa, que não fez muitos estudos, mas fez aquilo a que os suecos chamam, como explica Ghislaine, "uma viagem de classe, de ascensão social" e agora os seus amigos, na sua maioria mais velhos do que ele, são patrões e membros da alta sociedade, aqueles que o rejeitavam no passado.
Para Ghislaine Ribeyre, este casamento pode ser visto de várias maneiras. É uma verdadeira história de amor, "os dois tiveram de lutar pelo direito de se casarem e esse lado de love story agrada a muita gente". Quando foi anunciado o casamento, o primeiro-ministro sueco chegou a dizer que era "o triunfo do amor". Por outro lado, a cerimónia vai obedecer ao protocolo. "Querem fazer um casamento com glamour, espectacular, provavelmente entre aquilo que foi o casamento de Diana e do príncipe Carlos e os casamentos que tiveram os príncipes herdeiros na Noruega e na Dinamarca, que foram mais informais." Dezassete famílias reais foram convidadas e uma das explicações para esta atenção é que a família real sueca é relativamente jovem (não estão ao nível das outras famílias reais europeias, mais antigas). "Através deste casamento, a Suécia também quer mostrar que é um país moderno e que ao mesmo tempo respeita as tradições. Tem uma futura rainha jovem e bela que vai casar-se com um homem do povo. Querem que seja um grande golpe publicitário para a imagem do país e o orçamento está à altura: são 4 milhões de euros para este casamento mediático na Suécia e no mundo inteiro", explica a jornalista do Paris-Match.
Se há oito anos, Daniel Westling foi muito criticado por ser um homem do povo e muitos acharam que não era adequado nota-se que a maneira como os suecos olham para ele agora mudou. Perceberam que é um empreendedor, um self-made-man que está à frente de três ginásios chiques em Estocolmo e que expandiu os seus negócios para o Brasil e que dá muito apoio a Victoria. No entanto, nada escapou à casa real: Daniel tem andado a ter aulas para aprender a ser príncipe.
Não é inédito, aconteceu o mesmo com a princesa da Noruega, Mette-Marit, que se casou com o príncipe Haakon em 2001. Daniel, tal como a norueguesa, também teve de ter aulas para saber as regras de protocolo, para saber lidar com os media. Aprendeu história da Suécia e da família real, línguas estrangeiras. Ficou a conhecer como funcionam o Parlamento, o Governo e a administração pública.
Sabe-se agora que é um rapaz bem comportado e que nunca bebe álcool por causa do transplante de rim a que foi submetido. Também lhe mudaram a aparência. Antigamente, Daniel era um jovem tímido, parecia "um rapaz saído dos bosques". Agora, tem um novo corte de cabelo, passou a usar óculos mais vezes e anda sempre de fato. A sua imagem é mais adequada a um futuro membro da realeza e, muito a propósito, esta semana foi publicado um livro do especialista em geneologia, Björn Engström, que mostra que Daniel descende da aristocracia sueca e finlandesa.
"Se olharmos para a imagem da Suécia nos media, vivemos num país igualitário em que há poucas diferenças entre as pessoas. As diferenças de salários são poucas e os suecos vêem-se a si próprios como modernos. A Suécia não gosta de falar de classes sociais, mas no fundo cada sueco sabe de onde vem. Isto explica por que é que cerca de 70 por cento dos suecos dizem sistematicamente que são a favor da monarquia", explica Susanna Popova, a escritora e jornalista que foi escolhida pela casa real para, juntamente com um fotógrafo, acompanhar a princesa em todos os preparativos do casamento. O livro irá ser lançado depois da cerimónia e, da proximidade com Victoria, esta jornalista percebeu que ela "é muito concentrada e muito presente. Sabe ouvir os outros. É muito profissional".
Popova recordou à Pública que, numa entrevista, perguntaram ao rei: "Por que é que na Suécia não se ouvem falar de escândalos na família real, como acontece nas outras casas reais?" E ele respondeu: "Porque não existem escândalos." Já depois desta entrevista, a princesa Madalena descobriu que o seu noivo era infiel e acabou com o noivado. E o irmão mais novo de Victoria, Carl Philip, tem andado nos tablóides por causa de festas e namoradas. Há quem acredite que tem havido uma certa protecção quanto ao rei e à família real nos meios de comunicação social, mas, como Daniel é um rapaz do povo, talvez a autocensura a que os jornais se submetem se altere. Com este casamento, poderá mudar a maneira como os media se relacionam com a família real. E há uma certeza: mudou a maneira como o povo sueco vê a família real.
Realeza sim, celebridades não
Na Suécia há uma certa histeria à volta deste acontecimento. Os hotéis da cidade estão lotados e muitos dos residentes estão a alugar as suas casas. Há quem pense fugir da cidade no dia do casamento mas também há quem ache que assistir ao cortejo será divertido para as crianças, que mais tarde poderão recordar o dia em que viram Victoria casar-se. Para assistir ao casamento real estão acreditados 2300 jornalistas, 700 são estrangeiros, 277 são alemães. A televisão pública foi buscar todos os programas que tinha sobre os casamentos reais que aconteceram nas últimas décadas e colocou-os no ar; todas as segundas-feiras vai para o ar um programa de uma hora sobre o casamento e os jornais criaram suplementos especiais para que os seus leitores estejam informados. "Se nos anos 1970 ainda houve debates sobre a monarquia e críticas feitas pelos cidadãos, agora o que está a acontecer é que todos, e mesmo os políticos, querem é estar o mais próximo deste casamento possível", disse à Pública Martin Adahl, director do think tank Fores.
Apesar de a maioria dos leitores do Aftonbladet não ser a favor da monarquia, este tablóide decidiu fazer uma cobertura exaustiva da preparação e do casamento, e criou o suplemento Realeza. "Não há um casamento real na Suécia desde 1976 e esta festa é um acontecimento tão grande como as próximas eleições. As pessoas interessam-se pelo assunto, principalmente os mais velho", explica a jornalista Susanne Nylén, que durante os últimos meses tem tentado saber pormenores sobre a cerimónia. Mas quando tenta saber mais através da casa real recebe como sempre a resposta: "Somos da realeza, não somos celebridades." Num país em que tudo é público, em que se pode saber em que é que se gasta cada tostão dos contribuintes, estes segredos perturbam.
Ou não. Num país sem tradição presidencial, a maioria dos suecos é a favor da monarquia. Uma sondagem recente mostrou que 66 por cento dos súbditos consideram que, a longo termo, a monarquia é o melhor para a Suécia. Dezassete por cento acham que seria melhor viver sob um regime republicano; quatro por cento não sabiam o que responder e doze por cento consideravam que seria bom ter os dois regimes (o que é impossível).
À pergunta: "É certo ou errado que a princesa se case com um rapaz do povo?", 91 por cento dos suecos responderam que é certo, e só dois por cento o consideraram errado. Quando a pergunta é sobre a monarquia em geral, 77 por cento vêem-na de uma maneira positiva e 18 por cento, negativamente.
A monarquia na Suécia é muito menos política do que noutros países, como por exemplo em Espanha ou na Grã-Bretanha. Embora seja muito importante o papel que a família real tem como relações públicas. Todos concordam que ela representa muito bem o país internacionalmente - os seus membros foram treinados para isso - e os suecos sentem-se seguros. De certa forma, os membros da realeza unem a nação. Os suecos acompanham as suas vidas desde sempre. A Suécia é uma sociedade moderna, que passou de um país muito pobre para um país desenvolvido e rico no último século. Houve modificações políticas grandes, mas a monarquia sempre esteve presente na vida do povo sueco e tem contribuído para a imagem de uma família moderna. Fizeram-se estudos que estimam o valor da monarquia e da família real como marca e percebeu-se que é vantajoso para o país.
Duque de Västergötland
Como a Suécia é um país moderno, não será Victoria a ficar com o nome do marido. O ex-professor de ginástica vai receber o apelido real da família Bernadotte e, a partir do próximo sábado, passará a ser o príncipe Daniel da Suécia, Duque de Västergötland. Tradicionalmente os homens que se casam com alguém da família real não recebem o título. Na verdade, o rei Carlos Gustavo, ao escolher Sílvia para sua mulher, também se casou abaixo da sua condição social. E desde que Sílvia se uniu ao rei há uma espécie de lua-de-mel dos suecos com a família real. Agora a sua filha, e futura rainha, também se casa abaixo da sua condição social. Há quem veja nisto um golpe de génio.
O facto de Daniel ser um homem comum teve o efeito de tornar a monarquia ainda mais popular. Aproxima mais a família real dos súbditos. Por outro lado, dá uma imagem de realeza moderna porque a princesa herdeira pode casar-se com quem escolheu.
Este casamento trouxe também a debate público o tema da identidade. É a primeira vez que uma primogénita tem o direito a ser rainha. A Suécia foi a primeira monarquia a mudar a lei de maneira a que a sucessão do trono fosse para o filho mais velho independentemente do género. A lei entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1980 e é por isso que Victoria será rainha e não o seu irmão mais novo, Carl Philip.
Há outro dado interessante. À luz das estatísticas suecas, a princesa Victoria e todos os filhos da família real pertencem à segunda geração de imigrantes que nasceram na Suécia, pois a sua mãe, a rainha Sílvia, nasceu na Alemanha e é filha de uma brasileira. Isto também é considerado moderno.
Quando se pergunta a Mats Knutson, comentador político de um canal de televisão sueco, se o casamento de Victoria tem algum efeito político, ele diz que, a longo prazo, "não terá efeito nenhum". Os suecos amam a família real. "Se quisermos receber chamadas telefónicas e cartas de pessoas irritadas, basta criticarmos a monarquia na televisão. A monarquia tem um forte apoio na Suécia e, ao mesmo tempo, o rei não tem qualquer poder: abre o Parlamento uma vez por ano e é chefe de Estado. É só um símbolo." Já aconteceu o rei ter sido criticado por causa de um discurso demasiado político, e perder popularidade por causa disso.
"A princesa Victoria é actualmente o membro mais popular da família real. Nessa popularidade é seguida pelo pai, o rei Carlos Gustavo. E o seu papel na família real tem crescido, ela está cada vez mais activa, a participar em diversos eventos e ligada a temas que interessam ao povo sueco. Tal como a rainha Sílvia fez no passado", explica a jornalista Susanne Nylén, responsável pela cobertura mediática do casamento no tablóide Aftonbladet. Martin Adahl, director do think thank Fores, não hesita: "Comparada com outras famílias reais europeias, a sueca não é muito intelectual mas o rei tem tido um papel importante em algumas questões ambientais. Victoria está melhor preparada para ser rainha do que o actual rei estava, quando o seu pai morreu num acidente de avião. Ela foi preparada para o papel que terá de desempenhar."
Alta e baixa estima
Quando um estrangeiro entra numa casa sueca, pode ficar surpreendido ao encontrar retratos dos membros da família real pendurados no quarto-de-banho. Não é um insulto, faz parte da tradição, desde sempre que as famílias suecas colocaram retratos dos reis em suas casas, a casa-de-banho costumava ser no jardim e era decorada com estes retratos. O professor Mattias Frihammer, etnólogo da Universidade de Estocolmo que está a fazer a tese sobre a monarquia no século XX, sempre achou que existia um paradoxo entre a Suécia ser um país moderno e emancipado e manter uma monarquia. Quando começou a estudar o tema, percebeu que o que se passa na Suécia é que as pessoas gostam da família real, embora possam não respeitar a instituição. Os suecos olham para a família real como se esta fosse um "museu vivo" e olham para este casamento como um conto de fadas.
"É uma questão interessante tentar perceber por que é que, sendo a Suécia um país que gosta tanto de ser moderno, tem uma monarquia", lembra o investigador universitário Frederik Lindström, que, com o historiador Peter Englund (que é também secretário da Academia Sueca para o prémio Nobel da Literatura), é o autor do programa de televisão Suécia - O País mais Moderno do Mundo.
Frederik Lindström só encontra uma explicação: a opinião internacional tem muita importância neste caso. Enquanto os suecos acharem que, no estrangeiro, a sua monarquia é popular, que isso traz benefícios para o país, não mudam de opinião. "Mas se internacionalmente começassem a dizer "que estranho, vocês são um país moderno e mantêm uma monarquia", os suecos não demorariam dois segundos a mudar de opinião", acredita.
Durante um almoço no restaurante mais antigo de Estocolmo, os académicos contaram à Pública e a um grupo de outros jornalistas estrangeiros que quando investigaram as características do país perceberam que os suecos têm uma alta estima no que diz respeito a serem racionais, modernos e ligados à inovação tecnológica: são early adopters, rapidamente se adaptam a uma tecnologia nova, e o país é usado muitas vezes para promover novas tendências ou novos produtos. Mas têm baixa estima, sentem-se muito inseguros quando se trata de aspectos humanos ou culturais, ao contrário do que acontece, por exemplo, com os franceses. Não valorizam o que é sueco.
A ideia de racionalidade é muito importante. Se olharmos em retrospectiva, lembra o historiador Peter Englund, vê-se que os suecos sempre se viram como um povo racional e mantiveram esse conceito ao longo do tempo. Houve até "um momento embaraçoso para o país", quando, em 2005, o ex-primeiro-ministro Göran Persson, nas comemorações do final da Segunda Guerra Mundial, fez um discurso muito retórico, dizendo que os suecos eram demasiado racionais para se terem envolvido na guerra.
Na Suécia, as pessoas confiam muito no Estado e, como explica Peter Englund, isso vem da ligação tradicional entre o povo, o Estado e o rei que remonta aos séculos XVI-XVII. "Este é um país em que os camponeses nunca perderam a sua representação no Parlamento e, historicamente, isso é único na Europa." A monarquia e o Estado serviam de mediadores entre as diferentes classes sociais e muitas vezes o povo aliou-se ao rei. Ao longo dos séculos, várias vezes a monarquia esteve contra a aristocracia e isso é um dos factores históricos da sua popularidade.
Por outro lado, muitas das inovações foram trazidas para a Suécia através da monarquia, nunca foi identificada como fazendo parar o progresso. E quando se fala de imagem de marca da Suécia percebe-se que a monarquia faz parte disso. Se se colocar num balança quanto custa a monarquia e quanto dinheiro traz para a Suécia, é um bom negócio.
Como já se disse na Suécia, o chefe de Estado, o rei, não tem assim tanto poder. Ele abre o Parlamento todos os anos, é um conselheiro do Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas não pode tomar decisões.
Para a Associação Sueca Republicana, o casamento real é uma oportunidade para explicar por que é que considera que a Suécia seria um Estado mais democrático e mais moderno, se fosse abolida a monarquia e se pudesse eleger o chefe de Estado. "Na Constituição sueca está escrito que o chefe de Estado deve ser o rei. Como não podemos eleger o rei, a ele ou à rainha, para esse lugar não nos parece que isto seja adequado a um Estado moderno, em que se herda o título. Essa pessoa, ou a família real representa o país em muitas situações e, num país democrático, deveríamos poder escolher essa pessoa", explica à Pública Magdalena Strijffert, membro desta associação. Foi benéfico para a Associação Sueca Republicana a preparação para o casamento real porque os media tentam sempre ouvir o outro lado. Não passa nos media só o discurso do "ai é tão bonito" e "é tão bom", "queremos saber todos pormenores do vestido, da cerimónia, do jantar". Elevou-se a discussão para a agenda política: "Por que devemos ter monarquia? Ou o que pensa a opinião pública sobre isto?" Sabem que têm a maioria do povo sueco contra eles. "Claro que quando se pergunta se se é a favor da monarquia, é sempre mais fácil responder que sim. Sabemos o que temos, não sabemos o que teríamos. De certa maneira, os suecos são conservadores, sabemos o que temos e gostamos disso. É por isso que não votámos a favor do euro, era uma incógnita. O mesmo acontece com o tema da monarquia."
Se a pergunta das sondagens fosse outra, se perguntassem: "Acha que se deveria herdar o título de chefe de Estado?", talvez as respostas fossem diferentes. "Por isso é tão urgente que estes assuntos sejam discutidos", diz Streijffert, que também é membro do Parlamento sueco, pelo Partido do Centro. "A alternativa seria termos um presidente da república eleito, como acontece em outros países, mas se na Suécia o rei tem tão pouco poder por que é que teríamos um presidente, se precisássemos de retirar poder ao governo e colocá-lo no presidente? Talvez não quiséssemos fazer isso."
Uma das soluções seria tirarem da Constituição a frase que diz que o rei é o chefe de Estado. Então seria o governo e o primeiro-ministro a ser o chefe de Estado.
Sapos e príncipes
Outra das questões que têm sido discutidas na Suécia por causa deste casamento é o dinheiro que a família real recebe. São 12 milhões de euros por ano. Esse dinheiro serve para manter os castelos, para edifícios culturais, metade do dinheiro é gasto nas viagens em que representam a Suécia no exterior. Para o casamento, receberam ainda mais dinheiro. É um tema que causa polémica por causa da crise económica e da taxa de desemprego que está a aumentar e as pessoas não estão contentes.
Como não querem ficar de fora das celebrações, os republicanos no próximo fim-de-semana vão também celebrar à sua maneira. Organizaram uma grande festa na noite de 19 de Junho, um festival onde artistas conhecidos vão actuar. Antes da marcação do casamento, a associação tinha 2000 membros e agora tem mais de 5 mil. "As pessoas perceberam que este era o momento de agir. De certa maneira, o casamento levou-as a tomar uma posição."
Mas sabem que estão a lutar contra moinhos de vento e nada vai mudar. "Nas eleições de Setembro, as pessoas estão interessadas em falar de outros temas que não a monarquia. Querem discutir o desemprego, a segurança social, o meio ambiente, e na agenda política este tema não é considerado um assunto sério. Quando se perde um emprego ou se fica doente, quando se está preocupado porque se quer mandar os filhos para o futebol e não se pode, é difícil estar a discutir outra coisa." O líder do Partido da Esquerda é o único a não ir ao casamento e a não dar um presente aos noivos. Todos os outros partidos vão dar presentes, até os sociais-democratas, e os noivos criaram uma fundação, dedicada a promover a saúde e combater a exclusão entre jovens, para onde irão todos os presentes e donativos.
Esta organização de republicanos aproveitou o evento para lançar duas campanhas publicitárias. Numa delas inspirou-se na eleição de Barack Obama nos Estados Unidos. Vestiu um negro com trajes de rei e inscreveu a legenda: No, we can"t (o contrário do sloganYes, we can!). A mensagem era: "Não, na Suécia não podemos eleger um negro para rei, para nosso chefe de Estado."
Noutra campanha via-se a imagem de um sapo com uma coroa. Acompanhada pela frase: "Podem beijar-se muitos príncipes mas não se pode escolher." Na verdade, a princesa Victoria não pôde escolher com quem queria casar-se, teve de pedir permissão ao pai para se casar com o homem que ama e o governo teve de dar autorização. "Será isto moderno? Deveria ser assim?", quiseram colocar esta dúvida, explica Magdalena Strijffert.
Seja como for, o casamento do próximo sábado vai ficar na história. E, depois da cerimónia, a princesa herdeira Victoria e o príncipe Daniel Westling vão viver no Palácio Haga, nos arredores de Estocolmo, que foi remodelado para os receber. E como acontece em todas as histórias, em que com um beijo os sapos se transformam em príncipes, serão felizes para sempre... a
A jornalista viajou a convite do Ministério dos Negócios Estrangeiros Sueco
CITIUS APAGOU 15 MIL CRIMES
O vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura (CSM) justifica que «questões técnicas» do actual sistema informático Citius explicam o desaparecimento de crimes da base de dados do Ministério da Justiça.
«É uma questão técnica, de software e de hardware, que existe no actual sistema Citius», disse aos jornalistas Bravo Serra, antes de entrar para uma audição na Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
O vice-presidente do CSM reagia à notícia do Diário de Notícias que dá conta do desaparecimento, num mês, de 14 721 crimes com recurso a armas de fogo da base de dados do Ministério da Justiça. Os crimes «apagados» correspondem a mais de metade dos registados e divulgados em cinco anos.
Portas vai averiguar se crimes foram «apagados»
Bravo Serra adiantou que o Ministério da Justiça já entrou em contacto com o CSM, informando que vai implementar um novo sistema informático. Segundo o vice-presidente do CSM, o novo sistema informático, que se vai chamar Citius Plus, «vai ultrapassar essas dificuldades».
Bravo Serra defendeu que, além dos dados estarem inseridos no sistema informático, também tem de existir suporte em papel, recordando a deliberação de Março do CSM nesse sentido.
«Se houvesse esse suporte em papel, o mesmo risco de um eventual apagão definitivo, que eu não acredito que agora aconteça definitivamente, seria muito minimizado»,
«É uma questão técnica, de software e de hardware, que existe no actual sistema Citius», disse aos jornalistas Bravo Serra, antes de entrar para uma audição na Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
O vice-presidente do CSM reagia à notícia do Diário de Notícias que dá conta do desaparecimento, num mês, de 14 721 crimes com recurso a armas de fogo da base de dados do Ministério da Justiça. Os crimes «apagados» correspondem a mais de metade dos registados e divulgados em cinco anos.
Portas vai averiguar se crimes foram «apagados»
Bravo Serra adiantou que o Ministério da Justiça já entrou em contacto com o CSM, informando que vai implementar um novo sistema informático. Segundo o vice-presidente do CSM, o novo sistema informático, que se vai chamar Citius Plus, «vai ultrapassar essas dificuldades».
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«Se houvesse esse suporte em papel, o mesmo risco de um eventual apagão definitivo, que eu não acredito que agora aconteça definitivamente, seria muito minimizado»,
TRIBUNAL DE JÚRI EM MEIA CENTENA DE PROCESSSOS POR ANO
Tribunais recebem por ano 50 casos decididos pelo povo > DN
Viana do Castelo. Caso do assalto ao Museu do Ouro será julgado por um Tribunal de Júri
Quatro cidadãos de Viana do Castelo vão ser chamados em Setembro a integrar o julgamento dos suspeitos do violento assalto ao Museu do Ouro, tendo, em conjunto, até mais peso na decisão final do que os três juízes que integrarão o Tribunal de Júri. Esta forma de julgamento, utilizada todos os anos em cerca de meia centena de casos em Portugal, foi solicitada pela defesa do ourives assaltado em 2007, num caso que envolveu uma morte e troca de tiros dos assaltantes com agentes da PSP, e agora autorizada pelo Tribunal.
Segundo dados avançados ao DN pelo Ministério da Justiça, em 2008 terminaram 15 julgamento envolvendo jurados e, desde esse ano, ainda decorrem mais 36. Já no ano anterior, os Tribunais portugueses viram terminar 25 casos com jurados e ainda hoje decorrem 35. Ou seja, todos os anos, são pouco mais de meia centena de casos que, a pedido dos assistentes, chegam a Tribunal de Júri.
Uma forma de julgamento em que, segundo especialistas ouvidos pelo DN, a opinião dos juízes pode ter tendência a prevalecer, apesar de estarem em minoria, mas tendo em conta a falta de experiência legal destes jurados.
Assim, segundo a legislação em vigor, de toda a população recenseada no concelho de Viana do Castelo, comarca em que acontecerem os factos, serão seleccionados aleatoriamente cem eleitores, com menos de 65 anos, o que acontecerá já a 28 de Maio. Estes seleccionados responderão depois a um inquérito do Tribunal cabendo ao juiz presidente eliminar os que não cumprirem requisitos como ausência de problemas de saúde, de antecedentes criminais, não desempenharem funções nos tribunais ou forças de segurança e terem interesse directo no processo. Dos seleccionáveis, todos com habilitações mínimas ao nível da escolaridade obrigatória, restarão 18 candidatos.
Sobre este lote quase final, advogados e Ministério Público serão chamados a pronunciarem-se podendo vetar, sem apresentar motivos, dois candidatos. Por último, o Juiz presidente escolhe quatro elementos efectivos e quatro suplentes.
Os quatro jurados passarão a integrar o Colectivo, composto ainda por três juízes, estando assim em maioria, tendo em conta que a decisão sobre a sentença é tomada por maioria simples, cabendo ao Jurado decidir a pena. O julgamento começa a 15 de Setembro.
> Publicado no Diário de Notícias a 16 de Junho de 2010, por Paulo Julião
Viana do Castelo. Caso do assalto ao Museu do Ouro será julgado por um Tribunal de Júri
Quatro cidadãos de Viana do Castelo vão ser chamados em Setembro a integrar o julgamento dos suspeitos do violento assalto ao Museu do Ouro, tendo, em conjunto, até mais peso na decisão final do que os três juízes que integrarão o Tribunal de Júri. Esta forma de julgamento, utilizada todos os anos em cerca de meia centena de casos em Portugal, foi solicitada pela defesa do ourives assaltado em 2007, num caso que envolveu uma morte e troca de tiros dos assaltantes com agentes da PSP, e agora autorizada pelo Tribunal.
Segundo dados avançados ao DN pelo Ministério da Justiça, em 2008 terminaram 15 julgamento envolvendo jurados e, desde esse ano, ainda decorrem mais 36. Já no ano anterior, os Tribunais portugueses viram terminar 25 casos com jurados e ainda hoje decorrem 35. Ou seja, todos os anos, são pouco mais de meia centena de casos que, a pedido dos assistentes, chegam a Tribunal de Júri.
Uma forma de julgamento em que, segundo especialistas ouvidos pelo DN, a opinião dos juízes pode ter tendência a prevalecer, apesar de estarem em minoria, mas tendo em conta a falta de experiência legal destes jurados.
Assim, segundo a legislação em vigor, de toda a população recenseada no concelho de Viana do Castelo, comarca em que acontecerem os factos, serão seleccionados aleatoriamente cem eleitores, com menos de 65 anos, o que acontecerá já a 28 de Maio. Estes seleccionados responderão depois a um inquérito do Tribunal cabendo ao juiz presidente eliminar os que não cumprirem requisitos como ausência de problemas de saúde, de antecedentes criminais, não desempenharem funções nos tribunais ou forças de segurança e terem interesse directo no processo. Dos seleccionáveis, todos com habilitações mínimas ao nível da escolaridade obrigatória, restarão 18 candidatos.
Sobre este lote quase final, advogados e Ministério Público serão chamados a pronunciarem-se podendo vetar, sem apresentar motivos, dois candidatos. Por último, o Juiz presidente escolhe quatro elementos efectivos e quatro suplentes.
Os quatro jurados passarão a integrar o Colectivo, composto ainda por três juízes, estando assim em maioria, tendo em conta que a decisão sobre a sentença é tomada por maioria simples, cabendo ao Jurado decidir a pena. O julgamento começa a 15 de Setembro.
> Publicado no Diário de Notícias a 16 de Junho de 2010, por Paulo Julião
FILHO DE JORGE PERESTRELO É ACTOR PORNO
Jovem acredita que se o pai estivesse vivo o apoiaria na sua profissão
Filho de Jorge Perestrelo é actor porno
15-06-2010
Pedro Perestrelo, filho do falecido locutor desportivo Jorge Perestrelo – o homem da rádio que ficou conhecido pela expressão ‘Ripa na Rapaqueca’ –, é actor de filmes pornográficos.
Fique a saber mais na edição desta terça-feira do jornal 'Correio da Manhã'.
Miguel Azevedo
O TRIBUNAL DE CONTAS E A CRISE
"Responsabilidades têm de ser claras" > Expresso
O presidente do Tribunal de Contas assume que uma das suas prioridades é promover mudanças no Código dos Contratos Públicos, consagrando, entre outros aspectos, uma maior responsabilização dos gestores públicos. Guilherme d'01iveira Martins alerta: tem de haver cuidados redobrados na concepção dos projectos e no lançamento dos concursos para que a evocação dos erros e omissões nas obras não se banalize.
- O lema do Tribunal de Contas é 'ajudar o Estado e a sociedade a gastar melhor'. O Estado tem feito tudo menos gastar bem?
- Tem havido uma crescente eficácia no controlo das contas públicas ao longo dos anos. E da parte da sociedade e da opinião pública há uma crescente tomada de consciência de que o dinheiro é dos contribuintes e tem de ser sujeito a um controlo redobrado.
- Numa altura de crise como a que estamos a viver, os Tribunais de Contas assumem uma importância crescente.
- O Tribunal de Contas tem tido uma inserção muito significativa em termos internacionais, na organização europeia dos tribunais de contas, o Eurorai, cuja presidência vamos assumir em 2011. Fomos dos que defendemos, quando os primeiros sinais da crise se revelaram, que era indispensável uma coordenação maior entre Estados para que o governo económico fosse uma realidade. Em Portugal, a lei de 2006 veio na altura própria pois os instrumentos de que dispúnhamos, em particular para o controlo do endividamento das regiões e autarquias, era limitado e foi reforçado.
- Esse reforço da legislação é satisfatório ou há necessidade de alterar alguma coisa?
- É satisfatório. Sobretudo dá um sinal de que todo o dinheiro público, onde quer que seja, deve ser sujeito ao escrutínio no Tribunal. Desde 2006 podemos julgar entidades privadas, cidadãos que tendo recebido subsídios do Estado o utilizam diferentemente daquilo para que foram destinados.
- O Tribunal de Contas tem os meios adequados para cumprir o seu papel?
- Tem. O Tribunal de Contas é no contexto do Estado uma das unidades mais qualificadas. Quando cheguei ao Tribunal tínhamos cerca de 600 funcionários e hoje temos cerca de 550 mas o perfil técnico e de qualificações subiu.
- Quantas entidades privadas foram alvo de processos por terem usado indevidamente dinheiros públicos?
- Não temos entidades privadas que tenham sido já julgadas e responsabilizadas, mas essa legislação teve um efeito dissuasor que se nota num crescente cumprimento de sanções de forma voluntária. Nos últimos dois anos aumentou significativamente a eficácia sancionatória do Tribunal. Estamos a falar de aumentos de 200% a 300% na aplicação de sanções. A eficácia aumentou pela melhoria da legislação e da articulação com o Ministério Público.
- O que destaca como mais relevante no relatório de auditoria aos contratos adidopais, divulgado na semana passada?
- É um relatório inédito, onde é feito o levantamento da aplicação do Código dos Contratos Públicos no que se refere aos contratos adicionais. Trata-se de 1607 adicionais a contratos de empreitadas entre Setembro de 2006 e Junho de 2008. O relatório diz-nos que os desvios, as chamadas derrapagens, se devem sobretudo à revisão de preços e à demora na execução dos projectos e na concretização dos contratos. Relativamente aos contratos adicionais, em 17% dos casos o acréscimo de custos foi superior a 20% do valor inicial e apenas 7% das situações corresponderam a um aumento de custos próximos do limite legal de 25%.
- O que é preocupante...
- Aqui temos um alerta: talvez o limite de 25% face à realidade seja muito generoso porque se só 7% das situações se aproximam deste limite é essencial perceber como é que o novo limite de 25% não poderá induzir uma maior dimensão dos desvios através dos contratos adicionais. Concluímos assim que os contratos adicionais geram desvios menores do que estávamos à espera.
- E em relação aos erros e omissões passa-se o mesmo?
- Outro aspecto que destacamos é o suprimento de erros e omissões. São necessários cuidados redobrados em relação à concepção dos projectos e ao lançamento dos concursos, para garantir que a evocação dos erros e omissões não se banalize. E há esse risco. É indispensável que o regime relativo aos erros e omissões seja mais exigente e rigoroso.
- Como é que essa exigência se pode materializar?
- É necessário haver uma responsabilização maior dos dirigentes, dos gestores, para sabermos aquilo que é a responsabilidade do projecto e aquilo que é a responsabilidade do empreiteiro. A nossa preocupação é responder à pergunta: a quem cabe o quê? Há uma certa difusão da responsabilidade e é indispensável que a responsabilidade fique clara.
Acredito que há circunstâncias excepcionais, naturalmente pode haver erros e omissões mas temos que ver se essas circunstâncias são verdadeiramente cionais. Apenas em 20% dos casos analisados havia mesmo circunstâncias imprevistas na realização dos trabalhos. Os restantes estão desconformes com a lei.
- A que se devem mais os desvios e derrapagens?
- Muitas vezes é o projecto que tem fragilidades. Quando se lança o concurso há logo fragilidades que estão patentes e são essas que têm de ser evitadas.
- Que apreciação faz do Código dos Contratos Públicos?
- Este código é muito positivo. Acontece, porém, que num balanço sereno podemos concluir que há aperfeiçoamentos a introduzir para que o Código tenha maior eficácia.
- Acredita que o Parlamento vai avançar com esses aperfeiçoamentos?
- Os dados são claríssimos. Se temos um Código que constituí um passo positivo devemos dar todos os passos complementares para que ele seja um factor de rigor e de disciplina para melhorar a utilização do dinheiro público.
"É preciso um cuidado extremo ao lançar concursos"
Guilherme d'Oliveira Martins recusa a ideia de que esteja a "pregar no deserto". E garante que as recomendações são ouvidas
"Há um maior sentido de responsabilidade nas empresas do Estado", afirma Guilherme d'Oliveira Martins. Mas ainda há um longo caminho a percorrer para que os seus gestores possam ser bons exemplos de aplicação de dinheiros públicos. "Há situações muito diferentes. E isso tem ficado bem evidente em relatórios que temos feito, designadamente num sector que nos preocupa muito, o dos transportes".
O presidente do Tribunal de Contas considera, por outro lado, que "a crise vai obrigar a que no sector empresarial do Estado se introduzam elementos cada vez mais exigentes na utilização dos dinheiros públicos. Há uma maior eficácia dos mecanismos de controlo, designadamente através da acção do Tribunal de Contas".
Oliveira Martins refere, por outro lado, que a tendência geral é para que as entidades fiscalizadas pelo Tribunal de Contas corrijam total ou parcialmente os problemas detectados nas auditorias. Recusa assim a ideia de que ande a 'pregar no deserto'.
"No último parecer sobre a Conta Geral do Estado detectou-se que 80% das recomendações do Tribunal de Contas tinham sido cumpridas total ou parcialmente e que no ano anterior esse nível tinha atingido os 60%", afirma.
Quanto às queixas de algumas entidades de que há um desfasamento grande entre as análises do Tribunal de Contas e a realidade do momento em que os relatórios são divulgados, diz estar consciente do problema. Há casos mesmo de empresas, como a Águas de Portugal, que dizem que a sua reputação ficou manchada pela análise do Tribunal porque quando ela foi tornada pública, alguns dos problemas identificados já estavam corrigidos. "Com o tempo temos aproximado as nossas auditorias do momento presente. Por isso é que hoje as auditorias, quando são iniciadas, são-no relativamente a exercícios próximos e não a exercícios distantes. Como instituição responsável, tiramos sempre lições, positivas ou negativas, daquilo que fazemos.
Uma das nossas preocupações é a actualidade e a pertinência, que são hoje uma prioridade". Outra das questões que têm levantado polémica é a do chumbo dos contratos da concessão de estradas, determinado pelo agravamento dos custos da primeira para a segunda fase. Esta semana o Tribunal de Contas deu luz-verde à concessão do Baixo Tejo, mas ainda há casos em que o processo está bloqueado. Que lição se pode tirar desse processo? "A lição fundamental que temos de tirar é que sempre que a lei for cumprida, o Tribunal de Contas emite os vistos com naturalidade. Mas não houve prejuízos para a economia nacional, os mecanismos legais funcionaram e houve reforma dos contratos, o que levou a que alguns já tenham sido viabilizados", afirma. Oliveira Martins defende que "é fundamental um cuidado extremo no lançamento dos concursos.
É o momento em que tudo tem de ficar claro". O Tribunal de Contas está a analisar todas as medidas antícrise que foram tomadas. "Entendemos que essas medidas têm de ser articuladas com os objectivos estruturais da União Europeia", afirma.
> Publicado no jornal Expresso a 12 de Junho de 2010, por Isabel Vicente e Pedro Lima
O presidente do Tribunal de Contas assume que uma das suas prioridades é promover mudanças no Código dos Contratos Públicos, consagrando, entre outros aspectos, uma maior responsabilização dos gestores públicos. Guilherme d'01iveira Martins alerta: tem de haver cuidados redobrados na concepção dos projectos e no lançamento dos concursos para que a evocação dos erros e omissões nas obras não se banalize.
- O lema do Tribunal de Contas é 'ajudar o Estado e a sociedade a gastar melhor'. O Estado tem feito tudo menos gastar bem?
- Tem havido uma crescente eficácia no controlo das contas públicas ao longo dos anos. E da parte da sociedade e da opinião pública há uma crescente tomada de consciência de que o dinheiro é dos contribuintes e tem de ser sujeito a um controlo redobrado.
- Numa altura de crise como a que estamos a viver, os Tribunais de Contas assumem uma importância crescente.
- O Tribunal de Contas tem tido uma inserção muito significativa em termos internacionais, na organização europeia dos tribunais de contas, o Eurorai, cuja presidência vamos assumir em 2011. Fomos dos que defendemos, quando os primeiros sinais da crise se revelaram, que era indispensável uma coordenação maior entre Estados para que o governo económico fosse uma realidade. Em Portugal, a lei de 2006 veio na altura própria pois os instrumentos de que dispúnhamos, em particular para o controlo do endividamento das regiões e autarquias, era limitado e foi reforçado.
- Esse reforço da legislação é satisfatório ou há necessidade de alterar alguma coisa?
- É satisfatório. Sobretudo dá um sinal de que todo o dinheiro público, onde quer que seja, deve ser sujeito ao escrutínio no Tribunal. Desde 2006 podemos julgar entidades privadas, cidadãos que tendo recebido subsídios do Estado o utilizam diferentemente daquilo para que foram destinados.
- O Tribunal de Contas tem os meios adequados para cumprir o seu papel?
- Tem. O Tribunal de Contas é no contexto do Estado uma das unidades mais qualificadas. Quando cheguei ao Tribunal tínhamos cerca de 600 funcionários e hoje temos cerca de 550 mas o perfil técnico e de qualificações subiu.
- Quantas entidades privadas foram alvo de processos por terem usado indevidamente dinheiros públicos?
- Não temos entidades privadas que tenham sido já julgadas e responsabilizadas, mas essa legislação teve um efeito dissuasor que se nota num crescente cumprimento de sanções de forma voluntária. Nos últimos dois anos aumentou significativamente a eficácia sancionatória do Tribunal. Estamos a falar de aumentos de 200% a 300% na aplicação de sanções. A eficácia aumentou pela melhoria da legislação e da articulação com o Ministério Público.
- O que destaca como mais relevante no relatório de auditoria aos contratos adidopais, divulgado na semana passada?
- É um relatório inédito, onde é feito o levantamento da aplicação do Código dos Contratos Públicos no que se refere aos contratos adicionais. Trata-se de 1607 adicionais a contratos de empreitadas entre Setembro de 2006 e Junho de 2008. O relatório diz-nos que os desvios, as chamadas derrapagens, se devem sobretudo à revisão de preços e à demora na execução dos projectos e na concretização dos contratos. Relativamente aos contratos adicionais, em 17% dos casos o acréscimo de custos foi superior a 20% do valor inicial e apenas 7% das situações corresponderam a um aumento de custos próximos do limite legal de 25%.
- O que é preocupante...
- Aqui temos um alerta: talvez o limite de 25% face à realidade seja muito generoso porque se só 7% das situações se aproximam deste limite é essencial perceber como é que o novo limite de 25% não poderá induzir uma maior dimensão dos desvios através dos contratos adicionais. Concluímos assim que os contratos adicionais geram desvios menores do que estávamos à espera.
- E em relação aos erros e omissões passa-se o mesmo?
- Outro aspecto que destacamos é o suprimento de erros e omissões. São necessários cuidados redobrados em relação à concepção dos projectos e ao lançamento dos concursos, para garantir que a evocação dos erros e omissões não se banalize. E há esse risco. É indispensável que o regime relativo aos erros e omissões seja mais exigente e rigoroso.
- Como é que essa exigência se pode materializar?
- É necessário haver uma responsabilização maior dos dirigentes, dos gestores, para sabermos aquilo que é a responsabilidade do projecto e aquilo que é a responsabilidade do empreiteiro. A nossa preocupação é responder à pergunta: a quem cabe o quê? Há uma certa difusão da responsabilidade e é indispensável que a responsabilidade fique clara.
Acredito que há circunstâncias excepcionais, naturalmente pode haver erros e omissões mas temos que ver se essas circunstâncias são verdadeiramente cionais. Apenas em 20% dos casos analisados havia mesmo circunstâncias imprevistas na realização dos trabalhos. Os restantes estão desconformes com a lei.
- A que se devem mais os desvios e derrapagens?
- Muitas vezes é o projecto que tem fragilidades. Quando se lança o concurso há logo fragilidades que estão patentes e são essas que têm de ser evitadas.
- Que apreciação faz do Código dos Contratos Públicos?
- Este código é muito positivo. Acontece, porém, que num balanço sereno podemos concluir que há aperfeiçoamentos a introduzir para que o Código tenha maior eficácia.
- Acredita que o Parlamento vai avançar com esses aperfeiçoamentos?
- Os dados são claríssimos. Se temos um Código que constituí um passo positivo devemos dar todos os passos complementares para que ele seja um factor de rigor e de disciplina para melhorar a utilização do dinheiro público.
"É preciso um cuidado extremo ao lançar concursos"
Guilherme d'Oliveira Martins recusa a ideia de que esteja a "pregar no deserto". E garante que as recomendações são ouvidas
"Há um maior sentido de responsabilidade nas empresas do Estado", afirma Guilherme d'Oliveira Martins. Mas ainda há um longo caminho a percorrer para que os seus gestores possam ser bons exemplos de aplicação de dinheiros públicos. "Há situações muito diferentes. E isso tem ficado bem evidente em relatórios que temos feito, designadamente num sector que nos preocupa muito, o dos transportes".
O presidente do Tribunal de Contas considera, por outro lado, que "a crise vai obrigar a que no sector empresarial do Estado se introduzam elementos cada vez mais exigentes na utilização dos dinheiros públicos. Há uma maior eficácia dos mecanismos de controlo, designadamente através da acção do Tribunal de Contas".
Oliveira Martins refere, por outro lado, que a tendência geral é para que as entidades fiscalizadas pelo Tribunal de Contas corrijam total ou parcialmente os problemas detectados nas auditorias. Recusa assim a ideia de que ande a 'pregar no deserto'.
"No último parecer sobre a Conta Geral do Estado detectou-se que 80% das recomendações do Tribunal de Contas tinham sido cumpridas total ou parcialmente e que no ano anterior esse nível tinha atingido os 60%", afirma.
Quanto às queixas de algumas entidades de que há um desfasamento grande entre as análises do Tribunal de Contas e a realidade do momento em que os relatórios são divulgados, diz estar consciente do problema. Há casos mesmo de empresas, como a Águas de Portugal, que dizem que a sua reputação ficou manchada pela análise do Tribunal porque quando ela foi tornada pública, alguns dos problemas identificados já estavam corrigidos. "Com o tempo temos aproximado as nossas auditorias do momento presente. Por isso é que hoje as auditorias, quando são iniciadas, são-no relativamente a exercícios próximos e não a exercícios distantes. Como instituição responsável, tiramos sempre lições, positivas ou negativas, daquilo que fazemos.
Uma das nossas preocupações é a actualidade e a pertinência, que são hoje uma prioridade". Outra das questões que têm levantado polémica é a do chumbo dos contratos da concessão de estradas, determinado pelo agravamento dos custos da primeira para a segunda fase. Esta semana o Tribunal de Contas deu luz-verde à concessão do Baixo Tejo, mas ainda há casos em que o processo está bloqueado. Que lição se pode tirar desse processo? "A lição fundamental que temos de tirar é que sempre que a lei for cumprida, o Tribunal de Contas emite os vistos com naturalidade. Mas não houve prejuízos para a economia nacional, os mecanismos legais funcionaram e houve reforma dos contratos, o que levou a que alguns já tenham sido viabilizados", afirma. Oliveira Martins defende que "é fundamental um cuidado extremo no lançamento dos concursos.
É o momento em que tudo tem de ficar claro". O Tribunal de Contas está a analisar todas as medidas antícrise que foram tomadas. "Entendemos que essas medidas têm de ser articuladas com os objectivos estruturais da União Europeia", afirma.
> Publicado no jornal Expresso a 12 de Junho de 2010, por Isabel Vicente e Pedro Lima
PORTUGAL HÁ 25 ANOS ATRÁS
Portugal e o Mundo Éramos assim há 25 anos > Expresso
País desconfiado Na semana em que, finalmente, se assinava nos Jerónimos o tratado de adesão à CEE, só 40% dos portugueses acreditavam — mesmo — que o país conseguiria cumprir as obrigações necessárias para ter acesso à Europa. À sondagem publicada no Expresso juntavam-se os argumentos do PCP, único partido parlamentar que se opunha veementemente à adesão europeia. Esta "colossal burla política", segundo Álvaro Cunhal, ou a desconfiança intrínseca face ao 'estrangeiro' — a que o país sempre esteve de costas voltadas — acentuam esta aparente indiferença. Em plena crise política, com a queda do Governo do Bloco Central, os portugueses tinham bastante com que se entreter.
Os jornais seguiam a novela das zangas entre Mário Soares, primeiro-ministro, e Cavaco Silva, eleito de surpresa no recente congresso da Figueira da Foz e que pôs fim ao Governo de coligação. Inimigos políticos desde o princípio, Cavaco acusava Soares de "má fé" e de "oportunismo". O líder do PS pediu uma trégua para a assinatura do tratado, mas no dia seguinte à cerimónia dos Jerónimos já falava ao país através da televisão para esgrimir argumentos contra essa "bravata de afirmação pessoal" que levava o PSD a "abrir uma crise grave com pesadíssimas consequências nacionais". Ramalho Eanes, em final de mandato presidencial, tecia em Belém uma solução política. Lourdes Pintasilgo e Freitas do Amaral anunciam a candidatura e aproveitam a instabilidade para arrecadar adeptos.
Sinais de mudança de protagonistas fazem-se sentir, também, por todo o mundo. Ronald Reagan, Presidente dos EUA, visita Portugal em Maio, encontra-se com "o impressionante Soares", esse "furioso anticomunista" — como revelaria mais tarde nas suas memórias — e o processo de esvaziamento da esfera de influência da União Soviética começa a dar passos significativos. A chegada ao poder de Gorbatchov dá uma ajuda de leão à tarefa de abrir uma brecha na cortina de ferro que dividia a Europa e o mundo. No Vaticano, o polaco Karol Wojtyla traz ao pontificado um carácter de maratona pelo mundo e torna claro o apoio aos pequenos sinais de resistência que surgem com a greve nos estaleiros de Gdansk, fortemente reprimida pelo Governo pró-soviético.
Nós por cá todos bem, continuamos a manter a tradição de ficar com os últimos lugares do Festival Eurovisão da Canção. As esperanças em Adelaide Ferreira eram grandes, mas a desilusão a do costume. A televisão — com a RTPl e 2 que garantem em conjunto apenas 17 horas de emissão diárias — é o centro do interesse nacional. Margarida Marante é a estrela das entrevistas políticas, o "Top Disco" divulga o hit 'We are the World' e o país assiste, com demasiada simpatia e compreensão, aos preparativos dos julgamentos do ano: de D. Branca, a banqueira do povo, e de Otelo Saraiva Carvalho e das FP-25.
Modernices a sério só mesmo as gigantescas parabólicas que dão a alguns privilegiados a oportunidade de ver o máximo de 12 canais estrangeiros ou o ZX Spectrum com que os miúdos conseguem abrir — a custo — os primeiros jogos electrónicos. A modernização do país faz-se lentamente, abre-se concurso para 38 km da auto-estrada Lisboa/Porto e constroem-se as torres das Amoreiras, "o maior centro comercial da Europa". Mas, no fundo, no fundo, o país continua igual.
As críticas ao arquitecto Taveira são arrasadoras, junta-se um coro de vozes contra "o mamarracho" que ia "desfigurar Lisboa". As modernices continuam a pagar-se caro. Quando a Cinemateca exibe "Je vous salue, Marre", é o próprio presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Krus Abecassis, quem lidera a cruzada contra o filme. Promete "escaqueirar tudo", mas, desta vez, não cumpriu.
> Publicado no jornal Expresso a 12 de Junho de 2010
País desconfiado Na semana em que, finalmente, se assinava nos Jerónimos o tratado de adesão à CEE, só 40% dos portugueses acreditavam — mesmo — que o país conseguiria cumprir as obrigações necessárias para ter acesso à Europa. À sondagem publicada no Expresso juntavam-se os argumentos do PCP, único partido parlamentar que se opunha veementemente à adesão europeia. Esta "colossal burla política", segundo Álvaro Cunhal, ou a desconfiança intrínseca face ao 'estrangeiro' — a que o país sempre esteve de costas voltadas — acentuam esta aparente indiferença. Em plena crise política, com a queda do Governo do Bloco Central, os portugueses tinham bastante com que se entreter.
Os jornais seguiam a novela das zangas entre Mário Soares, primeiro-ministro, e Cavaco Silva, eleito de surpresa no recente congresso da Figueira da Foz e que pôs fim ao Governo de coligação. Inimigos políticos desde o princípio, Cavaco acusava Soares de "má fé" e de "oportunismo". O líder do PS pediu uma trégua para a assinatura do tratado, mas no dia seguinte à cerimónia dos Jerónimos já falava ao país através da televisão para esgrimir argumentos contra essa "bravata de afirmação pessoal" que levava o PSD a "abrir uma crise grave com pesadíssimas consequências nacionais". Ramalho Eanes, em final de mandato presidencial, tecia em Belém uma solução política. Lourdes Pintasilgo e Freitas do Amaral anunciam a candidatura e aproveitam a instabilidade para arrecadar adeptos.
Sinais de mudança de protagonistas fazem-se sentir, também, por todo o mundo. Ronald Reagan, Presidente dos EUA, visita Portugal em Maio, encontra-se com "o impressionante Soares", esse "furioso anticomunista" — como revelaria mais tarde nas suas memórias — e o processo de esvaziamento da esfera de influência da União Soviética começa a dar passos significativos. A chegada ao poder de Gorbatchov dá uma ajuda de leão à tarefa de abrir uma brecha na cortina de ferro que dividia a Europa e o mundo. No Vaticano, o polaco Karol Wojtyla traz ao pontificado um carácter de maratona pelo mundo e torna claro o apoio aos pequenos sinais de resistência que surgem com a greve nos estaleiros de Gdansk, fortemente reprimida pelo Governo pró-soviético.
Nós por cá todos bem, continuamos a manter a tradição de ficar com os últimos lugares do Festival Eurovisão da Canção. As esperanças em Adelaide Ferreira eram grandes, mas a desilusão a do costume. A televisão — com a RTPl e 2 que garantem em conjunto apenas 17 horas de emissão diárias — é o centro do interesse nacional. Margarida Marante é a estrela das entrevistas políticas, o "Top Disco" divulga o hit 'We are the World' e o país assiste, com demasiada simpatia e compreensão, aos preparativos dos julgamentos do ano: de D. Branca, a banqueira do povo, e de Otelo Saraiva Carvalho e das FP-25.
Modernices a sério só mesmo as gigantescas parabólicas que dão a alguns privilegiados a oportunidade de ver o máximo de 12 canais estrangeiros ou o ZX Spectrum com que os miúdos conseguem abrir — a custo — os primeiros jogos electrónicos. A modernização do país faz-se lentamente, abre-se concurso para 38 km da auto-estrada Lisboa/Porto e constroem-se as torres das Amoreiras, "o maior centro comercial da Europa". Mas, no fundo, no fundo, o país continua igual.
As críticas ao arquitecto Taveira são arrasadoras, junta-se um coro de vozes contra "o mamarracho" que ia "desfigurar Lisboa". As modernices continuam a pagar-se caro. Quando a Cinemateca exibe "Je vous salue, Marre", é o próprio presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Krus Abecassis, quem lidera a cruzada contra o filme. Promete "escaqueirar tudo", mas, desta vez, não cumpriu.
> Publicado no jornal Expresso a 12 de Junho de 2010
TRIBUNAL CONDENA UTENTE COM ALZHEIMER
Doente há perto de 20 anos, Purificação Lenho usufruiu de benefícios fiscais por ter doenças crónicas e irreversíveis. Agora, o tribunal diz que não é bem assim e, só de 2003, quer que a família devolve cinco mil euros às Finanças.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga condenou uma ex enfermeira com as doenças de Alzheimer e Crohn, acamada há vários anos e internada numa residência para idosos, a pagar quase cinco mil euros e liquidação adicional de IRS, referente a 2003.
Maria da Purificação Lenho, de 77 anos, vivia em Viana do Castelo até ficar totalmente dependente. A filha apresentou, em 1996, nas Finanças de Viana, um atestado médico emitido pela Sub-Região de Saúde onde era comprovada a Maria da Purificação uma "incapacidade superior a 60%". "Infelizmente, a minha mãe está doente e tem piorado mas, para as Finanças e para a juíza que a condenou, ela tanto está doente como já está com saúde. Embora todas as doenças de que padece sejam degenerativas e crónicas", disse Patrícia Lenho.
O atestado médico entregue pela família foi considerado "adequado e capaz para justificar a aplicação dos benefícios fiscais previsto no artigo 16, do Estatuto dos Benefícios Fiscais". Uma inspecção interna das Finanças decidiu pedir novos pareces clínicos referentes a 2003,2004 e 2005, "esclarecendo que o atestado apresentado em 1996 não constituía prova bastante da incapacidade declarada" por não ter sido passado de acordo com a legislação, retirando os benefícios fiscais anteriormente adquiridos e reconfirmados em 2008, numa nova junta médica, que atribuiu à doente uma incapacidade de 85%, também com carácter definitivo.
A família impugnou a devolução dos "benefícios fiscais" e o caso foi agora decidido pelo Tribunal Fiscal de Braga. Na decisão, a juíza afirma que a doença de que padecia Maria da Purificação "poderia ter diminuído por melhoria natural" ou "por evolução dos meios técnicos de correcção".
> Publicado no Jornal de Notícias a 12 de Junho de 2010
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga condenou uma ex enfermeira com as doenças de Alzheimer e Crohn, acamada há vários anos e internada numa residência para idosos, a pagar quase cinco mil euros e liquidação adicional de IRS, referente a 2003.
Maria da Purificação Lenho, de 77 anos, vivia em Viana do Castelo até ficar totalmente dependente. A filha apresentou, em 1996, nas Finanças de Viana, um atestado médico emitido pela Sub-Região de Saúde onde era comprovada a Maria da Purificação uma "incapacidade superior a 60%". "Infelizmente, a minha mãe está doente e tem piorado mas, para as Finanças e para a juíza que a condenou, ela tanto está doente como já está com saúde. Embora todas as doenças de que padece sejam degenerativas e crónicas", disse Patrícia Lenho.
O atestado médico entregue pela família foi considerado "adequado e capaz para justificar a aplicação dos benefícios fiscais previsto no artigo 16, do Estatuto dos Benefícios Fiscais". Uma inspecção interna das Finanças decidiu pedir novos pareces clínicos referentes a 2003,2004 e 2005, "esclarecendo que o atestado apresentado em 1996 não constituía prova bastante da incapacidade declarada" por não ter sido passado de acordo com a legislação, retirando os benefícios fiscais anteriormente adquiridos e reconfirmados em 2008, numa nova junta médica, que atribuiu à doente uma incapacidade de 85%, também com carácter definitivo.
A família impugnou a devolução dos "benefícios fiscais" e o caso foi agora decidido pelo Tribunal Fiscal de Braga. Na decisão, a juíza afirma que a doença de que padecia Maria da Purificação "poderia ter diminuído por melhoria natural" ou "por evolução dos meios técnicos de correcção".
> Publicado no Jornal de Notícias a 12 de Junho de 2010
Thursday, 10 June 2010
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