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Monday, 23 December 2013

JAIME NOGUEIRA PINTO: "FOI-SE LONGE DEMAIS NA DIABOLOZAÇÃO DO ESTADO NOVO"

 
 
Académico defende que o 25 de Abril promoveu uma ruptura mais forte que a passagem da monarquia para a República
 
Sendo o nacionalismo um pensamento político em vias de extinção em Portugal desde o 25 de Abril, Jaime Nogueira Pinto é uma espécie de ave rara entre os nossos intelectuais. Autor de uma vasta obra, regressa aos temas históricos depois de se ter estreado nas lides literárias com o seu primeiro romance e de ter publicado o assombroso "Ideologia e Razão de Estado - Uma História do Poder". O novo livro, intitulado "Portugal - Ascensão e Queda" (Ed. D. Quixote), em que Nogueira Pinto faz um resumo das ideias políticas que marcaram a história de Portugal, foi o ponto de partida da conversa com o i. Homem de direita e conhecido apoiante do Estado Novo, o que o levou ao exílio a seguir ao 25 de Abril, o académico tem uma visão politicamente incorrecta da história - que se acentua à medida que se aproxima dos temas e acontecimentos contemporâneos.

Se a ascensão do país começa com as descobertas, a queda inicia-se quando?

Não se pode dizer que há só uma ascensão e só uma queda. Tivemos de facto um ciclo de ascensão, que começa com a guerra da independência, com o infante D. Henrique, a dinastia de Avis toda, e depois as navegações: primeiro a costa ocidental africana, depois o dobrar do cabo da Boa Esperança e a viagem de Vasco da Gama. De seguida vêm as conquistas. Afonso de Albuquerque, a figura mais simbólica desse império, morre em 1515 depois de conquistar os pontos principais do Índico. Aguentámos no século xvi - ganhámos aqui, perdemos acolá. Não há dúvida de que tivemos grandes progressos na colonização do Brasil, mas em contrapartida tivemos altos e baixos na Índia. E depois com a expedição de Alcácer Quibir e o seu mau sucesso perdemos a independência e voltámos ao zero político. E isso passa a ter consequências, até porque os inimigos de Espanha passam a ser nossos também, o que até aí não acontecia, uma vez que Portugal nasceu contra Espanha e portanto os seus inimigos costumavam ser os nossos aliados. Passámos a ter os ingleses, os franceses e os holandeses contra nós e os espanhóis, tendo de escolher os seus próprios territórios ou os de Portugal - mesmo sendo nessa altura deles -, protegiam os deles. Perdemos o Brasil, Angola e uma parte substancial da Índia e do Oriente. Destes últimos praticamente não recuperámos nenhum, o Brasil e Angola recuperámos já depois da Restauração. Mas é muito interessante que quem recupera Angola são os portugueses do Brasil. A partir da Restauração temos uma nova subida, que se intensificou com a vitória da guerra da independência. Há uma figura notabilíssima que é uma espécie de resumo disto tudo: o padre António Vieira. É um continuador, uma figura com um relevo grande, um homem de sete instrumentos, que vive quase 90 anos. É um homem que, após ser missionário no Brasil, corre a Europa toda com ideias fantásticas e tem a ideia de criar em Portugal uma companhia majestática para explorar o comércio marítimo e negociar com os judeus portugueses e com os cristãos- -novos fugidos para a Holanda o regresso dos capitais a troco da liberdade religiosa.

O que a Holanda estava a fazer...

Sim, era isso que a Holanda estava a fazer com as suas companhias. Temos depois disso uns períodos complicados e no século xviii - já tínhamos tido a grande fortuna da pimenta da Índia e a grande fortuna do açúcar do Brasil - vem o ouro e os diamantes do Brasil, que curiosamente não deixam muito por cá, porque se gasta muito dessa fortuna a defender os territórios. Os nossos principais autores do século xix, como o Oliveira Martins, criticavam muito o facto de não termos imperialismo como os outros. Não explorávamos economicamente as coisas ou se explorávamos não conseguíamos tirar vantagens.

Diz-se que não tínhamos meios humanos nem capital para o fazer.

É um problema de números. No século xvi, a população portuguesa era cerca de um milhão, enquanto os espanhóis já são 7 milhões e os ingleses talvez 3,5 milhões. Temos uma população proporcionalmente pequena, se formos ver a nossa área de expansão nesse século: do Nordeste do Brasil ao Rio de Janeiro e do Rio ao Maranhão. A Bahia já havia sido fundada; tínhamos em África muita gente, em Marrocos havia praças guarnecidas com guerras de fronteira continuadas. Havia ainda as feitorias em Luanda, Benguela, depois na costa oriental, a costa de Moçambique até quase à Somália, e depois a Índia. A carreira da Índia tinha uma média de cinco barcos anuais - devem ter ido para a Índia entre 60 e 70 mil homens durante o século xvi. É uma aventura desproporcional face aos recursos e por isso é que é tão impressionante. Essa história esmaga-nos agora: metade do país revê-se nela numa espécie de nostalgia que dá para a tristeza e a outra metade que, por estar longe, quase a odeia. Temos, como os espanhóis, um problema de convivência com esta fase da história que não é fácil.

Sentimo-nos um país pequeno, mas, se olharmos para os números da União Europeia a 28, somos um país de dimensão média. Esse sentimento de inferioridade tem a ver com a ideia de que já fomos grandes?

Sim. Fomos os primeiros europeus a conseguir chegar e os últimos a sair, uma espécie de império tardio. E isso marca--nos. Na Idade Média Portugal era um país paupérrimo do ponto de vista agrícola devido a uma questão geográfica: dois terços do território são paus e pedras, pinhais, montanhas, e não temos muitos rios navegáveis. Tínhamos as lezírias do Tejo, o Sado, um bocadinho do vale do Mondego. Terra pobre, difícil de trabalhar, e por isso tinha-se de viver do mar. Nessa altura começa por isso um comércio intenso não só para sul, mas também muito para norte - com a Flandres e a Inglaterra - muita exploração de pesca na costa. Mas a questão dos portos também não era famosa. Olhando para essas condições, há uma grande visão do infante D. Henrique na promoção das Descobertas ao trazer os cosmógrafos, os pilotos, e criar um sistema de incentivos para a vinda dos que viviam nos melhores sítios da Europa, nomeadamente em Itália. Os líderes dessa época tiveram ambição, audácia e uma grande visão - usando a história podemos aprender. O infante tinha a decisão, os fundos e as condições necessárias para lançar as expedições. Mas não foi uma questão pacífica na sociedade da época. Se lermos os autores do tempo, como Gil Vicente e Camões, percebemos que discutem os prós e os contras da aposta do infante. Camões, por exemplo, vai buscar o Velho do Restelo porque havia muita gente que se opunha às descobertas - e ele dá voz a isso. "Os Lusíadas", que infelizmente nos metem pela frente quando somos pequenos com o objectivo de analisar questões chatíssimas de gramática, são uma obra simbólica desse ambiente e revelam uma sociedade portuguesa muito viva. Estamos a falar do século xvi.

A figura de D. Sebastião tem um lado heróico porque o rei morreu em combate, mas também fica ligado à tragédia porque ficámos sem descendentes. A queda de Portugal parece que se inicia aí.

Claro. O império estava exausto. Se formos a analisar a geopolítica da época, a ida de D. Sebastião a Marrocos fazia um certo sentido: servia para impedir a vinda dos turcos para esta zona, apoiando o pretendente ao trono marroquino que defendia a mesma ideia, e afirmar Portugal como uma potência regional. Ora trazer os turcos para esta zona era de facto um salto complicado e perigoso do ponto de vista geopolítico. Os turcos tinham nos meados do século xv conquistado Constantinopla e em 1571 tinham sido derrotados pelos cristãos em Lepanto. É claro que a expedição foi mal conduzida e conduziu à derrota. Mas nessa queda há também uma grande força. O português é também um grande resistente. Os portugueses não vivem bem na mediania. Quando são chamados para as conquistas lá se desenrascam e lá vão eles. E quando caem têm capacidade de resistir, como demonstraram ao longo de várias ocupações em que nunca foram cobardes.

Estamos à espera de salvadores desde D. Sebastião: D. João IV, D. Pedro (ou D. Miguel) ou até mesmo Salazar.

O Salazar aparece aí, de facto, como um Messias. A Primeira República estava completamente desacreditada e toda a gente estava contra o Partido Democrático. Por exemplo, as tropas do golpe de 1926 vieram para Lisboa todas de comboio; não houve uma única sabotagem, mesmo daqueles sindicatos muito esquerdistas para a época. Estava tudo farto do Afonso Costa e das suas aldrabices. A tragédia foi que a oposição antifascista - que no 25 de Abril veio a receber o poder da mão dos militares sem, na verdade, ter feito nada por isso - ficou obcecada com fazer tudo ao contrário do que o Salazar tinha feito. Admito até que houve um ressentimento muito grande, pois o regime durou 48 anos. Mas talvez se tenha ido longe de mais.

Verificou-se uma diabolização do Estado Novo? 
 
Sim, há essa diabolização. É curioso, porque nas anteriores revoluções isso não tinha acontecido. Por exemplo, na passagem da monarquia para a República não se mexeu na questão de África. Porquê? O pessoal que a República pôs a governar o Ultramar, quer em Moçambique quer no resto de África, quase todos eles tinham estado com o Mouzinho da Albuquerque, com o Paiva Couceiro, com toda essa gente. Havia pois uma continuidade com os "africanos". Uma das razões para os republicanos tomarem o poder era acusarem a monarquia de não defender bem as colónias. Até foram para a guerra por causa disso. Dá-se uma mudança a partir dos anos 60 e dá-se com o Partido Comunista, primeiro, e depois também com o Mário Soares. Foi na eleição de 1965, salvo erro, que pela primeira vez essa oposição tomou uma posição sobre o assunto diferente daquela da oposição tradicional.

A grande falha do Estado Novo foi ter impedido uma maior autonomia das colónias a seguir à independência da Índia em 1947?

Sabe, tenho pensado muito sobre o assunto... Era complicado. O Salazar não podia. Em 61/63 o mundo estava todo contra nós. Mesmo os americanos e a Igreja - que após o Concílio Vaticano II começa a deixar de apoiar regimes politicamente conservadores. Além disso, a Academia Militar, que fora apoiante incondicional da mudança de regime em 1926, já não dava essa garantia - os jovens que iam estagiar nas academias norte-americanas voltavam para conspirar. Depois, ao contrário do que o Salazar e o Franco Nogueira pensavam, as nossas colónias não eram assim tão importantes como nós pensávamos que eram.

A França e o Reino Unido souberam sair, mas mantendo a ligação cultural e comercial.

Sim, é verdade. Mas, em segundo lugar, esses países tinham uma grande dimensão metropolitana, com grande massa crítica, com grande poder na Europa - coisa que nós não tínhamos. Foi esse o nosso equívoco. O problema do Salazar também era a sua maneira de ser: muito frio e racional. Aquilo tinha de ter tido outro rasgo. Marcelo Caetano podia ter mudado isso, mas quando chega, em 68, a guerra em Angola está relativamente controlada.

A história oficial ensina-nos que a guerra estava perdida

Mas não estava, isso está estudadíssimo. Em 1973 houve 50 mortos em Angola, com quase 100 mil homens em armas. O que se pode dizer é que o país não estava preparado - com o serviço militar obrigatório era muito complicado fazer isto. Primeiro porque começava a haver dinheiro, depois começaram a dar-se os fenómenos que se deram nos Estados Unidos com o Vietname. Grande parte das coisas acabaram no Vietname quando terminou o serviço militar obrigatório. As gerações estavam a apanhar com a riqueza económica, as classes médias não queriam ir. Uns tinham medo, outros não estavam para isso. Muitas vezes não eram eles mas as próprias famílias, as mãezinhas. Fez-se um esforço para a profissionalização do Exército, mas Salazar nunca quis isso.

Sempre foi muito crítico de Marcelo Caetano, responsabilizando-o pelo fim do regime.

Sim, mas revi algumas das minhas posições. O que Marcelo Caetano tentou fazer foi o salazarismo sem Salazar. Ora aquilo não funcionava assim. O Franco pôde fazer isso mas não tinha uma guerra de África. Essa é a grande questão. E Franco tinha uma visão muito dinâmica da sociedade espanhola. Salazar tinha horror à violência, tinha aquela ideia muito ordeira. Franco não, tinha passado a vida dele na violência. Salazar era muito dado às coisas católicas, muito ordeiro. Tem aquela frase fantástica: "O Estado tem de ser forte para não ser violento." Salazar acabou por criar um sistema que não tinha saídas.

Ao não conseguir fazer uma transição para a democracia, o Estado Novo não foi responsável pelos danos políticos, económicos e sociais do PREC?

Não se podia fazer a guerra com a democracia aqui. E nunca ninguém pensou que a instituição militar estivesse assim. Um Exército onde há uma revolta de capitães já não é um exército. Quem comanda as unidades são os coronéis e os tenentes-coronéis - é uma classe leal ao regime, até por razões funcionais, políticas e institucionais. E isso foi um prognóstico em que me enganei. Não percebi que as unidades militares estavam na guerra - cá estavam uma espécie de depósitos para formar o pessoal para África. O que de deu no 25 de Abril foi precisamente isso. Uns capitães fizeram as coisas, nuns sítios prenderam, noutros nem tiveram de prender coisa nenhuma. Fez--se como na Primeira República: quem não aderiu também não obstruiu. E o próprio Marcelo Caetano também desarticula qualquer espécie de defesa. O sistema está de tal modo minado que Marcelo Caetano acha que aquilo é uma revolta, não contra ele, mas para tirar Américo Tomaz e deixá-lo ficar a ele. Ele acha que o Spínola está a comandar e Spínola não está a comandar coisa nenhuma. Todos são usados, mesmo uma série de oficiais conservadores. É uma espécie de comédia de enganos.

Uma Constituição que apagasse os tempos do PREC permitiria reequilibrar a balança política no país?

Não sei. Vou contar-lhe um história: na véspera de vir para Lisboa, não sei se da primeira se da segunda vez, Salazar encontrou o Cabral Moncada na Baixa. Eles não eram da mesma geração, mas eram contemporâneos. Salazar estava muito preocupado e perguntou-lhe: "O que é que eu vou fazer para a política? Eu não tenho imaginação nenhuma." Ele, de facto, não tinha grande imaginação, mas Portugal nessa época - estamos a falar de 1928 - não precisava de imaginação. Apesar de tudo, o espaço ultramarino colonial era uma espécie de grande reserva que assegurava as matérias-primas e os excedentes demográficos. Desde que houvesse ordem financeira e nas ruas, os recursos existiam e o dinheiro voltou. Hoje em dia é exactamente o contrário. Portugal precisa de imaginação. Hoje também há muita coisa em comunicações e transportes. A tecnologia tornou mais fácil muita coisa. E não há dúvida que os portugueses têm boas condições psicológicas, porque somos miméticos, cosmopolitas. Alguém me dizia que sai uma nota optimista deste livro, que é a ideia de que, mesmo em dificuldades, estamos a mostrar resistência. Mas esse é o nosso lado de resistentes nas Invasões Francesas. Quando chegamos ao limite, por sermos uma nação muito antiga, temos coisas que não contamos que apareçam mas aparecem. Depois... é como a indignação. Se ela não for organizada, não serve de nada em política. É uma boa forma de provarmos que não somos cínicos, mas isso tem de ter alguma organização. Agora é preciso haver uma identidade forte. E o poder económico que advém do facto de sermos uma nação também dá bastante força. Porque os problemas que vêm aí, na Europa, vão ser de violência e de fragmentação. Vão ser problemas ligados à identidade.

A integração de Portugal na União Europeia (UE) foi um logro?

Lembro-me que a minha mulher, que na altura trabalhava no Estado, me dizia sempre que tudo aquilo tinha sido muito mal negociado, à pressa. Porque a entrada na Europa era uma espécie de seguro de vida do regime. As pessoas não queriam que houvesse um regresso ao Estado Novo, por um lado, e também tinham medo da esquerda totalitária. A ideia era: "Vamos entrar aqui para um clube, mesmo que depois não tenhamos dinheiro para pagar as quotas. Mas agora entramos, ficamos aliviados, e eles defendem-nos dos males maiores." A dada altura não se podia dizer mal da adesão à Europa. Havia uma espécie de unanimismo à volta disso, que nos levou para a situação em que estamos. Depois, é curioso - e num processo que já vi acontecer diversas vezes em Portugal -, as pessoas parece que não têm qualquer tipo de memória dos seus actos. E clamam contra as consequências das coisas que foram concretizadas quando estiveram no poder.

No seu livro classifica a Europa como um continente em decadência. Com a crise que atravessa a zona euro e afecta a própria União Europeia, a Europa tem salvação?

Não sei se tem. Estou convencido de que nas próximas eleições europeias a UE vai ter uma sacudidela com uma subida forte dos partidos identitários, sobretudo em França e em Inglaterra. Isso vai levar os todos os partidos a terem posições muito restritivas, quer quanto à própria federação europeia, quer quanto à imigração. Mesmo a ideia de um referendo na Inglaterra sobre a pertença à Europa não me parece muito esquisita. Por outro lado, há uma coisa de que nos esquecemos, acho até que por falta de informação histórica. Nas sociedades em decadência da antiguidade vivia-se muito bem. Essa ideia de decadência está ligada à ideia de perda de poder e de protagonismo na cena mundial, mas também tem razões de ser. A Europa esteve durante séculos no centro de tudo e depois teve duas guerras muito sangrentas e destruidoras. O coração da destruição do século xx foi aqui. Somos um grande museu a céu aberto. Os outros vêm cá gastar dinheiro. Não há milionário russo, chinês ou australiano que não tenha um bom apartamento em Londres, no Sul de França, que não goste de passar 15 dias num bom barco no Mediterrâneo. E os alemães, como são disciplinados e não ligam muito à qualidade de vida - no sentido latino, mas também francês e inglês, do requinte -, fizeram as reformas da indústria. Mais vale que estejam a trabalhar na indústria que a invadir outros sítios à mão armada.

http://www.ionline.pt/artigos/portugal/jaime-nogueira-pinto-entrevista-ao-i-foi-se-longe-mais-na-diabolizacao-estado-novo/pag/-1

Monday, 30 April 2012

Wednesday, 14 September 2011

HISTORIADOR ORGANIZA ESPÓLIO DE PAIVA COUCEIRO

Historiador apresenta recolha do espólio do militar

"Paiva Couceiro é um bom antídoto para Salazar"

Filipe Ribeiro de Meneses aceitou o convite dos familiares de Paiva Couceiro para organizar o espólio do herói militar de África e inimigo número 1 da República.

Por:Leonardo Ralha

Correio da Manhã – Qual foi a sua reacção quando recebeu o convite dos herdeiros de Paiva Couceiro?

Filipe Ribeiro de Meneses – De início limitei-me a sugerir a entrega da documentação à Torre do Tombo. Mas senti que havia da parte de Miguel de Paiva Couceiro, detentor do espólio, o desejo de fazer algo mais – e quando vi o catálogo por ele elaborado, percebi que era de facto possível, e mesmo desejável, aprofundar a nossa colaboração. Sugeri a elaboração de um volume com base no espólio, que o tornasse acessível a um público mais vasto e assinalasse não só o 150.° aniversário do nascimento do 'Comandante' Paiva Couceiro como também o centenário da primeira incursão monárquica, a 5 de Outubro de 1911-

– Nunca pôs a hipótese de utilizar esse espólio para escrever uma biografia política semelhante à de Salazar?

– Discutimos essa possibilidade, mas havia duas dificuldades. A primeira era o tempo necessário para escrever uma biografia e que eu, envolvido noutros projectos, não podia disponibilizar. A segunda prendia-se com a natureza do espólio, mais completo a partir de 1910. Seria preciso pesquisar documentação que se encontra noutros arquivos, o que, para quem, como eu, reside no estrangeiro, seria duplamente difícil. Mas creio que não tardará muito para que, com base neste espólio, alguém inicie essa biografia de Paiva Couceiro, pois todas as outras estão agora, em teoria, obsoletas.

– As primeiras cartas incluídas no livro agora editado pela D. Quixote são posteriores às campanhas de África. Não havia documentos mais antigos?

– Há alguns documentos anteriores a 1910, mas quase nada sobre a juventude de Paiva Couceiro, as campanhas de África - que o tornaram um herói nacional - e o governo de Angola, que exerceu durante o período do franquismo. A residência de Paiva Couceiro foi assaltada e pilhada em 1915, durante a revolta de 14 de Maio. Imagino que muita documentação tenha desaparecido nesse dia.

– Sente falta dessa faceta da personagem histórica?

– Sim, embora o que reste – e que não é pouco – chegue para reconstruir o pensamento político de Paiva Couceiro e a sua acção durante três décadas. Depois da comemoração do centenário da República, celebra-se este ano o centenário da primeira incursão monárquica: a luta pela restauração da monarquia, e pela união entre monárquicos, é o prato forte do livro, o tema que lhe dá a sua coesão. E ao lermos as suas páginas, temos sempre presente o estatuto adquirido por Paiva Couceiro ao longo dos anos passados em África, tal a admiração que os seus seguidores tinham pelo 'Comandante'.

– Qual foi a maior surpresa que teve em relação à ideia que fazia de Paiva Couceiro?

– Pensava que a partir do fracasso da Monarquia do Norte, em 1919, ele se tinha tornado irrelevante – mas tal não é o caso. Continuou a gozar de grande popularidade entre os monárquicos; a ser ouvido, respeitado e temido pelos seus inimigos. É notável a forma como a ditadura militar hesita, a partir do 28 de Maio, em permitir o regresso a Portugal de Paiva Couceiro: teme o efeito mobilizador que terá entre monárquicos, mas também entre republicanos, que o continuam a ver como um perigo real. E mesmo Salazar tem de lidar com ele de forma muito especial.

– Escrever sobre um homem que esteve quase sempre do lado dos perdedores é mais ou menos estimulante do que escrever sobre alguém que deteve o poder durante quatro décadas?

– É completamente diferente. As decisões de Salazar afectaram todos os portugueses; uma biografia de Salazar é de certa forma uma História de Portugal, pois tem ramificações políticas, diplomáticas, económicas, etc. Um livro sobre Henrique de Paiva Couceiro é mais limitado: é, no fundo, o estudo de uma maneira de ver e pensar Portugal, entre muitas outras. Ao mesmo tempo, porém, trata-se de um homem de acção, que se expõe ao perigo, que não hesita em dizer e escrever o que pensa e que, nesse sentido, é um bom antídoto para Salazar.

– Arrisca adivinhar o que Paiva Couceiro pensaria do Portugal de 2011?

– Esse é sempre um exercício difícil... Tudo depende da forma como Henrique de Paiva Couceiro lidasse com dois desenvolvimentos históricos profundos, a que não pôde assistir: a vaga anticolonialista que nasceu no seio da própria Europa após 1945 e a força surpreendente das democracias ocidentais, capazes de derrotar os totalitarismos europeus de direita e, mais tarde, de esquerda. Estas mudanças tornaram algumas das bases do seu pensamento político – que Portugal precisava de colónias para sobreviver enquanto nação independente e que o liberalismo em Portugal era incapaz de assegurar a estabilidade – obsoletas. Se Paiva Couceiro entendesse a importância, e as consequências práticas desses desenvolvimentos, poderia compreender e aceitar grande parte do Portugal de hoje... mas continuaria a ser monárquico, desconfiaria da União Europeia e veria a tutela financeira da troika como uma enorme humilhação.

PERFIL

FILIPE RIBEIRO DE MENESES nasceu em Lisboa há 41 anos e doutorou-se no Trinity College de Dublin, na República da Irlanda, onde vive com a mulher e dois filhos, enquanto dá aulas na Universidade de Maynooth. Escreveu 'Salazar - Uma Biografia Política' e organizou o espólio que será hoje entregue pelos netos de Paiva Couceiro na Torre do Tombo e pode ser consultado no livro 'Paiva Couceiro: Diários, Correspondência e Escritos Dispersos', também editado pela D. Quixote.

Tuesday, 23 August 2011

ENTREVISTA DE D. DUARTE PIO À VISÃO EM 2006



Entrevista a D.Duarte pela revista Visão, 2006

Novembro 17, 2008

Paiva Monteiro

Um maço de cigarros Sampoerna, made in Indonésia, numa mesinha baixa, denuncia uma viagem recente a Timor. As cadeiras de estilo, os quadros que nos espreitam, antigos reis, o condestável Nun’Álvares, os pais e avoengos do dono deste solar sintrense, o jardim inglês, imponente mas um pouco lúgubre, lá fora… Estamos num livro de Os Cinco. E se o cão Tim aqui estivesse, não pararia de rosnar. Por baixo de um enorme óleo sisudo de D. Miguel I, duas bicicletas de criança e uma bola de futebol indicam que há vida para lá do silêncio deste «castelo» assombrado. Por aquela porta, poderá entrar, com efeito, uma assombração. E ei-la que entra mesmo. No seu bigode de D. Quixote, no seu fato príncipe de Gales tão fora de moda como o resto. D. Duarte, 61 anos, senta-se e sorri. Um belo sorriso. Por baixo daquelas melenas desgrenhadas, há uma pessoa ingénua, aqui, malandreca, ali, irónica, acolá, que se humaniza, se emociona, conversa, pensa e seduz. Surpresa: saímos muito mais monárquicos do que entrámos.

VISÃO: Duarte Pio João Miguel Gabriel Rafael. É este o nome que consta do seu BI?

D. DUARTE PIO: O facto de ter muitos nomes próprios, por tradição familiar, remete para santos que acreditamos que nos protegem. Miguel, Gabriel e Rafael são os nomes dos três arcanjos… Curiosa foi a situação do Afonso [filho primogénito, 10 anos]. Quando fui fazer o registo, disseram-me que tinha nomes a mais. Pedi que se pusesse Afonso de Santa-Maria, com hífen… Mas disseram-me que não, que ficava com nome de futebolista espanhol! Lá tive de escrever uma carta ao ministro da Administração Interna, para autorizar. No meu BI está apenas Duarte Pio de Bragança.

O seu padrinho foi o Papa Pio XII…

Pio XII era amigo do meu pai. Simultaneamente, foi meu padrinho e do príncipe Hans-Adam, do Liechtenstein. O baptizado foi na Suíça, com a presença do Núncio Apostólico, em representação do Papa.

Mas veio a conhecê-lo?

Conheci-o. Fui ao Vaticano, várias vezes, com a minha família. Era uma pessoa extraordinária, com uma personalidade fortíssima. Da primeira vez, fomos de comboio, desde a Suíça…

E a sua madrinha foi quem?

Foi a rainha D. Amélia. Pouco tempo antes, tinha havido a reconciliação entre o lado legitimista da família, que descendia do meu bisavô D. Miguel, e o lado da monarquia constitucional, do meu trisavô D. Pedro IV.

Falava-se, em sua casa, dessa desavença, que originou uma guerra civil em Portugal, no séc. XIX?

Falava-se. Era a razão pela qual estávamos no exílio. E só voltámos a Portugal em 1953.

E uma criança como D. Duarte percebia o que era o exílio?

Percebia que não podia voltar ao nosso país.

Mas Portugal era uma realidade distante, não era bem o seu país…

Mas só se falava português, em casa. Mesmo os meus amigos aprenderam a falar português. Recebíamos portugueses, líamos livros, e cheguei a vir, várias vezes, a Portugal sem os meus pais, com a minha tia Filipa, que vivia em Serpins. Tomava banho no rio Ceira, brincava com os filhos da moleira… Fiquei com um grande encanto pelas casas com iluminação a petróleo. Já na Força Aérea, reconheci o cheiro dos combustíveis…

E ainda voa?

Até há pouco tempo, com um comandante meu amigo, pilotei um helicóptero, no combate aos incêndios… Infelizmente, ele já faleceu e, desde então, não voei mais.

O seu pai, D. Duarte Nuno, anunciou o seu nascimento, em Maio de 1945, fazendo referência às «primeiras horas da paz». E saudou a vitória dos aliados…

Lembro-me das conversas sobre a Guerra, já passados anos. Quando Hitler anexou a Áustria, onde o meu pai tinha nascido e vivia, a família deslocou-se para a Suíça.

O seu pai nasceu sobre terra ida de Portugal. E o senhor no consulado português de Berna. Um pretendente ao trono tem de nascer em terra portuguesa?

Um monarca português tem de nascer em território nacional. A única excepção foi a de D. Maria II que tinha nascido no Brasil.

E como se educa um rei?

No sentido da responsabilidade. Temos de prestar um serviço ao País. O meu pai sacrificou-se muito mais do que eu. E não seguiu a carreira profissional que gostava de ter seguido. Era engenheiro agrónomo, mas gostaria de ter sido engenheiro de máquinas.

E por que não?

Porque, na nossa situação, temos de escolher profissões liberais, para não estar dependentes de superiores que mandem em nós.

Os seus filhos, também são educados assim? O Infante Afonso está a ser preparado para assumir o trono?

Tenho essa preocupação. Eles andam em colégios, aqui em Sintra. Mas acho que o importante é terem uma formação intelectual, moral e física sólidas, que lhes permita fazer as suas escolhas, no quadro de uma profissão em que possam também sustentar-se.

Nenhum dos seus filhos quer ser jogador de futebol, por exemplo?

Não, mas a Maria Francisca [9 anos] diz que quer ser toureira – é uma excelente cavaleira, aliás. Ou médica. E quando se zanga com os pais, diz que será médica legista…

E outras actividades próprias de um rei? Equitação, esgrima, polo…

Bem as actividades tradicionalmente praticadas pela aristocracia são hoje praticadas por qualquer pessoa que tenha algum poder económico… Já não é um exclusivo de uma classe… No meu caso são as actividades possíveis. A minha mãe fazia equitação, o meu pai não. Eu tive aulas de equitação, sobretudo no Colégio Militar..

Mas o senhor queria ser aviador.

Aos 16 anos, tirei o meu primeiro brevê, de planador, em Alverca. E havia um aluno, filho de um responsável dos planadores. Ficámos muito amigos, eu ia lá a casa e o pai, um dia, confiou-me um segredo, que eu não podia revelar a ninguém. Que pertencia ao PCP. Nos início dos anos 60, foi uma emoção muito grande para mim… Lá me explicou porquê, o que era aquilo…

Como eram as relações da sua família com Salazar?

O nosso regresso do exílio foi votado pela Assembleia Nacional. Na primeira votação, proposta pelos deputados monárquicos, o projecto chumbou: Salazar mandou votar contra. Mais tarde, foi aceite. Mas Salazar sempre se opôs à restauração da monarquia. Desconfiava das ideias demasiado liberais do meu pai. Aliás, o meu pai ainda esboçou um documento a pedir uma abertura política, mas teve de ceder a fortíssimas pressões de monárquicos conservadores e recuou. Salazar tinha simpatia pessoal pela minha tia Filipa, mas uma grande desconfiança em relação à outra tia, Maria Adelaide, que achava muito «esquerdista»…

Acha que o Estado Novo receava a Família Real?

Havia sobretudo uma grande preocupação de equilíbrio de forças entre maçonaria, republicanos, monárquicos… Salazar queria dividir para reinar. Mas dizia que a família real era uma reserva nacional.
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Apesar disso, não seguiu o exemplo de Franco, que preparou o regresso da monarquia…
Não, ele sempre se opôs.

Quando começou a perceber quem era e o que representava?

Comecei a perceber melhor já em Portugal, na escola portuguesa. Nas festas de aniversário em gaia, em Coimbrões em Coimbra (São Marcos) chegavam a aparecer 20 mil pessoas nas festas do 1.º de Dezembro. Uma vez cumprimentei 12 mil pessoas! Utilizei uma máquina na outra mão, para as contar…

O regime impediu-o, durante algum tempo, de frequentar o Colégio Militar…

Foi o Presidente Craveiro Lopes que, tendo jurado fidelidade à República, não concebia a ideia de admitir o herdeiro real na instituição. Muita gente não percebe que a fidelidade à república é às leis vigentes. Que não são estáticas. As instituições republicanas não são incompatíveis com a existência de um rei. Várias nações europeias são repúblicas com rei. O Rei é o grande defensor das instituições, da unidade nacional, da soberania.

No Colégio Militar, participou num levantamento de rancho…

oi uma espécie de greve académica! Um professor tinha cometido uma grande injustiça com um aluno. Os graduados do 7.° ano fizeram levantamento de rancho e foram todos expulsos. O levantamento passou para o 6.° e foram também todos expulsos. Depois passou para o 5.°, que eu frequentava. Aí, a direcção do Colégio negociou e reintegrou toda a gente. E, olhe, ganhámos!

É adepto de algum clube?

Era do Benfica, porque era o clube que não tinha estrangeiros. Depois…

E os seus filhos?

Quando o Dinis [7 anos] foi baptizado, no Porto, o FC do Porto inscreveu-o como associado. E tornou-se um portista fanático. A Maria Francisca é do Sporting. O Afonso diz que não tem clube…

Não tem ou, como herdeiro da coroa, não está autorizado a revelá-lo?…

Não, diz que é da selecção. Fomos ver a equipa à Alemanha, no jogo do 3.º e 4.º lugares. Curiosamente, a responsável pelo protocolo era uma princesa prussiana…

E colocou alguma bandeira à janela?

Coloquei, mas foi a azul e branca, a da monarquia…

Convive mal, então, com a bandeira e com outros símbolos nacionais republicanos?

É a única bandeira republicana que manteve um escudo real. Não é mau. Mas não gosto das cores, não concordo com ela… Quando chegou a altura de jurar bandeira, na Força Aérea, o comandante disse-me: ‘Fique doente, em casa…’ E eu fiquei.

Fez o serviço militar em Angola…

No Norte de Angola. Não tínhamos helicópteros, mas pilotei um Dornier 27. Participei em missões de transporte e de reconhecimento. Até que o meu comandante recebeu instruções de Lisboa a proibir-me de voar. O comandante falou comigo e autorizou-me a percorrer o território, visitando chefes tribais, contactando as populações, etc.. Comprei uma moto e percorri as estradas do norte de Angola. Chegava a um quartel onde só era suposto chegar-se em coluna, e ali andava eu, entrava e saía, sempre com liberdade de movimentos…

E ainda tem hoje uma ligação a África.

Sobretudo a Angola e à Guiné-Bissau. Fiquei em casa de famílias guineenses e tive acolhimento caloroso. Muito caloroso. Tão caloroso, que a hospitalidade incluía a companhia de uma sobrinha do chefe da aldeia…

Conte lá isso, conte lá…

Bem, veja lá: eu ia visitar o comandante do quartel local e ele ficava muito admirado por eu não pernoitar… Expliquei-lhe que não podia recusar a hospitalidade daquelas pessoas… Seria uma falta de consideração…

E a companhia da tal sobrinha?

Foi uma companhia muito agradável. Sobretudo depois daquelas festas em que a cerveja de palmeira esbatia bastante as diferenças culturais…

Bem, não lhe pergunto mais nada, a VISÃO é uma revista de família…… [Risos] Voltou a Angola para tentar organizar uma lista de deputados angolanos às eleições de 1973. Porquê?

Estávamos a tentar organizar uma lista de candidatos para as eleições de 1973. Com candidatos angolanos, que concorreriam fora das listas da ANP. Tínhamos apoios fortes, de sectores da administração, e até de franjas ligadas aos movimentos de libertação. Não era uma lista para defender a independência, mas uma maior participação dos angolanos na administração pública, uma maior integração. Marcelo deu-me ordem de expulsão de Angola. O meu pai escreveu-lhe a protestar e ele chamou-me, para tomar um chá no Forte de São Julião da Barra, onde passava férias. Explicou-me que a minha retirada de Angola ficava a dever-se a questões de segurança. Agradeci, mas disse-lhe que o principal responsável da DGS (PIDE) em Angola não sabia nada disso, nem por que razão tinha de me vir embora. Se era só um equívoco, ia lá voltar. Ele irritou-se e disse que não admitia o meu projecto, e que a minha presença desagradava às forças vivas de Angola.

A seguir, Timor. A primeira visita dá-se pouco antes do 25 de Abril de 1974. Foi visitar o seu amigo Mário Carrascalão, com quem tinha estudado Agronomia, em Lisboa…

Corri todo o território, fiquei em casas de liurais, foi inesquecível. Estive lá um mês.

E no regresso, rebenta a revolução.

Estava em Saigão. O Ministério dos Negócios Estrangeiros disse-me que o Vietname não podia estabelecer relações diplomáticas com Portugal, por causa da política colonial portuguesa. Eu lá lhe expliquei que isso qualquer dia resolvia-se, havia o general Spínola, que estava a agitar as águas, etc. No dia seguinte, foi ele que me deu a notícia: «A sua revolução ganhou! O seu general lá assumiu o poder». Ficou convencido que eu estava por dentro do golpe…

E como reagiu ao 25 de Abril?

De Saigão, fui a Macau e enviei um telegrama a saudar o general Spínola, o MFA e a Junta de Salvação Nacional.

Os monárquicos andavam preocupados com a sua falta de interesse em casar. O que fez muito tarde, aos 50 anos…

Tive intenções de casar, em duas ou três ocasiões. A situação que levei mais longe foi um relacionamento com uma amiga meia russa, meia polaca. Visitei muito a Rússia, nessa altura, era o consulado do Gorbachev. Gostei muito da Rússia, dos russos e até aprendi a língua. Tenho lá amigos. Alguns estavam no KGB e hoje são monárquicos…

Vladimir Putine é uma espécie de Czar?

Acho que sim. Os russos gostam de lideranças fortes, que garantam segurança e estabilidade. Não gostam de um poder fraco. Associam-no a desgraças. Ele tem um estilo czarista.

No seu casamento, em 1995, que foi de Estado, fez questão de convidar o Presidente da República. Porquê?

Tenho grande consideração pelo dr. Mário Soares. Estiveram, também, o primeiro-ministro, Cavaco Silva, membros do Governo e cerca de 70 presidentes de Câmara, metade dos quais comunistas. Foi um casamento muito ecuménico…

Mário Soares, que escreveu um depoimento para a sua biografia, foi preterido por Manuel Alegre, para apresentar o livro, em Lisboa…

Dentro do PS e da intelectualidade da esquerda, em Portugal, é a pessoa mais ligada à tradição e à cultura histórica. E foi o homem que, como deputado, propôs que a República estabelecesse um lugar, no protocolo de Estado, para o representante da Casa Real, o que nunca foi feito. Nunca sabem onde hão-de sentar-me. Deve ser por isso que, agora, recorrem tanto às mesas redondas…

E votou nas presidenciais?

Não voto nas presidenciais. E, nestas eleições, não podia mesmo tomar partido: todos os candidatos eram excelentes. Na verdade, só voto nas autárquicas.

Então, não pode candidatar-se a Belém, apesar dos conselhos do falecido Ronald Reagan.

Com efeito, numa recepção na Casa Branca, ele tentou convencer-me a candidatar-me. Disse que Portugal era o mais seguro aliado dos EUA, com o Reino Unido, e que, pelo contrário, de Espanha nunca era de esperar nada de bom. Mais, não se importava de ver uma monarquia no nosso país. Não sendo possível, porque não candidatar-me, para o povo me ir conhecendo e para poder preparar esse caminho? «E se eu perco?», contrapus. «Não perde.» Bem, Claro que nenhum monárquico português concordou com a ideia…

Assim, nos tempos livres, dedica-se à agricultura…

Tenho a minha horta e cultivo os meus próprios legumes biológicos. E também racho a minha lenha. E tenho um excelente jardineiro, que trata muito bem das coisas.

Costuma viajar por todo o Mundo, representando o que diz ser a «marca Portugal». De onde vêm os fundos para essas viagens?

A Fundação D Manuel II suporta as viagans de carácter mais oficial. A Timor, Angola, no quadro de programas da fundação. Por exemplo, recentemente, na Guiné, estabelecemos um serviço de certificação de produtos de agricultura biológica. Agora, para ir a casamentos, já são despesas particulares. Mas enfim, viajamos em turística, ficamos em casa de amigos…

E de onde vêm os seus rendimentos?

Sobretudo de prédios arrendados, alguns com rendas muito antigas. No Chiado, em Lisboa, tenho uma inquilina com 110 anos, a D. Maria Luísa…

Ena! Do tempo da monarquia!

Exactamente. E, de vez em quando, lá vou tomar chá com ela. Fartamo-nos de conversar. E a D. Maria Luísa não se cansa de falar da rainha D. Amélia…

Friday, 10 December 2010

HENRIQUE GALVÃO - O INIMIGO Nº 1 DE SALAZAR


Sexta-feira, 12 de Novembro de 2010

"O Inimigo Nº1 de Salazar" de Pedro Jorge Castro
Autor: Pedro Jorge Castro

P.V.P.: 24,00 €

Data 1ª Edição: 2010

Nº de Edição: 1ª

ISBN: 978-989-626-260-0

Nº de Páginas: 408 + 16 extratextos

Dimensões: 160 x 235 mm

Colecção: História divulgativa Editora: Esfera dos Livros

Sobre a obra:

Na manhã daquele domingo, 22 de Janeiro de 1961, os passageiros do paquete Santa Maria apercebem-se de que algo está errado quando encontram marcas de sangue no chão. Um homem armado impede-lhes o acesso ao convés superior. Os empregados fazem correr a notícia: «Uns rebeldes tomaram conta do navio.» A liderá-los está o capitão Henrique Galvão, o inimigo número um de Salazar.

Fervoroso salazarista, Galvão começa a desiludir-se e a afastar-se dos ideais defendidos pelo Estado Novo. A ruptura é assumida quando afronta o regime na Assembleia Nacional, onde denuncia a escravatura e vários negócios promíscuos que envolvem a Administração de Angola. Está aberta a porta para o confronto entre os dois homens. Segue-se uma tentativa falhada de atentar contra a vida do presidente do Conselho, em 1951, a prisão, uma espectacular fuga do Hospital de Santa Maria e o exílio. Salazar terá desabafado na altura: «Vamos arrepender-nos mil vezes. É muito mais perigoso que [Humberto] Delgado.»

O ditador não estava enganado. Galvão prepara a «Operação Dulcineia», que ocupa as primeiras páginas da imprensa internacional e expõe o regime português como nunca antes tinha acontecido. Segue-se o sequestro de um avião da TAP de onde são lançados cem mil panfletos a apelar à revolução, e o depoimento contra Portugal na sede das Nações Unidas.

Com base em documentos, na maioria inéditos, de oito arquivos nacionais e do arquivo particular do capitão, e em testemunhos dos seus principais cúmplices, o jornalista Pedro Castro desvenda a vida de Henrique Galvão, num livro único, com uma narrativa empolgante onde não falta acção e intriga.

Sobre autor:

Pedro Jorge Castro nasceu em Leiria em 1975. Licenciado em Ciências da Comunicação pela Universidade Autónoma de Lisboa, completou também o curso de formação geral em jornalismo do CENJOR. É jornalista há 13 anos e desempenha desde 2007 o cargo de redactor principal da revista Sábado. O Inimigo nº 1 de Salazar é o seu segundo livro, depois de em 2009 ter publicado Salazar e os Milionários.

Publicada por Clube Dos Livros em 19:14
http://clube-dos-livros.blogspot.com/2010/11/o-inimigo-n1-de-salazar-de-pedro-jorge.html

Friday, 1 October 2010

CENTRO CHAMPALIMAUD


Doação

Centro foi o último legado de Champalimaud

por FRANCISCO MANGAS

Construiu um império industrial que o 25 de Abril nacionaliza. Do exílio, no Brasil, retoma a actividade e refaz a imensa fortuna: deixa uma surpresa no seu testamento.

Só permitiu que a notícia fosse revelada após a sua morte. Segredo de muitos milhões de euros: parte da sua vasta fortuna destinava-se a criar uma fundação dedicada à investigação em saúde. O industrial "austero", amigo de Salazar, apoiante do ELP (Exército de Libertação Português) e de outras forças da contra-revolução no Verão Quente de 1975, doa ao Portugal democrático uma instituição única no País.

Nos últimos anos de vida, António Champalimaud desenhou em segredo com o advogado Proença de Carvalho, o homem que preparou a sua fuga do País nos distantes anos 60, a futura fundação, que havia de nascer com os nomes dos pais do industrial. "Fez questão de ser esse o nome, eu ainda tentei demover: o nome lógico seria o dele." Mas, como em muitas situações ao longo da sua vida, a decisão era "definitiva" - lembra o advogado, que começou a trabalhar com o industrial quando tinha apenas trinta anos.

E outra surpresa, escolheu a ex--ministra da Saúde Leonor Beleza para lhe dar corpo. Será Beleza que, no próximo dia 5 deste mês, centenário da República, inaugurará, na zona ribeirinha de Lisboa, um núcleo de referência a nível mundial: é o Centro de Investigação para o Desconhecido, onde vão trabalhar cerca de 400 cientistas nas áreas do cancro e das neurociências, mas onde também será feito tratamento oncológico.

A fundação será, por certo, o projecto mais luminoso e consensual do empresário "determinado" e "culto", do homem "austero", mestre na arte de fazer muito dinheiro. Não frequentava os "salões sociais, nem ia aos cocktails das embaixadas", diz Proença de Carvalho. A sua vida, no entanto, teve lados sombrios, fugas do País, desavenças, derrotas. Todavia, ele acabaria por sair por cima. No ano da morte de Champalimaud, 2004, segundo a Forbes, o empresário figurava como o 153.º homem mais rico do mundo - com uma fortuna de 2500 milhões de euros.

Na década de trinta, do século passado, a morte do pai, Carlos Montez Champalimaud, médico e empresário, com quem manteve uma relação tensa, obriga António a trocar os estudos pela gestão dos pouco animadores negócios da família. Quatro anos volvidos, casa com Maria Cristina Mello, filha de Manuel de Mello e neta de Alfredo Silva, fundador da CUF. No ano seguinte, aparece como administrador da empresa Cimentos de Leiria, propriedade do tio Henrique Sommer.

Irreverente, atento à modernidade na indústria, sem medo de competir com empresas estrangeiras. É dos primeiros a defender a entrada de Portugal no Mercado Comum. O prudente presidente de Conselho, Oliveira Salazar, "tinha alguma admiração pela irreverência" de Champalimaud, que estende a sua actividade às colónias portuguesas. A expansão em África, como o próprio refere em carta a Salazar, era concebida de "forma a ter larga projecção dentro duma política de atracção e fixação de maiores contingentes europeus".

Com o beneplácito do ditador, muitos dos projectos de António Champalimaud concretizam-se. O seu império ganha forma, cresce durante o Estado Novo. Com Marcelo Caetano as coisas foram um pouco diferentes. E pior ainda, diria o industrial, foi Abril de 1974: o Governo de Vasco Gonçalves nacionalizou-lhe as fábricas, a seguradora, o banco. Conspira com Spínola e outros homens da contra-revolução. Sem grande êxito. Ou, pelo menos, Portugal jamais voltaria ao seu 24 de Abril. Parte para o Brasil e, em duas décadas, o industrial "arguto", em duas décadas, levanta de novo o império.

Era amigo de Salazar ou, pelo menos, as relações com o ditador surgiam cordiais. Ele era "irreverente", mas em sintonia com o regime. Mesmo assim, a Pide abriu--lhe ficha . O "austero" Champalimaud, fora do mundo dos negócios, mostrava o seu "sentido de humor", "tinha coração e sentimentos". Algum do seu tempo livre aplicava-o a dar caça às perdizes nas suas herdades alentejanas.

O nome do que foi o homem mais rico em Portugal não se assimilava à primeira. A própria polícia política - a Pide - , na ficha que abre sobre o industrial identifica--o como "Chapelemant". Devido aos desentendimentos com os irmãos, agravada com o tumultuoso processo da herança Sommer, o nome, por artes de um trocadilho, servia para distinguir os dois ramos desavindos. Ele era o "Champalimau"; os outros: os "Champalibons".

Um ano antes da Revolução de Abril, Champalimaud era o rei do aço e do cimento, tinha uma seguradora e um banco. Em 1987, zangou-se com Cavaco por este, com maioria absoluta, não entregar a administração das empresas aos antigos donos. Foi, no entanto, um Governo do actual presidente da República que negociou indemnização ao industrial pelas nacionalizações. Com o dinheiro, do Brasil, em 1994, dá ordem a um dos filhos para comprar o Banco Pinto & Souto Mayor, que fora seu. "Em sentimento, nunca abandonei o País", referiu ao DN em 1995. "Quis amealhar os recursos necessários para poder voltar e investir."

DIÁRIO DE NOTÍCIAS 1-10-2010