Os advogados estão zangados pelos atrasos nos pagamentos das defesas oficiosas. Mas o problema é mais profundo: a defesa oficiosa é uma defesa coxa. Está na altura de criar o defensor público, a única forma de se garantir que a justiça é para todos.
Um grupo de advogados vai pôr um processo ao Estado por atrasos no pagamento das defesas oficiosas . Sei que os atrasos já foram bem maiores mas que, por outro lado, se o processo demorar anos o pagamento espera anos. Um pagamento ridículo quando comparado com os preços de mercado.
Mais do que a justa irritação dos advogados, interessa-me os efeitos deste sistema nas garantias de defesa dos cidadãos com menos recursos. A ideia de dividir entre a comunidade jurídica a defesa dos que menos têm, com apoio do Estado, é generosa e interessante. Mas não resulta. A verdade é que os advogados mais experientes não aceitam oficiosas. O trabalho fica para os jovens advogados, sejam os que trabalham sozinhos sejam os que trabalham nos grandes escritórios. Os primeiros não se podem dar ao luxo de entregar muito tempo às oficiosas, pois lutam pela conquista de clientes. Os segundos não têm sequer essa escolha. Um grande escritório não quer um dos seus a perder tempo com processos que no fim rendem umas poucas centenas de euros (o mesmo que quatro ou cinco horas de trabalho para um cliente).
O resultado para o acesso de todos à justiça é, em geral, desastroso. Como a maioria dos advogados acaba por tratar as oficiosas como algo de meramente complementar e para fazer depressa e com menos esforço, mesmo em casos onde é a liberdade de um cidadãos que está em causa, temos uma justiça coxa. Que permite a quem tem recursos a utilização de todos as garantias que a lei lhe oferece e uma boa defesa, e ao cidadão mais pobre um simulacro de justiça. E isto põe em causa a própria democracia.
Apesar de muitos advogados se oporem à ideia (não querem ser funcionários públicos, dizem), existe em muitas democracias maduras a figura do defensor público. E essa seria a melhor solução. Claro que o Estado não poderia competir com o que recebem os melhores advogados. Mas pelo menos garantia os mínimos exigíveis: um advogado que se entregasse a tempo inteiro a cada caso. E com tantos juristas a ser formados, não tenho dúvidas que a estabilidade de emprego compensaria os ordenados menos apetecíveis.
Haveria problemas para resolver: garantir a independência do defensor público em relação a quem lhe paga o salário - os interesses do Estado podem ser conflituantes com os de um arguido - e a eficácia que tem faltado nos serviços públicos de justiça. Mas seria seguramente melhor do que a solução actual. O que não é sustentável é manter esta defesa a fingir de quem não tem dinheiro para mais e que acaba na realidade que conhecemos: a prisão é um lugar para pobres.
Aceito que a muitos escandalize a possibilidade de ter um advogado funcionário público. Mas não deixo de achar extraordinário que se viva tão bem com a ideia de que a defesa da liberdade de tantos cidadãos seja uma coisa que se faz nas horas vagas.
EXPRESSO ONLINE
Daniel Oliveira (www.arrastao.org)
9:00 Segunda feira, 13 de Setembro de 2010
Um grupo de advogados vai pôr um processo ao Estado por atrasos no pagamento das defesas oficiosas . Sei que os atrasos já foram bem maiores mas que, por outro lado, se o processo demorar anos o pagamento espera anos. Um pagamento ridículo quando comparado com os preços de mercado.
Mais do que a justa irritação dos advogados, interessa-me os efeitos deste sistema nas garantias de defesa dos cidadãos com menos recursos. A ideia de dividir entre a comunidade jurídica a defesa dos que menos têm, com apoio do Estado, é generosa e interessante. Mas não resulta. A verdade é que os advogados mais experientes não aceitam oficiosas. O trabalho fica para os jovens advogados, sejam os que trabalham sozinhos sejam os que trabalham nos grandes escritórios. Os primeiros não se podem dar ao luxo de entregar muito tempo às oficiosas, pois lutam pela conquista de clientes. Os segundos não têm sequer essa escolha. Um grande escritório não quer um dos seus a perder tempo com processos que no fim rendem umas poucas centenas de euros (o mesmo que quatro ou cinco horas de trabalho para um cliente).
O resultado para o acesso de todos à justiça é, em geral, desastroso. Como a maioria dos advogados acaba por tratar as oficiosas como algo de meramente complementar e para fazer depressa e com menos esforço, mesmo em casos onde é a liberdade de um cidadãos que está em causa, temos uma justiça coxa. Que permite a quem tem recursos a utilização de todos as garantias que a lei lhe oferece e uma boa defesa, e ao cidadão mais pobre um simulacro de justiça. E isto põe em causa a própria democracia.
Apesar de muitos advogados se oporem à ideia (não querem ser funcionários públicos, dizem), existe em muitas democracias maduras a figura do defensor público. E essa seria a melhor solução. Claro que o Estado não poderia competir com o que recebem os melhores advogados. Mas pelo menos garantia os mínimos exigíveis: um advogado que se entregasse a tempo inteiro a cada caso. E com tantos juristas a ser formados, não tenho dúvidas que a estabilidade de emprego compensaria os ordenados menos apetecíveis.
Haveria problemas para resolver: garantir a independência do defensor público em relação a quem lhe paga o salário - os interesses do Estado podem ser conflituantes com os de um arguido - e a eficácia que tem faltado nos serviços públicos de justiça. Mas seria seguramente melhor do que a solução actual. O que não é sustentável é manter esta defesa a fingir de quem não tem dinheiro para mais e que acaba na realidade que conhecemos: a prisão é um lugar para pobres.
Aceito que a muitos escandalize a possibilidade de ter um advogado funcionário público. Mas não deixo de achar extraordinário que se viva tão bem com a ideia de que a defesa da liberdade de tantos cidadãos seja uma coisa que se faz nas horas vagas.
EXPRESSO ONLINE
Daniel Oliveira (www.arrastao.org)
9:00 Segunda feira, 13 de Setembro de 2010