Economia "Há hotéis de 4 estrelas a €20 por dia ...
"Há hotéis de 4 estrelas a €20 por dia em Albufeira"
Luz ao fundo do túnel: há excesso de imobiliária turística em Portugal, mas também há mercado para a absorver, garante André Jordan, empresário de imobiliária turística.
Conceição Antunes (www.expresso.pt)
11:45 Segunda feira, 5 de Julho de 2010
André Jordan, empresário de imobiliária turística
Luiz Carvalho
A solução passa pela promoção conjunta dos empreendimentos no exterior, num momento em que a concorrente Espanha "está no chão". Frisa que "não é olhar a crise como uma tempestade no céu que ninguém pode fazer nada. Temos de coletivamente procurar uma saída".
Continua a ser o 'pai' da Quinta do Lago. Quase 40 anos depois, ainda é uma referência no imobiliário?
Ficou essa marca, que surpreendentemente ainda é muito importante a nível mundial. Em 2009, a Quinta do Lago foi o produto mais vendido da Savills, pela fórmula do estilo de vida discreto e moderado. Num lugar dito de ricos é um lugar simples, não há palácios nem exibicionismo. No fundo, é o estilo de Portugal. Chegou a nossa hora, temos de saber aproveitá-la, o comboio não passa duas vezes. Os nossos concorrentes na área de imobiliário turístico, Espanha e Florida, estão no chão pelo excesso de construção e especulação. Nós estamos melhor colocados, até o "Financial Times" diz.
Mas os clientes estão descapitalizados, há uma crise que é global.
E também uma mudança de paradigma, as pessoas preferem agora fazer férias de forma mais moderada. Neste momento temos um stock de habitação construída, e independentemente da crise há um tipo de cliente nos principais mercados que gosta deste estilo de produto, da maneira de ser de Portugal, do nosso clima, da nossa comida. Temos um nicho, é aí que temos de nos focalizar e procurar clientes, não é preciso o mercado todo. Os nossos empreendimentos são muito pequenos a nível internacional, têm que se juntar numa grande promoção no exterior. Aproveitar o momento em que Espanha está no chão e penetrar nesses nichos de mercado. Se vendêssemos 2 ou 3 mil unidades de imobiliário, salvávamos o Algarve. E isso é possível fazer.
É o fim do modelo generalizado do imobiliário turístico como âncora e almofada financeira dos resorts?
O modelo para o futuro não é viável. Porque houve muito dinheiro que desapareceu, em tempos esse mercado era alimentado com pessoas do sector financeiro que ganhavam prémios de milhões e outro tipo de especuladores. Felizmente, houve mais moderação em Portugal do que em Espanha ou na Irlanda. Faltou foi seletividade no crédito. Porque vendi a Lusotur em Vilamoura? Quando começaram a aparecer pessoas sem qualificação com crédito abundante e ilimitado nos bancos, eu disse: está na hora de sair, isto vai acabar mal. De certa forma, perdemos o comboio. Aqueles anos em que podíamos ter desenvolvido o mercado e criado as condições económicas, fiscais e de promoção, não o fizemos. Espanha tem dois milhões de proprietários estrangeiros, França 3 milhões, e nós temos 150 mil. Agora, temos de lutar de outra maneira.
Vê solução para as quebras do mercado inglês, em particular no golfe?
Eu vendi os campos de golfe de Vilamoura em 2007, e já naquela altura, em pleno boom, defendia que era preciso criar um Portugal Golf Club, no modelo dos programas de fidelização das companhias aéreas e cadeias hoteleiras, para criar uma ligação do cliente ao destino. Se a operação for impessoal, no ano seguinte o cliente vai para outro local, porque é mais barato. Mas ninguém aprovou a ideia: dava trabalho, era mais fácil trabalhar com os tour operators. Perdemos 30% do mercado de golfe, é preciso recuperá-lo com ações de fidelização, não a baixar preços. Há hotéis de quatro estrelas em Albufeira a cobrar ¤20 por dia. Não podemos entrar nisso, mais vale fechar. Na Quinta do Lago venderam-se em 2009 mais de 50 propriedades muito caras a ingleses. Mostra que o mercado inglês existe e está vivo, temos é de ir buscar o segmento certo.
Mas a Quinta do Lago não é a regra, há muitos empreendimentos em situação de falência.
Por isso, temos de nos concentrar a comercializar esse stock imobiliário, procurar o nível de preços adequado, o que requer o tal esforço conjunto. Em 1974, nós os promotores de Vilamoura resolvemos fazer uma feira de imobiliário no Algarve. Fizemos publicidade, acordos com companhias de aviação e hotéis, trouxemos cá as pessoas e conseguimos vender dezenas de unidades em plena revolução. Há sempre uma saída, temos de a procurar coletivamente. Sozinho, ninguém tem capacidade para disputar mercado, mas juntos podemos fazê-lo. Já vivi muitas crises: a hiperinflação brasileira, os desastres políticos argentinos, o colapso americano em 1975, a revolução em Portugal em que a nossa empresa ficou sob intervenção. Toda a crise é igual, parece que é o fim. Só que Portugal não acabou. E não é olhar a crise como uma tempestade no céu e ninguém pode fazer nada: temos de reagir, atacar o mercado. Nós vamos lançar em outubro a nova fase de Belas, como um sinal de confiança no empreendimento e no futuro. Se ficarmos parados, saímos do mapa. Não sou burro nem teimoso, penso em termos prospetivos, acho que há sempre clientes aí fora, é preciso ir buscá-los.
Tem dito que não é com discotecas na praia que se promove um destino como o Algarve.
Já nem quero comentar o problema Algarve. Quem tem de fazer a promoção não são as regiões de turismo, são os empresários, os que têm o dinheiro no fogo, embora apoiados com linhas de crédito, juros baixos ou benesses fiscais. Era importante que os empreendimentos no Algarve se juntassem a criar infraestruturas de apoio na área de saúde necessárias para fixar os residentes. A falta destas infraestruturas tem levado muita gente, a partir de certa idade, a sair da Quinta do Lago e a voltar aos países de origem. Uma senhora alemã partiu um pé a jogar golfe, foi para o hospital de Faro e ficou numa maca no corredor. Os amigos ficaram nervosos e mandaram vir um avião da Alemanha para a buscar. O avião chegou da Alemanha antes de ela ser atendida. Esta é uma história verdadeira.
Concorda com o apelo do Presidente da República de fazer férias no país?
Acho que ele é um excelente político, ao contrário do que o próprio gosta que se pense. Consegue ler o sentimento popular, até porque é um homem com origem no povo, não veio das elites. Isso que ele disse já está a acontecer: as pessoas estão a passar férias em Portugal, e até sabemos que este ano a salvação do Algarve são os portugueses.