21.10.2010 - Alexandra Prado Coelho
O grande público acolheu-a através da televisão na década de 1980, mas o palco recebeu-a logo aos 24 anos no D. Maria II. Mariana Rey Monteiro, a actriz filha de profissionais de teatro que não queriam a filha nos palcos, morreu quarta-feira aos 87 anos
Mariana Rey Monteiro morreu de causas naturais, como informou a família. O corpo da actriz ficará em câmara ardente na Igreja do Santo Condestável e o funeral realiza-se sexta-feira às 11h00 no Cemitério dos Prazeres.
Filha de duas figuras maiores do teatro - Amélia Rey Colaço e o actor e encenador Robles Monteiro - Mariana Rey Monteiro sonhava desde criança trabalhar no teatro. Os pais tentaram por vários meios afastá-la desse caminho, não a levando aos espectáculos no D. Maria II, teatro que a Companhia Rey Colaço/Robles Monteiro alugara ao Estado em 1929. Sem sucesso.
"A primeira vez que fui ao D. Maria II tinha seis anos. De manhã o meu pai chamou-me e prometeu mostrar-me a ‘nova casa' do pai e da mãe", contou à jornalista Marina Ramos, do PÚBLICO, em 1996, por altura da comemoração dos seus 50 anos de carreira. "Lembro-me como se fosse hoje. O meu pai deu-me a sua gorda mão - que me transmitia uma enorme sensação de segurança - e levou-me a beber um café na Brasileira e a descer o Chiado."
Nessa altura era ainda, para todos, a Marianinha. Apesar de se manter longe do teatro, em casa, para se divertir, escrevia "umas larachas" para entreter os primos. Aos 15 anos os pais mandam-na estudar para Inglaterra, mas no final dos anos 1930, com a aproximação da II Guerra Mundial, volta subitamente para Portugal e parte, com os pais e toda a companhia do D. Maria II, para o Brasil. A partir daí a tarefa de a manter afastada do teatro tornou-se definitivamente impossível.
Aos 24 anos estreia-se no palco - no Teatro Nacional D. Maria II. "Embora tivesse algumas qualidades, não tinha experiência de palco, nem de corpo. Por isso, os meus pais tomaram imensas cautelas e pediram ao dr. Júlio Dantas que escrevesse uma peça que fosse um intermédio entre a declamação e a representação naturalista." Na "Antígona" de Sófocles adaptada por Júlio Dantas, a sua estreia no teatro, a "madrinha de cena" é Maria Barroso.
Chega a ser convidada para trabalhar em Hollywood, mas recusa. Em 1947, casa com Emílio Ramos Lino, irmão do arquitecto Raul Lino e campeão de esgrima que acabará por se tornar também cenógrafo do D. Maria II.
A partir daí a carreira de Mariana não parou. Fez centenas de peças - entre as quais "Sonho de Uma Noite de Verão", "Santa Joana", "Um Eléctrico Chamado Desejo", representou textos de Molière, Arthur Miller, Bernard Shaw, Tennesse Williams, Ibsen, Shakespeare, Ionesco.
Em Dezembro de 1964 viu o Teatro Nacional arder. "Telefonaram-me para casa às três da manhã, fui buscar a minha mãe e fui para o Rossio", recordou ao PÚBLICO em 1996. Os actores da companhia mobilizaram-se e conseguiram voltar a pôr em cena "Macbeth", no Coliseu.
Com o 25 de Abril a aproximar-se, a companhia estava numa situação financeira desesperada. Amélia Rey Colaço, desesperada, pediu ajuda financeira a Tomás, mas a companhia está condenada. A seguir ao 25 de Abril, Mariana Rey Monteiro quer deixar o teatro, mas volta ainda aos palcos para mais algumas peças. "Filhos de um Deus Menor", dirigida por João Perry, será a última.
A partir dos anos 1980, Mariana começa a trabalhar em telenovelas. Em 82, "Vila Faia" é a primeira telenovela portuguesa e ela lá está. "O Nicolau Breyner perguntou-me se me importava de pintar o cabelo de branco para fazer uma senhora de 80 anos e eu disse que não." Fez sete novelas, entre as quais "Chuva na Areia", "Origens", "Roseira Brava" e a série "Gente Fina é Outra Coisa". Mas lamentava que tivessem sido estas, e não o teatro, a fazer a sua popularidade, tornando-a conhecida por todos.
Uma das suas netas, Mónica Garnel, é actriz. Numa entrevista em 2003, o jornalista Adelino Gomes perguntava-lhe se alguma vez fizera as mesmas tentativas que os pais para que a neta não seguisse a carreira teatral. Não, respondia Mariana. "Ela própria está a lutar. Com dificuldades. Mas não desiste e continua. Porque a vida do teatro tem o dom de nos agarrar com paixão. Ao ponto de por vezes nos querermos desenvencilhar e não conseguirmos."
http://ipsilon.publico.pt/teatro/texto.aspx?id=267827