Dilma e José Eduardo dos Santos
Guia para trabalhar no Brasil: salários, experiências, custo de vida
Emigrar para o Brasil
D.R.
14/12/2011 | 12:00 | Dinheiro Vivo
Na semana passada a consultora Michael Page revelou que os salários do Brasil ultrapassaram as remunerações praticadas nos países ricos – chegando a ser 85% mais altos.
O mercado de trabalho encanta cada vez mais estrangeiros – europeus e americanos na sua maioria. Um engenheiro civil brasileiro sénior começa a negociar o seu ordenado nos 5820 euros, o italiano nos 3740 euros.
O número de estrangeiros a trabalhar ou a estudar no Brasil – 1,4 milhões – já ultrapassou o contingente de brasileiros fora de fronteiras. Só no primeiro semestre de 2011, o aumento de estrangeiros legais no Brasil foi de 52% em relação ao semestre anterior.
Vêem aí os Jogos Olímpicos (2016), o Campeonato do Mundo (2014), há grandes obras públicas em andamento e muito petróleo para extrair no pré sal brasileiro – as áreas profissionais com mais demanda e mais bem pagas são engenharia de petróleo e engenharia ambiental.
Basta andar na rua e entrar nas lojas para sentir a voragem do consumo. Os milionários de São Paulo viajam de helicóptero para as estâncias na costa e enviam os seus carros de luxo, em camiões, dias antes. Tendo em conta o actual momento do Brasil, uma marca de uísque escolheu como slogan: “O gigante não está mais adormecido.”
Mas o Brasil não é apenas o país das oportunidades, abençoado por deus e bonito por natureza. O custo de vida nas grandes cidades aumentou. É quase tão caro arranjar um apartamento no Rio como em Nova Iorque – um T1 em Ipanema não custa menos de 1500 euros por mês. Para travar o sobreaquecimento da Economia e controlar a inflação, o governo de Dilma Rousseff adoptou medidas restritivas ao crédito e juros mais altos. Na mesma semana em que a Michael Page anunciava os elevados salários dos brasileiros, soube-se que a economia estagnava no terceiro semestre de 2011 – o governo apressou-se a dizer que nos últimos três meses do ano, com o aumento do consumo e das exportações, a desaceleração seria compensada.
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O Brasil, já se sabe, é um lugar de contrastes e excessos. Pode ser tão fascinante como frustrante. Tem muitas oportunidades, mas é preciso saber chegar até elas.
Por mais que um português queira manter o seu modo de falar, se procura um emprego no Brasil é melhor que esqueça o orgulho linguístico. Margarida, que em Agosto deixou a empresa XN Brand Dynamics, em Lisboa, para se mudar para o Rio, arranjou emprego ao fim de mês e meio de procura. Desde cedo percebeu que, sem ser um grande problema, a comunicação exigia mais esforço do que imaginara: “Confesso que se torna difícil, tens de abrasileirar, falar mais devagar. Tens mesmo de fazer um esforço. Nós estamos muito habituados a ouvir o português do Brasil, eles não estão habituados a ouvir-nos. E falamos muito rápido.”
Margarida percebeu que o seu trato era demasiado formal para os brasileiros. Mesmo o modelo de CV é mais simples e menos formatado que o europeu: “Só quando mudei o meu CV para o modelo deles é que comecei a receber respostas.” Tanto nas entrevistas, nas cartas de apresentação, como no escritório, tudo é mais descontraído: “Em Portugal as hierarquias são mais vincadas, aqui falas com o teu patrão como um amigo. Há respeito mas não há medo.”
Outro português, José Filipe Torres, CEO da Bloom Consulting, com negócios em S. Paulo, faz outra recomendação: “Nós, os portugueses, julgamos ter mais afinidades com os brasileiros do que realmente temos. Por vezes, há até um certo paternalismo ou aquela coisa dos povos irmãos… Não somos tratados de forma especial. Somos como os italianos ou os japoneses. Mas o facto de sermos europeus já importa. Ter experiência de trabalho na Europa, de preferência em mais que um país, é bastante considerado.”
Margarida confirma que vir do velho continente é uma mais-valia. Na primeira empresa onde trabalhou, chegaram a justificar o pedido de visto com a “visão europeia do conceito de marca” que Margarida podia oferecer. E num país onde o inglês não está na ponta da língua de todos, saber outro idioma além do português é uma qualidade muito apreciada pelos empregadores.
Caçadores de cabeças
Com falta de mão de mão-de-obra qualificada que possa sustentar o desenvolvimento, o Brasil precisa de ir buscar estrangeiros. Grandes empresas globais de headhunting como a Michael Page confirmam a procura do mercado, especialmente em profissões técnicas, como engenharia e tecnologia da informação. Mas nem sempre é fácil, para um português acabado de chegar ao Brasil, estar referenciado por estas empresas ou dispor dos seus serviços. Maria Resende, 34 anos, que chegou ao Rio há dois meses e procura emprego na área da comunicação, conseguiu ser entrevistada por algumas empresas de head hunting: “É melhor ir lá directamente, com o CV e carta de apresentação. Mas nem todas aceitam e mandam-te enviar o CV pela via oficial.” Numa dessas entrevistas, sublinharam que tinha um excelente currículo e que o facto de saber línguas era um “diferencial” (mais-valia) importante. Apesar do entusiasmo dos headhunters, só foi chamada para duas entrevistas de emprego.
Margarida, que também trabalha em comunicação, usou outro método. Definiu as marcas para as quais gostaria de trabalhar e foi de porta em porta com o CV. Mês e meio depois foi chamada para várias entrevistas, na mesma semana, e arranjou emprego numa companhia brasileira – prefere não dizer o nome do empregador por razões que se perceberão adiante.
Um arquitecto português, ilegal no Brasil, disse: “Se há um ano me dissessem que estava a trabalhar e a viver ilegalmente no Rio de Janeiro, não acreditava.” Como muitos outros estrangeiros, recebe por baixo da mesa. Ter visto não é fácil mas também não é impossível. Empresas multinacionais, habituadas a contratar estrangeiros, não temem o processo e chegam a tratar de tudo. Mas as empresas brasileiras, que só agora começam a lidar com empregados de outros países, são menos diligentes.
Miguel Bacelar, director de planeamento estratégico da Publicis Brasil, aconselha a contratação de um advogado para conseguir o visto e sugere que, nas entrevistas de emprego, o candidato sublinhe que o visto não é um bicho de sete-cabeças. Com a ajuda de um advogado ou despachante, o processo pode custar até dois mil euros.
Mas Margarida preferiu fazer tudo sozinha – pagando apenas as taxas do consulado – e aconselha todos a informarem-se muito bem antes de iniciar o processo. Outro dos problemas com o visto, segundo Margarida, é que “a empresa precisa de se responsabilizar pela tua saúde e repatriação, e nem todas querem essa responsabilidade.” Um mês e meio depois de estar empregada e de ter organizado ela mesma a candidatura do visto, a empresa decidiu que afinal não contava mais com Margarida.
José Filipe Torres avisa: “Claro que há mais oportunidades no Brasil que em Portugal e que se ganha melhor. Mas não se pense que tudo são facilidades e que todos vão enriquecer na corrida ao ouro. Trabalha-se muito, especialmente em São Paulo, onde têm uma mentalidade muito americana, muito competitiva. Trabalha-se muitas horas. Quem vem para o Brasil tem que ver além da fuga à crise, o Brasil não vale apenas pelos salários altos, vale pela experiência.”
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