Saturday, 3 July 2010



Portugal do sec XXI
Entrevista a D. Duarte pela "ELITE negócios & lifestyle" de Maio de 2010
2010-06-13 11:55


D. DUARTE PIO DE BRAGANÇA

O REI DE PORTUGAL
O herdeiro do trono português acredita que tem hipótese
de vir a ser Rei de Portugal, se houver coragem política para
referendar a Chefia de Estado. Garante que os custos com o
Palácio de Belém são cinco vezes superiores aos da Casa Real
espanhola, uma das mais caras a nível europeu, e questiona
a comemoração do Centenário da República, contestando os
motivos e os gastos associados à celebração.

Este ano assinala-se o Centenário da República Portuguesa. Como é que o D. Duarte encara estas comemorações?

Há uma graça sobre isso: se os republicanos defendem que os 48 anos da II República não foram verdadeiramente República, por causa da Ditadura Militar (1926-1933) e do Estado Novo (1933-1974), nesse caso, não se devia celebrar o centenário, porque seria preciso descontar esse período. Estaríamos a falar de 52 anos de República e não de um século. Se se está a festejar não os 100 anos da República, mas sim o golpe de 1910 também acho esquisito. Não creio que seja motivo de celebração a ocorrência de um golpe terrorista e revolucionário que derrubou o até então vigente regime democrático, instalando praticamente uma ditadura - a do Partido Republicano, em que tudo correu mal. Essa situação conduziu a uma realidade económica desastrosa e a um clima social de grande tensão. Não nos podemos esquecer que muita gente foi perseguida, incluindo os sindicatos e a Igreja. Saqueavam-se jóias, humilhavam-se padres. Até o Partido Socialista foi maltratado. Tudo aquilo foi tão mau que acabou por haver nova revolução militar em 1926, que repôs a ordem com o aplauso geral do país. A II República também acabou mal, com outra acção militar, o 25 de Abril. Andamos a festejar golpes militares e, com isso, está-se a transmitir aos portugueses a ideia de que se as coisas correrem mal, há um golpe militar e resolve-se o problema. E como as coisas estão longe de estarem bem, é com alguma apreensão que vejo esta celebração, que pode ser interpretada como um apelo a novo golpe militar.

Para as pessoas menos despertas para a história, como é que descreveria o país antes de 5 de Outubro de 1910, quando comparado com o resto da Europa?

Fazendo a comparação entre essa altura e a realidade actual, tendo como referência a Europa, éramos mais avançados economicamente e, do ponto da vista da educação, estávamos num nível médio. Hoje, estamos nos últimos lugares em termos de índice de Desenvolvimento Humano. Nos primeiros anos da república, a economia piorou muito, o número de eleitores diminuiu 30% e as mulheres também não votavam... Os republicanos prometiam tornar o voto universal, mas não o fizeram.

Então,como é que explica a mudança de regime?

Há vários factores. Um deles prende-se com a insatisfação dos principais partidos face ao rei D. Carlos, começando a apoiar a causa republicana. Depois, a disseminação da ideia utópica de que a república era um modelo mais avançado de democracia, o que gerou entusiasmo. Por outro lado, muitas forças espanholas apoiaram o movimento republicano português, por ser iberista. Há uma combinação de razões que Ievaram a que em 1910 fosse tão fácil derrubar um regime democrático e exilar o rei. E, sobretudo, nunca ninguém se atreveu a fazer um referendo à república, porque provavelmente perderiam.

Porquê a necessidade de mudar completamente a bandeira?

A bandeira republicana é iberista. A proposta original era de um rectângulo vermelho com um círculo verde no meio, que representaria Portugal dentro de Espanha. Depois foi alterada, mas a área a vermelho continua a ser maior do que a verde. Um dia na escola, o meu filho Afonso perguntou à professora se a explicação oficial da bandeira era verdadeira. Porque é que a república portuguesa tem muito mais sangue do que esperança - essa foi uma desculpa que inventaram depois. Alguns republicanos disseram-me: "Repare que fomos a única república que conservou as armas da família real." Foi simpático não retirarem as armas da minha família, mas acho que este assunto devia ser discutido, porque as cores estão simbolicamente erradas. A mudança completa de bandeira só aconteceu na Rússia, com a queda da União Soviética.


"Que se faça uma homenagem ao
terrorismo de 1910 é discutível e para referir as intenções republicanas bastaria uma verba mais modesta"

A mensagem oficial associada ao Centenário da República escamoteia os erros da República, sobretudo nos primeiros tempos?

Sem dúvida. Julgo que é errado gastar 10 milhões de euros com uma propaganda política quando se poderia prestar uma homenagem aos que se sacrificaram, arriscando apropria vida, na revolução de 1910. Estou a pensar sobretudo nos mais idealistas, dispostos a se sacrificarem em nome da revolução, os membros da Carbonária Portuguesa - hoje equivalente à ETA ou à Al-Qaeda, por se tratar de um movimento que usava a violência para defender os seus ideais. Que se faça uma homenagem ao terrorismo de 1910 é discutível. Que se refiram as intenções republicanas seria interessante, mas para isso bastaria uma verba bem mais modesta.

E reconhece nestas comemorações uma certa colagem da ideia de república à de democracia, como se um sistema democrático tivesse que ser republicano e não monárquico?

Isso é desmentido pela realidade política contemporânea. Eu e a minha mulher estivemos no aniversário do Rei Carl XVI Gustav da Suécia, quando ele completou 60 anos [em 2006], e o primeiro-ministro afirmava que o Partido Socialista sempre foi republicano, mas que tinha chegado à conclusão de que o melhor defensor da república sueca era o rei. O primeiro-ministro holandês, socialista, tem a mesma posição face à Rainha Beatriz Guilhermina Ar-mgard. A Austrália também é uma monarquia constitucional por vontade do povo que, em referendo, preferiu uma rainha como Chefe de Estado em vez de um presidente. Ou seja, hoje, muitos dos republicanos europeus começam a achar que é compatível defender os valores republicanos e ter um rei, considerando que este dá mais garantias de honestidade, seriedade e continuidade ao Estado.

Falando de outras monarquias, quais são, no seu entender, os melhores exemplos?

Não se devem apontar exemplos, pois cada povo, com a sua cultura, espera do rei certas atitudes. E este raciocínio é válido quer para a Escandinávia quer para a Dinamarca, a Holanda, a Suécia, o Reino Unido ou Espanha. Em Espanha, essas expectativas são preenchidas, mas há aspectos do comportamento do rei que seriam mal vistos por outros povos. Porquê? Os espanhóis suspeitam que Juan Carlos foi um grande conquistador, e isso é um motivo de orgulho para eles. Tal não aconteceria num país nórdico.

A maioria dos cidadãos queixa-se dos governantes, acusando-os de olharem mais pelos seus próprios interesses do que zelarem pelo interesse geral. A monarquia seria a solução?

Seria bom que as pessoas percebessem as vantagens associadas à monarquia.À partida, conquista-se desde logo uma imagem de marca. Por exemplo, os produtos ingleses de qualidade têm o patrocínio da Casa Real e isso tem impacto junto do consumidor. O mesmo acontece nas deslocações empresariais, quando as comitivas são acompanhadas por um membro da família real. Por outro lado, há a questão dos gastos. No tempo da presidência do Dr. Jorge Sampaio, a Casa Real espanhola gastava um quinto do orçamento do Palácio de Belém. E isto em valores absolutos, porque se os cálculos fossem feitos por habitante a discrepância seria muito maior. As outras casas reais europeias - à excepção da inglesa- são todas mais baratas do que a espanhola, logo do que a presidência portuguesa.
Além disso, nas monarquias contemporâneas, os actores políticos têm uma preocupação muito grande de se comportarem bem, pois sabem que o rei ou a rainha os vigia, não hesitando em chamar-lhes a atenção. O próprio Harold Wilson [primeiro-ministro do Reino Unido entre 1964 e 1970 e de 1974 a 1976] afirmava que tinha de se preparar melhor para a reunião com a rainha do que para a discussão no Parlamento. Por outro lado, mesmo em países em que o rei não participa na vida política, como na Suécia, ele tem uma influência muito grande, que é positiva e que contribui para melhorar a democracia. No nosso caso, julgo que seria importante cultivar uma maior proximidade entre eleitos e eleitores. A eleição para o Parlamento deveria ser em círculos nominais, em que cada região elegeria um deputado. Hoje, entre 40 a 60% dos portugueses abstêm-se nas eleições. Metade dos portugueses acha que não vale apena votar, o que quer dizer quejánão acreditam na democracia.

Isso leva-o a admitir a possibilidade de vir a ocupar o cargo de Rei de Portugal?

Se a democracia em Portugal for efectivamente assumida, se se permitir um debate livre e aberto sobre a Chefia do Estado e, em consequência disso, se fizer um referendo, acredito que sim. Se continuarmos a dizer aos portugueses que não têm capacidade para discutir este tema e que o artigo 288.° da Constituição da República Portuguesa é inalterável [versa sobre os princípios que as leis de revisão constitucional terão de respeitar, incluindo "a forma republicana de governo", em vez de "a forma democrática de governo", como proposto pelos monárquicos], aí será difícil.

Agora que se fala de uma nova revisão constitucional, acha que o tema pode voltar a ser discutido?

Depende da maioria do Parlamento.

Num cenário hipotético, quais seriam as suas primeiras medidas enquanto Rei de Portugal?

O Parlamento teria que fazer uma alteração da Constituição e especificar quais os deveres do rei. Geralmente, o rei tem a missão de preservar os valores culturais e éticos, de ser um pilar de estabilidade, e de prestar atenção às minorias, tantas vezes esquecidas por não representarem votos.É o caso das populações rurais nas zonas pobres do país e das minorias, como os ciganos e os imigrantes. O rei teria de se preocupar com eles e abrir caminho para que fossem mais ouvidos. Há também uma obrigação para com o mundo lusófono. As populações de África, de Angola, Moçambique e Timor, por exemplo, estão muito ligadas à monarquia e às memórias históricas portuguesas e, actualmente, não têm um representante em Portugal. É pena porque estamos a perder uma identidade comum, um espírito lusófono, que pode ser fundamental no futuro. Noto muito isso. Os povos sentem cada vez mais necessidade de se ligarem à sua história, o que é particularmente evidente no Brasil. Os brasileiros admiram bastante D. João VI, por tudo aquilo que este rei fez pela modernização do país.

E os portugueses? Que relação têm com a Casa Real?

Segundo as sondagens republicanas, 70% querem a república, enquanto que os restantes 30% dizem que preferiam ter um rei moderno e contemporâneo. Quanto à relação propriamente dita, posso lhe adiantar que as pessoas na rua são muito simpáticas. Da parte das entidades locais há manifestações de interesse face à Casa Real, com muitas câmaras municipais a convidarem-nos para visitas oficiais. Faço aproximadamente 40 deslocações deste tipo por ano, e é gratificante sermos bem recebidos. Além disso, as escolas também se revelam cada vez mais empenhadas em explicar o que é e o que representa a monarquia. Procuro aceitar os convites que me fazem nesse sentido, pois é curioso perceber como as crianças se desenvolvem cada vez mais depressa. Antes perguntavam-me se eu tinha coroa e se vivia num palácio. Agora mostram-se mais politizadas, tentando compreender as vantagens de termos uma monarquia. Oque demonstra que a educação está melhor. Ou que os professores preparam a visita.

Como avalia as críticas que frequentemente são feitas ao sistema educativo?

Quem se dedica mais à formação dos meus filhos é a minha mulher, como em quase todas as famílias. Mas procuro ajudá-los em matérias como a Geografia, a História ou as Ciências da Natureza. Confesso que acho alguns programas francamente revoltantes, estupidificantes. Há um grande enfoque na teoria e pouco em termos práticos. Parece que há a vontade de criar pequenos universitários, levando as crianças a não terem tempo para brincar, pois estão ocupadas a decorar. Considero esta ministra da Educação culta e inteligente, e espero que ela consiga fazer mudanças, apesar de ir encontrar as barreiras que impedem o sistema de evoluir e de acompanhar os melhores exemplos europeus. Choca-me a cultura de que o que interessa é que os alunos passem, em vez de se apostar na exigência do ensino. Também acho inconcebível o facto dos professores viverem receosos com medo de que os alunos ou os próprios pais os agridam.

Esse desrespeito pela autoridade vê-se também com as forças policiais. Essa aversão à autoridade vem de onde?

Dantes os miúdos faziam asneiras e os pais ralhavam-lhes, dizendo que aquilo não era uma república. .. Algo está mal quando um militar da GNR é condenado a 16 anos de prisão por ter baleado mortalmente um assaltante que o atacou. É um completo absurdo e não é minimamente democrático.

E quanto à situação económica do país, o que mais o preocupa?

Várias coisas. Procuro acompanhar a actualidade do país através das nossas reuniões do Conselho Privado, onde contamos com especialistas de diversos sectores para nos darem uma visão mais profunda de questões económicas e políticas. Também o faço através do Instituto da Democracia Portuguesa e de outras associações que integro. A ideia é compreender melhor o que se passa no país e chegar a propostas para desenvolver a economia e a sociedade. Temos feito trabalhos a nível municipal e regional, em colaboração com câmaras e outras entidades locais, para encontrar soluções que melhorem a vida dos portugueses.

A que conclusões chegaram?

Muitas. Uma delas é que o Estado não deve investir em obras que não melhorem a capacidade produtiva. Por exemplo, para quê uma nova ponte sobre o Tejo, feia e caríssima, que vai criar um grave problema de navegação no Tejo e trazer mais trânsito para Lisboa, quando o TGV poderia passar o rio em Santa Iria da Azóia ou um pouco mais acima? Que sentido há em fazer mais auto-estradas quando as construtoras se podiam concentrar em recuperar o edificado devoluto? Certamente que isso teria mais impacto do que as grandes obras públicas. Também me escandaliza que, da parte do Estado e de empresas privadas, haja pouca preocupação em preferir os produtos nacionais. Dois terços dos hospitais pagos com o dinheiro dos nossos impostos são equipados com cerâmicas estrangeiras. Depois, não vejo um Sharan da Autoeuropa a servir um ministro ou uma entidade pública. Houve um escândalo quando a princesa Diana andou num Mercedes-Benz. Aqui, acha-se normal que o Presidente da República se desloque em carros importados.

Fonte: "ELITE negócios & lifestyle" nº 46 de Maio de 2010

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