Monday, 26 July 2010

AJUDA AO DESENVOLVIMENTO EM CINCO PASSOS FÁCEIS

JORNAL DE NEGÓCIOS
20 Julho2010

Jeffrey D. Sachs

Cada país, rico ou pobre, deve garantir o acesso universal aos cuidados primários de saúde, o que inclui condições seguras de nascimento, nutrição, vacinas, controlo da malária e serviços clínicos.

Cada ano, quase nove milhões de crianças morrem em condições que podiam ter sido evitadas ou tratadas e quase 400 mil mulheres morrem devido a complicações durante a gravidez.

Quase todas estas mortes ocorrem nos países mais pobres do mundo. Evitá-las reduziria não só o sofrimento, mas fomentaria, também, a prosperidade económica em sociedade empobrecidas e instáveis.

A maior barreira para alcançar este objectivo é que os países mais pobres não podem financiar cuidados primários de saúde universais, apesar do custo por pessoa ser muito baixo. Graças às vacinas, às medicinas modernas, aos novos métodos de diagnóstico, aos telemóveis e a outras novas tecnologias, os cuidados de saúde primários são, actualmente, muito eficazes e muito baratos, custando cerca de 54 dólares por pessoa por ano nos países pobres.

No entanto, devido aos seus baixos rendimentos, os orçamentos nacionais dos países mais pobres só podem financiar cerca de 14 dólares por pessoa. A ajuda financeira externa é necessária para ajudar a financiar cerca de 40 dólares por pessoa. Dado que cerca de mil milhões de pessoas carecem de cuidados primários de saúde, são necessários 40 mil milhões de dólares por ano. Actualmente, os doadores estrangeiros - incluindo Estados Unidos, União Europeia e Japão - contribuem com um terço deste valor, cerca de 14 mil milhões de dólares por ano.

O "gap" financeiro é de 26 mil milhões de dólares. Com esse dinheiro, a vida de muitos milhões de mães e de crianças poderia ser salva todos os anos.

Para os países ricos não é muito dinheiro mas, ainda assim, não o conseguiram reunir. A falta mais óbvia é no Fundo Global de Luta contra a Sida, a Tuberculose e a Malária, uma iniciativa global para ajudar os países mais pobres a combater estas doenças mortais. O Fundo Global precisa desesperadamente de dinheiro. Apesar disso, a administração Obama e outros governos não estão a dar resposta a esta necessidade financeira.

Os países ricos poderiam facilmente reunir este dinheiro. Primeiro, os Estados Unidos podiam terminar a cara e falhada guerra no Afeganistão, que está a custar cerca de 100 mil milhões de dólares por ano. Se os Estados Unidos dessem uma pequena percentagem desse valor para ajudar o desenvolvimento do Afeganistão, haveria muito mais probabilidades de alcançar a paz e a estabilidade nesse país assolado pela guerra.

Por exemplo, os Estados Unidos podiam doar 25 mil milhões de dólares anuais para ajuda ao desenvolvimento e outros 25 mil milhões de dólares para a saúde global e, ainda assim, poupariam 50 mil milhões de dólares anuais para reduzir o défice orçamental. O Afeganistão, e os Estados Unidos, estariam mais seguros, o mundo ficaria mais saudável e a economia norte-americana seria, enormemente, beneficiada.

Uma segunda hipótese seria aplicar impostos aos grandes bancos internacionais, que estão a ganhar lucros excessivos com as suas transacções especulativas. Mesmo depois de Wall Street quase ter deixado a economia mundial em ruínas, o governo norte-americano tratou-os com indulgência e protegeu-os, permitindo que voltassem a registar elevados lucros - talvez 50 mil milhões de dólares - no ano passado.

Os banqueiros voltaram a pagar a si próprios elevados bónus - mais de 20 mil milhões em 2009. Este dinheiro deveria ter ido para as pessoas dos países mais pobres e não para os banqueiros - que certamente não o ganharam.

É tempo de aplicar um imposto internacional sobre os lucros dos bancos - talvez através da implementação de um imposto sobre as transacções financeiras internacionais - que poderia arrecadar dezenas de milhões de dólares todos os anos. Os países em desenvolvimento devem fazer pressão para que este imposto seja criado e não devem aceitar desculpas débeis dos Estados Unidos e outros países para proteger os seus bancos.

Uma terceira hipótese seria obter maiores contribuições dos homens mais ricos do mundo. Vários deles, incluindo Bill Gates, George Soros, Warren Buffett e Jeffrey Skoll já são mega-filantropos, doando elevados montantes para o bem mundial. Ainda assim, outros milionários têm ainda de fazer doações semelhantes.

De acordo com a mais recente lista da "Forbes", existem 1.011 multimilionários no mundo, com uma riqueza líquida conjunta de 3,5 biliões de dólares. Isto significa que se cada multimilionário contribuísse com 0,7% da sua riqueza líquida, o montante total seria 25 mil milhões de dólares por ano. Imaginem, mil pessoas podiam garantir cuidados primários de saúde para mil milhões de pessoas.

Uma quarta possibilidade seria olhar para empresas como a Exxon-Mobil, que ganha milhões de dólares em África todos os anos, mas, que de acordo com um dos relatórios da empresa, gastou apenas cinco milhões por ano em programas de controlo da malária em África durante 2000 e 2007. A Exxon-Mobil pode e deve financiar uma parte muito maior dos serviços de saúde primária tão urgentes em África, seja através de direitos pagos pela empresa ou de doações filantrópicas.

Em quinto lugar, os novos doadores, tal como o Brasil, a China, a Índia e a Coreia do Sul, têm a visão, o dinamismo económico e o interesse diplomático para expandir os seus apoios nos países mais pobres, bem como nas zonas mais pobres dos seus próprios países. Se os Estados Unidos e a Europa são demasiado negligentes para cumprirem as suas responsabilidades, as economias emergentes podem e vão realizar parte delas. Felizmente, estes novos doadores estão a tornar-se parceiros de confiança em África.

O mundo rico diz que há falta de dinheiro para fazer mais. Mas o que falta é imaginação e não recursos. Os Estados Unidos deviam deixar de desperdiçar dinheiro em gastos militares e destiná-lo ao financiamento do sistema de saúde. O mundo deveria implementar um imposto global sobre o sector bancário. Os multimilionários deviam aumentar o seu nível de filantropia. As empresas petrolíferas deviam pagar mais. Os novos doadores, como a China, podem preencher o "gap" financeiro deixado pelos países doadores tradicionais.

O dinheiro existe. As necessidades são urgentes. É um desafio à moralidade e à capacidade de visão.

Jeffrey D. Sachs é professor de Economia e director do Instituto da Terra na Universidade de Columbia.

© Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques

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