Entrevista com o chairman da Mota-Engil
António Mota: "O novo aeroporto de Lisboa é preciso há 30 anos"
A empresa de António Mota não pretende estar no mercado da reabilitação enquanto não forem feitas mudanças significativas na legislação.
(Nélson Garrido/ arquivo)
As apostas vão continuar no mercado internacional, que já contribui significativamente para as contas e a expansão do grupo.
Está satisfeito com que com os resultados financeiros e com o volume de negócios com que a Mota Engil vai fechar o ano de 2010?
Foi um ano razoável. Apesar da crise que existe no sector, e da crise que Portugal e o mundo atravessam, conseguimos compensações muito significativas. Poderá haver em 2010 alguma estagnação fruto da crise que se instalou em Portugal, mas vamos ter uma compensação na área internacional. Ainda nos falta apurar os contributos das nossas empresas participadas em mercados externos. E para 2011 temos uma carteira de encomendas equilibrada que prevê crescimento.
Continua a ser o mercado internacional a permitir crescimento ao grupo?
As margens operacionais nos mercados em que estamos são melhores que as margens que temos em Portugal e por isso verifica-se um aumento. Já no final do terceiro trimestre, a Europa central já significava 20 pro cento do volume de negócios da construtora, e os mercados africanos (Angola, Moçambique e Malawi) pesavam 30 por cento. Esse peso vai manter-se em 2010, e em 2011 vai crescer.
O que se verifica também é que as áreas do ambiente e serviços já contribuem significativamente para o EBITDA e para a nossa internacionalização. Mais do que isso, abrem possibilidades de negócios em outros projectos. A nossa preocupação é conseguir continuar a crescer na área internacional, fazendo-o com rentabilidade, transferindo know-how e tentando adoptar a nossa estrutura. Hoje a nossa estrutura está pesada demais para o mercado nacional, e se calhar precisa de ser reforçada no mercado internacional. Há que rever a organização do grupo, face a uma realidade que é mais negócios na área internacional.
Seria uma boa notícia para as exportações portuguesas, se no caso na construção não significasse “exportar” a fábrica...
É uma convicção minha – mas posso estar enganado – que provavelmente seremos o maior empregador de portugueses fora de Portugal. Temos hoje um contingente de mil quadros portugueses expatriados, entre Angola, América Central, Peru, Malawi, Moçambique, etc... Esta gente ou vai definitivamente, e perde a ligação ao país, ou quer estar no máximo quatro, seis anos, e depois voltar. Se as empresas não estiverem preparadas, vamos ter uma grande dificuldade. A rotação pode ter que vir a ser feita com pessoas de outras nacionalidades.
A Mota-Engil nasceu da fusão de duas construtoras portuguesas, que tinham a maioria do seu volume de negócios em Portugal. Agora é cada vez menos uma empresa de construção e cada vez mais uma empresa dos multisserviços, com presença no ambiente e resíduos, nas concessões de transporte. A facturação já é cada vez mais internacional mas a engenharia e construção continua a pesar mais do que todas as outras áreas juntas. Também pretendem alterar este equilíbrio de forças?
O mercado nacional tem estado em decréscimo, o seu peso agora não atinge os 50 por cento. O nosso posicionamento mudou muito, com o arranque do plano estratégico Ambição 2013. Foi ele que nos permitiu entrar em novos mercados, sem ser pela construção. Agora também entrarmos em mercados através das áreas de ambiente e serviços e a de concessões de transporte. Foi o caso do Brasil. Nunca conseguimos lá entrar pela construção. Conseguimos agora, com a compra de uma participação numa concessão rodoviária, e em segundo lugar a aquisição de uma empresa do ambiente e serviços. Esperamos que possamos durante 2011 ter uma entrada no sector da construção. Esta é uma abordagem diferente da que nós tínhamos até aqui, e o mérito dela é muito no presidente executivo do grupo, Jorge Coelho. E que vai potenciar o crescimento da nossa área internacional, e o desequilíbrio entre a construção e as outras áreas, ou pelo menos a aproximação das outras áreas de serviço a uma percentagem mais significativa no desenvolvimento do grupo.
Agora que passou algum tempo da contratação de Jorge Coelho para a presidência executiva do grupo, o que acha do desempenho e das condições que ele tem tido para exercer função?
A primeira grande referência que devo passar é que se integrou muito rapidamente no seio da empresa. Depois, há essa questão fundamental, que ele introduziu. Eu sou um homem da construção, dificilmente conseguiria pensar a internacionalização que não começasse pela construção. Ele é que introduziu isso. Estamos cada vez mais internacionalizados na área de serviços e essa é uma mudança muito forte que só poderia ser introduzida uma mudança tão grande de mentalidades. Trouxe muitos benefícios a empresa e isso foi muito positivo.
O grupo queixa-se de ser usado como arma de arremesso político. Não acha natural que a política seja invocada, ao contratar para a presidência da empresa um ex-ministro?
Nós não nos queixamos disso, mas sentimos que somos injustiçados. Porque a Mota-Engil já era o maior grupo português neste sector antes da chegada de Jorge Coelho. Fizemo-lo por nós, com diversos governos, sem favores. Tudo o resto que se diz por ai, são ciúmes.
Mas foi mais útil a nível nacional ou internacional?
Este grupo fez-se com uma história de 60 anos. Cresceu, passo a passo e chegou onde chegou pró influência do meu pai, por influencia minha, por influência da gente que me acompanhou, e agora pelas pessoas que gerem a empresa, liderados por Coelho... Não é obra e graça de um só homem. Aqui há é um homem que introduziu novos conceitos. A América latina era um mercado não estratégico. Hoje estamos no Brasil, no México e no Peru, e antes só estávamos no peru, com a Translei, agora Mota-Engil Peru. Vamos também abrir escritórios na Colômbia e esperamos que durante 2011 se consigam dar alguns passos significativos no mercado colombiano.
Em que é que diz que foi injustiçado? No caso da Liscont e do terminal de contentores de Lisboa? Que indemnização vai pedir ao Estado?
Quem terá de dizer isso é a justiça, um tribunal arbitral em princípio. Como empresário, e accionista desta empresa não prescindirei que isso aconteça. Mas também sou português, e acho que Lisboa tem condições fabulosas para ter um porto, e que isso não se compadece com períodos de quebra. Os exemplos que há pela Europa fora é o de que os investimentos nas concessões se fazem ao mesmo tempo que a própria exploração do porto. Achamos que o contrato que tínhamos era um contrato leal, que defendia os interesses nacionais, o melhor possível. Acho estranho que políticos deste país admitam que se tem cometido um erro enorme, que foi não ter olhado para o mar, e a primeira coisa que fazem a seguir é suspender investimentos na área marítima. E não há mar sem portos.
A Liscont tem contrato até 2015. E a movimentação de carga não cresceu como estava previsto. Pode vir a ser lançado um novo concurso.
A partir de 2003 houve uma quebra por falta de capacidade de prestar um bom serviço. Quando adquirimos a Tertir, verificamos que havia potencialidades para crescer e que se justificava claramente um aposta no investimento, o que levou às negociações. A seguir veio a crise, mas os limites daquele porto, com dois ou três anos de não crise, ele entra em ruptura outra vez. Este ano foi muito razoável para a logística, porque tem a ver com as exportações, para onde todos estamos virados.
Mas verifico que a questão que foi levantada – e que foi o facto de ter havido uma negociação para promover um investimento inicial que tem como contrapartida a extensão de um prazo de concessão – tem sido aplicado internacionalmente, em vários sítios, e tanto quanto viemos agora a saber pelo relatório do Terminal de Sines, aconteceu com a própria PSA. Leva-me a pensar que em determinadas questões, mais vale não ser português.
Foi criada uma comissão para rever e analisar todos os contratos de Parcerias público-privadas (PPP). A Mota-Engil tem vários destes contratos assinados com o Estado. Esta disponível para alterá-los?
Não sei se vão ser alterados. Ainda não sei o que é que essa comissão vai verificar.
Talvez uma forma de aliviar os encargos das PPP, que se revelam muito pesados para o Estado.
Nos estamos disponíveis para encontrar as soluções possíveis, e recordo que estes contratos estão muito dominados pela área financeira. Acho muito precipitado estar a adivinhar o que essas pessoas vão fazer, ainda antes de serem conhecidas conclusões.
Fala-se muito dos custos das infra-estruturas que foram feitas. Mas o problema das contas públicas já existia, ainda antes de existirem PPP. E isso é que é preciso resolver.
Não digo com isto que as PPP são melhores ou piores, o que é certo é que estão feitas, e foram feitas com vontade de toda a gente. E que têm, obviamente, um custo. Mas as contas públicas portuguesas têm um problema, mesmo sem as PPP.
A segunda questão, e para mim, a mais fundamental, é que este não é um problema só de Portugal. É um problema da Europa, tem de ser pensado como um todo. Começou pela Grécia, Irlanda, agora está em Portugal... se algum dia o FMI entrar em Portugal vamos ter uma enorme crise em Espanha, que ninguém duvide disso.
Acredita que vai ser possível evitar o recurso ao FMI?
Espero que sim. Isto também tem de ser uma expressão de confiança das pessoas. Não podemos andar a dizer mal de nós sistematicamente. Fechemos a porta, e mostremos confiança. Mas vai ser preciso fazer cortes profundos, e concretizar as medidas.
Esses cortes implicam parar os grandes investimentos públicos, e nessa área a ME também tem interesses. Como vê a paragem desses investimentos?
Estou a falar do país, e não da Mota-Engil. Hoje é muito fácil criticar investimento público que já foi feito. Mas se não estivesse feito, estaríamos a criticar que ainda não estava feito. No caso do aeroporto, não podemos ser um país que só fala em futuro. O aeroporto é preciso há 30 anos. É um projecto que é financiado totalmente pela parte privada. Se calhar já devia era estar no terreno há três ou quatro anos.
Mas há condições para avançar agora?
Tem de se ver como está o mercado. É mais caro, com certeza. Mas se calhar ainda se faz. Aquilo é um project-finance: são os investidores e os accionistas que fazem o investimento e é a banca que assume o risco.
Não é só o Estado que tem dívidas e dificuldades de financiamento. Os privados não estão também sobrecarregados?
Não tenho dúvidas que ficaria mais caro. Assim como não há dúvidas que o aeroporto tem de ser feito. Gostava que esta crise passasse rapidamente, apesar de não ter muito essa esperança. Mas dentro de dois ou três anos é preciso começar a pensar o que se vai fazer a seguir. Vamos voltar a discutir os assuntos todos que já foram discutidos? O problema é que não se programa a 20 ou 30 anos. Muitas coisas já poderiam estar feitas. Porventura, a A4 já devia ter sido feita há 20 anos como auto-estrada, e não estávamos agora a faze-la. Se calhar tudo o que tem sido investido na linha do Norte não foi bem pensado. Continua a ser necessária uma segunda linha, de alta velocidade ou não. Sabemos que nem as populações nem a carga estão actualmente bem servida, não cabem lá mais comboios! E isso acontece, porque ninguém planeia a longo prazo. Vem a bonança, aí vai disto, vem a crise, pára aquilo, volta a bonança e voltamos a pensar... já vivemos isto, tantas vezes...Quem está no governo quer a alta velocidade, quem está fora do governo não quer. Depois muda o poder e pensam o contrário: o que estava no governo, já não quer, e o que queria já não pensa assim.
Tem alguma explicação para isso?
Não, não tenho. Mas é um problema o facto de não planeamos, de passarmos a vida a discutir soluções.
O sector da construção é um dos que mais tem contribuído para o aumento do desemprego em Portugal e nessa matéria não adianta estar a falar-se de internacionalização. A internacionalização é um caminho para que as empresas resolvam a sua saúde financeira e económica, mas não resolve o problema do desemprego no mercado interno. Não é possível fazer obras para países longínquos como o Brasil e Angola com toda a mão-de-obra portuguesa.
Esses países também não dão vistos para isso, como se verifica com Angola.
Eles não deixam, porque têm a mão-de-obra que nos temos cá. Em termos nacionais a solução tem de ser outra.
A aposta do Governo foi anunciada como sendo a reabilitação. Vamos ver a ME nessa área?
Não. Enquanto não for revista, de uma forma séria, toda a legislação que a envolve, não vale a pena. É uma luta perdida em que nós não vamos estar. No dia em que quiserem pensar a sério uma modalidade, estamos disponíveis para dar a nossa opinião. O que precisamos que seja feita para podermos investir. Com esta situação, a ME não entrara no sector da reabilitação.
Foram anunciadas quatro medidas na iniciativa para a competitividade e crescimento relacionadas com essa área...
Dou-lhe só um exemplo, pessoal. Comprei uma casa para uma filha minha na zona de histórica do porto, e há quatro anos que não consigo resolver nada. Nem mudar as pessoas, nem fazer as obras, nem cumprir as normas... Este é o meu problema pessoal. E se este é o problema que têm as empresas, pura e simplesmente, não nos metemos nessa confusão.
Angola vai continuar a ser o principal mercado, em termos internacionais, para a Mota Engil?
É um mercado estratégico, com enorme potencial. Tem as suas dificuldades, mas cumpriu sempre, no passado.
Mas as empresas têm de ser pacientes...
A verdade é que cumpriu sempre. É preciso saber estar naquele mercado, ter uma presença permanente, que permita sobreviver às crises e aos tempos melhores. Nós estivemos com o governo de Angola quando era esse o caminho, depois vivemos o período de crescimento das empresas estrangeiras, e estivemos lá, agora encontramos parceiros fortíssimos, a Sonangol e BPA, que potencia crescimento em outros países.
O objectivo é replicar a estrutura da Mota Engil em Portugal na Mota Engil Angola?
É replicá-la em todos os mercados que estivermos: constituímos uma empresa de direito local, e a partir de lá vamos para outros países. A partir de Angola e Moçambique, já chegamos ao Zimbabué.
Em Moçambique tambem vai ser criada uma empresa de direito local?