Juíza Ana Peres
“Trabalho foi duro e difícil”
Das 1760 páginas do acórdão do processo Casa Pia mais de mil são ocupadas com a fundamentação dos juízes para condenarem seis dos sete arguidos, nas quais são referidos os testemunhos valorados e os documentos analisados, as declarações dos arguidos e das vítimas, mas também o modo de falar e de estar destes, devido à dificuldade da prova neste processo com os réus a negarem os crimes.
"Não só quem pratica estes factos procura fazê-lo de forma que não seja descoberto (...) e resulta dos textos científicos que as vítimas de crimes sexuais tendem a não verbalizar o que sucedeu e quando falam sobre o que se passou, fazem-no com retalhos de memória selectivos", escrevem os juízes, explicando, por isso, que "o trabalho de análise crítica da prova que este processo implicou foi duro e difícil".
Os juízes admitem que para a sua convicção foi importante a forma como as vítimas falaram em tribunal – gestos, modo de estar, silêncios –, ou seja, a imediação, mas sublinham que esta convicção "não é arbitrária". Por outro lado, e para exemplificar a complexidade da análise na prova no processo Casa Pia, onde apenas Carlos Silvino confessou ter abusado de menores, os magistrados lembram ainda que quando o caso lhes chegou às mãos para julgamento, em 2004, já era conhecido há dois anos. "Este processo chocou a sociedade, quer na vertente das vítimas quer na vertente dos abusadores. Face à forma como o mesmo chegou a julgamento – com discussão no local próprio e com discussão na praça pública – o tribunal viu-se confrontado com exaustiva actividade investigatória e probatória", justifica a presidente do colectivo Ana Peres, que leu a súmula do acórdão no dia 3 de Setembro, após dois adiamentos, mas só o entregou no dia 13.
CORREIO DA MANHÃ 22-09-2010
Ana Luísa Nascimento