Sociedade
Arguido insinua que investigação foi orientada segundo objectivos definidos
Carlos Silvino diz que foi obrigado a mentir para suportar as acusações no processo da Casa Pia
O processo da Casa Pia está em recurso (Foto: Sara Matos/arquivo)
Carlos Silvino, o principal arguido do processo Casa Pia e em cujos depoimentos se baseou boa parte da acusação e da sentença, desdiz-se agora, nega a generalidade dos factos e diz que foi forçado a fazer aquele tipo de declarações.
Numa entrevista gravada pela revista Focus, e de que a SIC passou parte no Jornal da Noite, o antigo motorista da Casa Pia garante que nunca transportou rapazes para as casas de Elvas, da Avenida da Forças Armadas e outras referenciadas no processo, para onde dissera antes ter transportado alunos para participarem em orgias envolvendo os outros arguidos.
Contactado pelo PÚBLICO, o advogado de Carlos Cruz, Ricardo Sá Fernandes, disse já que vai requer ao Tribunal da Relação de Lisboa, onde o processo está em recurso, a junção da entrevista e a sequente audição de Carlos Silvino.
“Tive que dizer tudo com pena dos rapazes, que tinham levado bastante porrada. Via-se nos corredores [da Polícia Judiciária]”, afirma Silvino, que garante também ter feito todos os depoimentos sob o efeito de medicação e insinua também que lhe era sempre dado um copo com água
“que não sabia o que tinha”.
“Sempre que fui à Polícia Judiciária tomava aquele copo de água e sempre que regressava à prisão não me sentia bem, transpirava”, explicou.
Quanto ao conhecimento que tinha com os restantes arguidos, diz agora que conhecia apenas Carlos Abrantes e Ferreira Dinis, director e médico da Casa Pia, respectivamente.
Sobre Carlos Cruz, diz que apenas se encontrou com ele uma vez,
“quando Carlos Mota tinha uma mota a arranjar numa oficina em frente a minha casa”.
“Apresentou-mo e cumprimentei-o e estivemos a tomar um café nos pastéis de Belém”, disse.
Em relação a Paulo Pedroso, disse também que o único contacto que teve com o ex-governante foi quando este se deslocou à Casa Pia
“para participar num almoço de despedida” de um quadro da instituição.
Confrontado com o facto de, durante o processo, ter identificado a Casa de Elvas, para onde disse ter transportado rapazes para participarem em orgias, disse que a mesma lhe foi indicada antes por Dias André, o inspector da PJ que trabalhou no caso.
“Identifiquei-a depois de Dias André ter mandado o motorista dar a volta ao bairro indicando que os rapazes diziam que era aquela. Fui levado a várias casas onde diziam que havia rapazes e fui obrigado a dizer que tinha lá levado crianças. Nunca, nem para Elvas nem para nenhum lado, levei rapazes”, garante agora. No caso da casa da Avenida das Forças Armadas, assegura:
“Foi a polícia que me levou lá”. “E na casa da Buraca tive que dizer porque os rapazes disseram”, afirmou, referindo que um deles
“tinha até um atraso mental”.
“O desenho já estava feito”
Na entrevista, Carlos Silvino insinua também que a investigação foi sempre orientada segundo objectivos previamente definidos.
“O desenho já estava feito. Ele queria que eu assinasse o papel e eu não assinei”, afirma, numa aparente referência a Dias André.
“Fui silenciado do princípio até ao fim”, acusa ainda referindo que o advogado que o defendeu na parte inicial da investigação (antes de José Maria Martins) teria documentos que apontavam para outro tipo de implicados.
“O doutor Dória Vilar tinha uma lista onde havia políticos, gente do futebol e do meio artístico”. “Tive que mentir, além da medicação”,
lamenta-se.
Ricardo Sá Fernandes disse ao PÚBLICO que espera consequências destas declarações.
“Não estou surpreendido. Sempre foi claro que haveriam de falar, quer o Carlos Silvino, quer os jovens que incriminam Carlos Cruz, quando percebessem que tinham sido usados para condenar pessoas inocentes. Agora fico à espera que os jovens comecem também a falar. Não vão querer ficar para resto da sua vida com o peso na consciência de destruir a vida de pessoas inocentes”, afirmou.
Quanto às consequências, afirma:
“Logo que tenha acesso ao suporte digital da entrevista, vou requerer a junção da entrevista ao processo e que o senhor Carlos Silvino seja ouvido pelo Tribunal da Relação de Lisboa”.
O PÙBLICO chegou também à fala com Carlos Cruz, que disse não se poder pronunciar dado não ter visto a entrevista.
“Amanhã vou ler a Focus e então emitirei a minha opinião”, disse.
25.01.2011 - 22:54 Por António Arnaldo Mesquita, José Augusto Moreira
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