Tribunais mais brandos com infractores > SOL
Valor das coimas aplicado pela Autoridade da Concorrência foi reduzido pela Justiça em 65%, nos últimos três anos, e houve processos anulados
A AdC - AUTORIDADE da Concorrência, apesar de condenar pouco, tem tido a 'mão pesada' na hora de multar os infractores. Mas as suas decisões acabam por ser postas em causa quando as empresas recorrem para tribunal, com os valores das coimas a serem reduzidos ou mesmo com a anulação de processos.
Esta realidade contrasta com o panorama europeu, conseguindo a CE - Comissão Europeia fazer vingar mais as suas decisões na barra dos tribunais.
Nos últimos três anos, o valor das coimas aplicadas pela AdC foi reduzido em 65% por via judicial, segundo cálculos do SOL, a partir de dados do regulador. No caso da CE, a variação é de 3% . Fonte oficial da AdC considera, porém, que o número obtido não é «inteiramente rigoroso», pois não contempla todas as decisões sancionatórias desde a sua criação (2003), nem outras pendentes. Mas admite que o Tribunal de Lisboa «mostra uma tendência geral para a redução das coimas».
Falta de provas e erros processuais da AdC são as principais causas, apontadas pelos advogados de Direito da Concorrência ouvidos pelo SOL, para a taxa de 'insucesso' das coimas aplicadas pela entidade presidida por Manuel Sebastião. Lembrando que «em muitos dos recursos para tribunal subsistem as decisões da AdC, mas quase sempre há uma diminuição do valor das coimas», Miguel Mendes Pereira, da Abreu Advogados, diz que «o principal problema tem a ver com factos não provados ou provas que não respeitam as regras». Em três anos, a AdC viu 55 decisões serem alvo de recurso.
Para Frederico Pereira Coutinho, da Cuatrecasas, Gonçalves Pereira, é «normal» haver um «escrutínio administrativo diferente do tribunal». Ainda assim, considera que a AdC «tem tido, cada vez mais, preocupação em fazer decisões menos atacáveis», atendendo que a credibilidade das instituições também se constrói com a força de decisões que sobrevivem ao crivo dos tribunais.
Outro especialista em concorrência de uma das maiores sociedades de advogados a operar em Portugal, que prefere manter-se no anonimato, justifica a redução do valor das coimas com a «má preparação dos processos por parte da AdC», mas também com a «falta de conhecimento do Direito da Concorrência e de assuntos económicos, por parte dos juizes, assim como do seu preconceito em aplicar multas muito elevadas».
O SOL tentou saber o ponto de vista dos juizes sobre o assunto, mas o presidente da Associação Sindical dos Juizes Portugueses, António Martins, limitou-se a dizer que «num Estado de Direito os tribunais servem para acautelar os direitos e garantias dos cidadãos; e, se estes recorrem, é porque entendem que os seus direitos estão a ser lesados».
Processos custam caro
Em regra, as empresas vêem diminuídas as coimas aplicadas pela AdC - os tribunais em Portugal não podem aumentar o valor em causa, ao contrário do que se passa no Direito Europeu -, mas o recurso nem sempre será a melhor opção.
«Os processos são demorados [podem levar dois a seis anos em tribunal], o que gera insegurança jurídica para as empresas», diz Mendes Pereira, lembrando que as companhias enfrentam custos por fazerem provisões para enfrentar eventuais encargos.
Além dos custos económicos e financeiros, as empresas condenadas «sofrem ainda em termos de reputação, o que é particularmente grave em multinacionais, mesmo quando vencem os casos em tribunal e as decisões do regulador até são anuladas», acrescenta Pereira Coutinho.
A AdC - consciente de que no início da actividade abriu muitos processos que 'não tinham pernas para andar', devido à falta de sensibilidade e conhecimento para filtrar os factos que poderiam fundamentar os casos - tem estado a tentar acabar com muitas das pendências que se arrastam há anos e a procurar melhorar a eficácia e produtividade, segundo fontes ouvidas pelo SOL.
Reconhecendo que o amadurecimento do regulador é difícil de gerir, fontes de empresas condenadas aplaudem a iniciativa, mas lamentam que os critérios de arquivamento não sejam claros e públicos.
'Polícia' da bolsa é a mais activa
O REGULADOR dos mercados financeiros, CMVM - Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, é o mais activo em termos de investigações. No período entre 2007 e 2009, a entidade liderada por Carlos Tavares teve 224 processos 'na mira', contra 198 investigados pela AdC e 197 investigações levadas a cabo pelo BdP - Banco de Portugal.
No mesmo triénio, foi também a CMVM a concluir mais processos (154), destacando-se do regulador da Concorrência (61) e ainda mais do banco central (51). O BdP, agora presidido por Carlos Costa, foi porém o órgão de supervisão com menor número de recursos entre 2007 e 2009 (a instituição era governada por Vítor Constâncio). Apenas nove condenados decidiram litigar a sua decisão.
O regulador liderado por Manuel Sebastião deparou-se com 55 recursos às suas decisões sancionatórias - muitas delas decididas ainda no tempo de Abel Mateus. A CMVM viu 25 dos seus processos serem encaminhados para a via judicial. Entre 1991 e o primeiro trimestre de 2010 (últimos dados disponíveis), a CMVM instaurou um total de 1.574 processos e decidiu 1.492 casos, dos quais 121 foram impugnados. Apenas sete decisões do regulador do mercado de capitais foram revogadas.
Nestes 20 anos, a CMVM aplicou multas num total próximo dos 24 milhões de euros. Já a AdC, só nos últimos três anos aplicou coimas num total de 134 milhões (somando condenações por práticas restritivas e vendas com prejuízo), ainda que em termos efectivos só tenha cobrado perto de 4,15 milhões. Deste total, 60% são entregues ao Estado e o valor remanescente constituem receitas próprias do regulador.
O SOL tentou saber o valor das coimas aplicadas pelo BdP e os respectivos resultados dos recursos em tribunal, assim como outras informações sobre este tema. Mas até ao fecho da edição o supervisor não se mostrou disponível para fornecer os dados. Já a ERSE - Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, ainda que não tenha regime sancionatório, «nunca verificou qualquer processo judicial promovido por uma empresa» relativamente a uma decisão sua, avançou fonte oficial do regulador ao SOL.
Publicado no SOL a 20 de Agosto de 2010, por Tânia Ferreira
Valor das coimas aplicado pela Autoridade da Concorrência foi reduzido pela Justiça em 65%, nos últimos três anos, e houve processos anulados
A AdC - AUTORIDADE da Concorrência, apesar de condenar pouco, tem tido a 'mão pesada' na hora de multar os infractores. Mas as suas decisões acabam por ser postas em causa quando as empresas recorrem para tribunal, com os valores das coimas a serem reduzidos ou mesmo com a anulação de processos.
Esta realidade contrasta com o panorama europeu, conseguindo a CE - Comissão Europeia fazer vingar mais as suas decisões na barra dos tribunais.
Nos últimos três anos, o valor das coimas aplicadas pela AdC foi reduzido em 65% por via judicial, segundo cálculos do SOL, a partir de dados do regulador. No caso da CE, a variação é de 3% . Fonte oficial da AdC considera, porém, que o número obtido não é «inteiramente rigoroso», pois não contempla todas as decisões sancionatórias desde a sua criação (2003), nem outras pendentes. Mas admite que o Tribunal de Lisboa «mostra uma tendência geral para a redução das coimas».
Falta de provas e erros processuais da AdC são as principais causas, apontadas pelos advogados de Direito da Concorrência ouvidos pelo SOL, para a taxa de 'insucesso' das coimas aplicadas pela entidade presidida por Manuel Sebastião. Lembrando que «em muitos dos recursos para tribunal subsistem as decisões da AdC, mas quase sempre há uma diminuição do valor das coimas», Miguel Mendes Pereira, da Abreu Advogados, diz que «o principal problema tem a ver com factos não provados ou provas que não respeitam as regras». Em três anos, a AdC viu 55 decisões serem alvo de recurso.
Para Frederico Pereira Coutinho, da Cuatrecasas, Gonçalves Pereira, é «normal» haver um «escrutínio administrativo diferente do tribunal». Ainda assim, considera que a AdC «tem tido, cada vez mais, preocupação em fazer decisões menos atacáveis», atendendo que a credibilidade das instituições também se constrói com a força de decisões que sobrevivem ao crivo dos tribunais.
Outro especialista em concorrência de uma das maiores sociedades de advogados a operar em Portugal, que prefere manter-se no anonimato, justifica a redução do valor das coimas com a «má preparação dos processos por parte da AdC», mas também com a «falta de conhecimento do Direito da Concorrência e de assuntos económicos, por parte dos juizes, assim como do seu preconceito em aplicar multas muito elevadas».
O SOL tentou saber o ponto de vista dos juizes sobre o assunto, mas o presidente da Associação Sindical dos Juizes Portugueses, António Martins, limitou-se a dizer que «num Estado de Direito os tribunais servem para acautelar os direitos e garantias dos cidadãos; e, se estes recorrem, é porque entendem que os seus direitos estão a ser lesados».
Processos custam caro
Em regra, as empresas vêem diminuídas as coimas aplicadas pela AdC - os tribunais em Portugal não podem aumentar o valor em causa, ao contrário do que se passa no Direito Europeu -, mas o recurso nem sempre será a melhor opção.
«Os processos são demorados [podem levar dois a seis anos em tribunal], o que gera insegurança jurídica para as empresas», diz Mendes Pereira, lembrando que as companhias enfrentam custos por fazerem provisões para enfrentar eventuais encargos.
Além dos custos económicos e financeiros, as empresas condenadas «sofrem ainda em termos de reputação, o que é particularmente grave em multinacionais, mesmo quando vencem os casos em tribunal e as decisões do regulador até são anuladas», acrescenta Pereira Coutinho.
A AdC - consciente de que no início da actividade abriu muitos processos que 'não tinham pernas para andar', devido à falta de sensibilidade e conhecimento para filtrar os factos que poderiam fundamentar os casos - tem estado a tentar acabar com muitas das pendências que se arrastam há anos e a procurar melhorar a eficácia e produtividade, segundo fontes ouvidas pelo SOL.
Reconhecendo que o amadurecimento do regulador é difícil de gerir, fontes de empresas condenadas aplaudem a iniciativa, mas lamentam que os critérios de arquivamento não sejam claros e públicos.
'Polícia' da bolsa é a mais activa
O REGULADOR dos mercados financeiros, CMVM - Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, é o mais activo em termos de investigações. No período entre 2007 e 2009, a entidade liderada por Carlos Tavares teve 224 processos 'na mira', contra 198 investigados pela AdC e 197 investigações levadas a cabo pelo BdP - Banco de Portugal.
No mesmo triénio, foi também a CMVM a concluir mais processos (154), destacando-se do regulador da Concorrência (61) e ainda mais do banco central (51). O BdP, agora presidido por Carlos Costa, foi porém o órgão de supervisão com menor número de recursos entre 2007 e 2009 (a instituição era governada por Vítor Constâncio). Apenas nove condenados decidiram litigar a sua decisão.
O regulador liderado por Manuel Sebastião deparou-se com 55 recursos às suas decisões sancionatórias - muitas delas decididas ainda no tempo de Abel Mateus. A CMVM viu 25 dos seus processos serem encaminhados para a via judicial. Entre 1991 e o primeiro trimestre de 2010 (últimos dados disponíveis), a CMVM instaurou um total de 1.574 processos e decidiu 1.492 casos, dos quais 121 foram impugnados. Apenas sete decisões do regulador do mercado de capitais foram revogadas.
Nestes 20 anos, a CMVM aplicou multas num total próximo dos 24 milhões de euros. Já a AdC, só nos últimos três anos aplicou coimas num total de 134 milhões (somando condenações por práticas restritivas e vendas com prejuízo), ainda que em termos efectivos só tenha cobrado perto de 4,15 milhões. Deste total, 60% são entregues ao Estado e o valor remanescente constituem receitas próprias do regulador.
O SOL tentou saber o valor das coimas aplicadas pelo BdP e os respectivos resultados dos recursos em tribunal, assim como outras informações sobre este tema. Mas até ao fecho da edição o supervisor não se mostrou disponível para fornecer os dados. Já a ERSE - Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, ainda que não tenha regime sancionatório, «nunca verificou qualquer processo judicial promovido por uma empresa» relativamente a uma decisão sua, avançou fonte oficial do regulador ao SOL.
Publicado no SOL a 20 de Agosto de 2010, por Tânia Ferreira
Extraído da Revista de Imprensa site da Ordem dos Advogados 20-08-2010