Aperto histórico no crédito
Bancos estão a emprestar ao ritmo mais baixo das últimas três décadas. Nas empresas, há mesmo uma queda.
João Silvestre (www.expresso.pt)
20:12 Quarta feira, 4 de Agosto de 2010
Os bons resultados do BCP nos testes lançaram o banco para uma subida de 4.26% em bolsa, até quinta-feira
Na semana passada, numa análise à economia da zona euro, o Fundo Monetário Internacional avisava que países como Portugal, Grécia, Itália e Espanha, onde as pequenas emédias empresas têm um enorme peso na atividade económica e no emprego, poderiam perder o comboio da recuperação por causa do aperto no crédito bancário.
Um alerta, aliás, deixado pelo economista Silva Lopes que, em entrevista ao Expresso em conjunto com Jacinto Nunes publicada a 10 de julho, avisava que a quebra no crédito terá um impacto na economia portuguesa maior do que as medidas de austeridade do Governo e pode originar uma nova recessão.
A verdade é que os bancos portugueses estão de boa saúde, melhor até que muitos dos seus pares europeus, a julgar pelos testes de esforço conhecidos no final da semana passada, mas não estão a emprestar ao ritmo que seria desejável para alimentar a retoma económica.
Se, por um lado, o recurso a empréstimos bancários também é menor por causa da crise, uma parte deste travão no crédito é resultado da política dos bancos, que estão mais exigentes na hora de passar o dinheiro para a mão dos clientes. Seja pela exigência de maiores garantias, a imposição de taxas de juro superiores ou prazos mais curtos.
De acordo com o inquérito trimestral do Banco de Portugal (BdP) junto dos bancos, divulgado quarta-feira, as exigências para concessão de empréstimos a empresas não-financeiras aumentaram entre abril e junho e devem continuar a apertar no terceiro trimestre. Para os particulares, os bancos revelam que mantiveram os critérios, embora tivesse havido um agravamento ao longo do ano passado.
As consequências estão à vista. Famílias e empresas estão a recorrer a empréstimos a um nível anormalmente baixo para o que tem sido habitual nos últimos anos. O crédito a particulares está a crescer este ano ao ritmo mais baixo desde, pelo menos, 1980 quando começam as estatísticas do BdP.
Entre janeiro e maio, o crescimento nos particulares foi de apenas 1,34%, muito longe das taxas de dois dígitos entre 2005 e 2007. Mesmo nos últimos dois anos, em que a crise do subprime (crédito hipotecário de alto risco) já se fazia sentir e o endividamento dos portugueses pesava nas contas, os empréstimos às famílias cresceram na ordem dos 4%.
No caso das empresas, o cenário é ainda mais desolador. Nos primeiros cinco meses deste ano, o stock de crédito a sociedades não financeiras diminuiu 0,4%, ou seja, cerca de ¤440 milhões amenos do que no final do ano passado.
Primeira quebra desde 1994
É preciso recuar até 1994 para encontrar outra situação de quebra no crédito às empresas não financeiras, o que significa que muitas empresas não só não estão a conseguir novos créditos como, emmuitos casos, não conseguem sequer renovar os antigos. Há também muitas que estão a cortar no investimento, à espera de melhores perspetivas económicas.
Nas empresas financeiras não monetárias, como seguradoras, gestoras de fundos, entre outras, o trambolhão é de 1,1%.
No conjunto, excluindo o sector público, que é o único a ver o crédito bancário crescer este ano, os empréstimos estão a crescer apenas 0,5% naquele que é o pior ano dos últimos 30.
Ao nível da zona euro, segundo dados do Banco Central Europeu (BCE), o crédito hipotecário voltou a acelerar em Junho mas, para as empresas, a torneira continua bastante fechada com uma queda de 1,9% em termos anuais. Entre os países da zona euro com maiores apertos no crédito estão algumas das economias mais afetadas pela crise, como Irlanda, Grécia ou Espanha.
Depois do stresse, a euforia nos mercados
Apesar de algumas críticas aos testes de esforço, por não terem sido suficientemente exigentes ou por apenas terem chumbado bancos que, à partida, já se esperava que chumbassem, os mercados financeiros ficaram bastante satisfeitos com os resultados, ao ponto das ações do sector terem disparado em toda a Europa. Na terça-feira, vários bancos do Velho Continente viram a sua cotação disparar mais de 10%. Em Portugal, o mais valorizado entre segunda e quarta-feira foi o BCP, com um ganho acumulado superior a 9%.
O banco liderado por Carlos Santo Ferreira tinha sido recentemente alvo de um rumor sob uma suposta falência iminente e o resultado no teste de esforço, que colocou a instituição em melhor situação que a Caixa Geral de Depósitos, animou os investidores. Acabou por ter a maior queda do índice PSI-20 na quinta-feira, depois dos resultados terem ficado abaixo do esperado nos mercados.
A onda de confiança não se ficou apenas pelo sector bancário nem pelo mercado acionista. Na dívida pública, foi também uma semana de euforia. Os juros da Obrigações do Tesouro portuguesas a 10 anos caíram para 5,155% na quinta-feira, o valor mais baixo desde o início de junho. O Instituto de Gestão do Crédito Público colocou duas emissões de Obrigações do Tesouro, num total de ¤1281 milhões, com maturidades de 2014 e 2023 às taxas de, respetivamente, 3,621% e 5,377%.
Publicado no Expresso de 31 de julho de 2010