Aos 40 anos, Hervé Falciani é o homem que entregou a vários governos europeus os ficheiros com os nomes de milhares dos seus cidadãos que tinham contas na filial suíça do banco HSBC. Preso em Barcelona, no final de julho, está à espera de ser extraditado para a Suíça.
Manuel Altozano
Não foi preciso fazer grandes esforços para o encontrar. Estava ali. No ecrã do computador em frente ao qual tinha passado os últimos seis anos da sua vida, na sede do HSBC de Genebra, procurando melhorar os programas das bases de dados de clientes de um dos maiores bancos do mundo. Nesse dia de outubro de 2006, o que os olhos de Hervé Falciani contemplavam era ouro puro. Dados protegidos pelo sacrossanto segredo bancário suíço. Contas milionárias engordadas durante anos por transferências invisíveis e fluxos financeiros de origem duvidosa impossíveis de seguir. O que este engenheiro informático tinha à sua frente eram milhares de depósitos de cidadãos e empresas estrangeiras ali colocados, longe do alcance dos seus respetivos governos para não pagarem impostos. Um dos maiores casos de fraude jamais descobertos.
A cena seguinte tem lugar seis anos depois, no porto de Barcelona.
Estamos no primeiro dia de julho de 2012. Falciani chega de barco a
Espanha. Os alarmes disparam quando é feita a verificação dos documentos
deste monegasco com nacionalidade francesa e italiana, casado e com um
filho. Contra ele existe uma ordem de prisão internacional procedente da
Suíça apesar de, no passado, a sua informação ter servido para
descobrir, em toda a Europa, milhares de casos de evasão fiscal e trazer
à luz do dia cerca de 10 mil milhões de euros que estavam por tributar.
Berna considera-o um vilão. É preso e o Tribunal Federal de Bellinzona
está agora à espera dele para o julgar por roubo de dados pessoais,
violação do segredo comercial e violação do segredo bancário. Se a
Audiência Nacional [tribunal superior espanhol] decidir extraditá-lo,
claro.
Entre a sua genial descoberta e a sua prisão em Barcelona,
passaram-se seis anos intensos em que o informático se transformou num
fugitivo muito valioso por causa da informação que tem em seu poder.
Para aqueles que querem essa informação destruída, é um delinquente que é
preciso julgar e prender. Para os que a querem aproveitar, é uma
espécie de herói, um Robim dos Bosques digno de proteção. Foi isso o que
aconteceu entre esses dois momentos.
Pilar da identidade suíça
Depois de ter encontrado aquela valiosa informação, em outubro de
2006, Falciani, nascido no Mónaco, passa dias e dias da sua jornada
laboral a descarregar esses dados para o seu portátil Mac. Fá-lo durante
dois anos. Sistematicamente. Não é estranho. Até dia 20 de março de
2008. Nesse dia, a Associação Suíça de Banqueiros (Swissbanking), a
associação patronal do setor, lança um alerta. A 4 de fevereiro, um tal
Ruben Al-Chidiak tinha-se apresentado nos escritórios do banco libanês
Audi, em Beirute, para negociar a venda de uma base de dados de clientes
de diferentes bancos suíços. Segundo a associação patronal, essa
informação tinha sido obtida através de pirataria. O segredo bancário
suíço, uma das marcas da identidade do país, está em perigo.
A polícia descobre que, por trás da identidade de Ruben Al-Chidiak se esconde Falciani. A 20 de dezembro de 2008, o franco-italiano e a sua companheira de viagem são presos e interrogados. O informático é libertado logo a seguir e, um dia depois, instala-se em Castellar, a última aldeia francesa da Côte d’Azur, colada à fronteira italiana. A meio dos dois países dos quais tem passaporte. Muito longe das garras de Berna porque nem França nem Itália extraditam os seus cidadãos nacionais. Mas Berna insiste. Quer recuperar, custe o que custar, o material que Falciani copiou, e que tanto o Ministério Público como o HSBC consideram roubado, e emite uma ordem internacional de prisão contra ele. Mas nesta perseguição desesperada, a Suíça comete um erro de vulto: pede a França que lhe registe o domicilio, que lhe confisque o portátil e que envie os arquivos.
A 20 de janeiro de 2009, o vice-procurador da República de Nice
aparece, com um mandato de apreensão da polícia, na casa em que Falciani
e a sua família estavam instalados. A diligência de rotina converte-se
num achado excecional. Tratam-se, nada mais nada menos, de 130 mil
contas de outras tantas pessoas que fogem ao fisco. O seu superior
hierárquico abre a sua própria investigação. Não contra Falciani, mas
sim contra os presumíveis infratores. A informação do ex-funcionário do
HSBC em Genebra começa a circular. O assunto desencadeia uma crise
diplomática entre a França e a Suíça. Berna acusa Paris de ter ficado,
ilicitamente, com dados roubados. O governo de Sarkozy, por seu lado,
responde ameaçando incluir a Suíça na sua lista negra de paraísos
fiscais da OCDE.
6 mil milhões de euros por regularizar
O caso salta para a comunicação social em agosto de 2009. O ministro
das Finanças do governo de Sarkozy, Éric Woerth, anuncia ter em sua
posse uma lista de três mil contas suíças sem, no entanto, esclarecer a
sua origem. Woerth convida os seus titulares a apresentarem-se
voluntariamente às finanças para regularizarem a sua situação fiscal.
Desde então, quatro mil e 200 pessoas apresentaram-se à inspeção fiscal.
Até ao momento, a França já recuperou mil e 200 milhões de euros de
impostos que estavam por pagar.
Os poucos nomes que saltam para a Imprensa francesa geram uma
sucessão de escândalos. O maior de todos, o de Patrice de Maistre, o
assessor financeiro de Liliane Bettencourt, a proprietária do império
L’Oréal, mas também constam do rol a herdeira da marca de perfumes Nina
Ricci e Jean-Charles Marchiani, braço direito do ex-ministro do Interior
Charles Pasqua. A Suíça continua a pressionar a França para que lhe
entregue o computador de Falciani. Paris só cede em fevereiro de 2010.
Antes, a Procuradoria envia cópias a todos os países com quem tem
acordos de cooperação em matéria fiscal e que haviam pedido esses dados.
A 24 de maio de 2010, a informação enviada por França já está em cima
de uma mesa da sede da Agência Tributária (AEAT) de Madrid. As Finanças
citam os presumíveis infratores que identifica e convida-os a pagarem o
que devem, acrescido de uma multa. Graças aos dados de Falciani
conseguiu-se, até ao momento, em Espanha, “a maior regularização da
história do fisco”. O dinheiro que aparece, segundo fontes não oficiais,
ultrapassa os seis mil milhões de euros. Na lista aparecem nomes
poderosos, como Emilio Botín, presidente do Santander. Do relatório
enviado para Itália também constam os nomes de pessoas famosas que fogem
aos impostos. Entre os seis mil 963 nomes da lista estão os costureiros
Valentino e Renato Balestra. Ao todo, a soma que escapou às Finanças
italianas graças às contas no HSBC ascende a 570 milhões de euros.
Esquemas fraudulentos
Ainda hoje continua a ser um mistério a razão pela qual Falciani
descarregou para o seu computador pessoal todos esses ficheiros. Não se
sabe se pretendia colaborar com a justiça e denunciar a maquinação que a
empresa onde trabalhava punha ao serviço da fraude, como ele próprio
mantém desde o início, ou se, simplesmente, queria vender essa
informação por uma quantidade obscena de dinheiro, como defende a
justiça suíça. Falciani pode fornecer ainda mais informações? Continua a
ser útil para investigar novos crimes?
Só 15 dias depois da sua prisão é que a subcomissão de Segurança
Interna do Senado dos Estados Unidos tornou pública a sua investigação
sobre a falta de controlo do HSBC para detetar casos de branqueamento de
dinheiro. À sua lista de inimigos – a justiça suíça, um dos bancos mais
poderosos do mundo e milhares de pessoas que fugiam ao pagamento de
imposto e que por causa dele foram descobertas – podem somar-se ainda
criminosos perigosos [a Al-Qaeda e cartéis de droga mexicanos]. Ele tem
consciência de que vale aquilo que sabe. E que não lhe resta outra
saísse senão continuar a sua fuga para a frente.
Traduzido do castelhano por Maria João Vieira
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