
Isabel de Bragança diz que é muito paciente. As obras da casa de São Pedro de Sintra ainda não acabaram mas já deram à casa um ambiente familiar e organizado. O aquecimento central não está a mais numa casa de chão de pedra e madeira, em dois andares agora redivididos. "Se calhar a casa era espartana e eu tornei-a mais cómoda", concede a Duquesa.
A porta da rua está aberta e no escritório ouve-se o barulho das correrias do príncipe D. Afonso, a brincar no piso de cima com o seu cavalinho. Mas as mudanças que a casa de São Pedro conheceu não ficaram por aí e Isabel de Bragança passeia-se por elas com um à vontade bem sustentado.
"O meu marido ajudou-me muito. Quando casei com ele sabia muito bem o género de vida que me esperava, conhecia a vida de outros Príncipes da Europa, muito mais difícil que a nossa. E antes de resolver casar demorei um ano a decidir se teria estaleca e capacidade para aguentar algumas coisas." Para trás ficou aquele dia em que Isabel de Herédia e o Duque de Bragança fizeram um pacto que iria para além da lealdade. A menina de seis anos que Dom Duarte ensinou a nadar em África lembra-se bem do dia em que, devia ter 16 anos, lhe fez um qualquer reparo. Ele agradeceu e confessou-lhe que ela era das poucas pessoas com coragem de o contrariar. "Sabe, é que sempre houve muitas coisas que nunca lhe diziam, era só salamaleques pela frente e críticas pelas costas", afirma a duquesa, ainda ressentida. A união com o amigo da família, vinte e um anos mais velho, não era previsível e nem mesmo o astrólogo Paulo Cardoso, autor do mapa astral que lhe foi oferecido por uma das tias, previu o desenlace. O casamento parece ter trazido popularidade e um acréscimo de credibilidade a D. Duarte. D. Isabel é sincera e contida na resposta.
As acusações da excessiva interferência e protagonismo da duquesa nos assuntos do gabinete da Casa Real, trazidas à imprensa pela última direcção, revelaram a influência da duquesa. Para a Duquesa de Bragança, a questão central reside na diferença "entre o trabalho de um ministro e o de um representante de uma casa real, em que não se dissocia a mulher do marido". Parece-lhe portanto legítimo querer ser consultada quando os assuntos se relacionam com ela "e apenas nesses".Seja como for, a Duquesa pensa pela sua própria cabeça, graças a Deus. E interpreta a empatia geral com que foi criada, incluindo com republicanos. "O nosso país vive uma certa angústia com esta entrada na União Europeia, sente-se o medo do país se desfazer e por isso mesmo as pessoas agarram-se a nós no sentido em que se identificam com esta família em que há uma mãe, o pai, os príncipes." A esta popularidade não terá também sido alheia a presença regular em revistas ditas populares, para surpresa de alguns monárquicos e regozijo da Duquesa, que pensa que "o Rei quando é Rei é-o de todos os portugueses e não só de elites".
Não dever favores a ninguém é um estado de graça que Sua Alteza aprecia também devidamente. "Um Rrei que não é de nenhum partido é uma vantagem incomparável. Por mais imparcial que um presidente pretenda ser, é sempre eleito por um partido e sofre pressões", diz, corroborando uma das principais espinhas atravessadas nas gargantas republicanas. A função de representatividade do rei também parece estar condignamente assegurada por Dom Duarte e sua mulher, já que Dona Isabel frequentou a melhor sociedade europeia antes de se casar e ambos têm tido, nos últimos tempos, um treino "semi-oficial" difícil de igualar. Estranhamente, enquanto o apoio do povo aos duques não tem parado de crescer desde que a noiva real levantou o véu e se mostrou à multidão que a aguardava, a esquerda portuguesa tem ela mesmo sido particularmente simpática com o casal real. "A nossa posição supra-partidária faz com que os partidos não temam apoiar-nos. Até as câmaras comunistas nos fazem festas vistosas, com a bandeira da monarquia içada."
A família não é, para Dona Isabel, uma rede sem a qual se possa viver. A relação entre a Duquesa e os restantes Herédias continua a ser muito próxima. A influência da mãe junto da Duquesa é reconhecidamente muito forte e os irmãos, que se falam diariamente , estão juntos quase todos os fins-de-semana. "O período em que estivemos no Brasil reforçou os laços familiares. Sentimo-nos emigrantes, o que criou uma grande cumplicidade entre nós", confessa. Isabel de Herédia é grande devota de Nossa Senhora e particularmente de Nossa Senhora da Conceição, "a rainha de Portugal". Da mãe, Raquel de Herédia, herdou a religiosidade e o conhecimento da vida dos santos. A infanta Maria Francisca foi consagrada a Nossa Senhora da Conceição, enquanto o príncipe da Beira foi especialmente entregue aos cuidados de Nossa Senhora da Oliveira. Isabel diz-se conservadora e as alas monárquicas mais liberais consideram-na um pouco retrógada. "Sou mais conservadora do que o meu marido, que por vezes é demasiado imprevisível para quem espera que ele siga rígidos protocolos e planos estratégicos", confessa. Na altura do referendo sobre o aborto, a duquesa de Bragança não se absteve e tomou uma posição inequívocamente contra. Desagradam-lhe também as posições feministas. "A simples ideia da igualdade do homem e da mulher é, em si, um erro. Eles são iguais nas suas diferenças. O que deve haver é igualdade de oportunidades." É especialmente dura com as mulheres que dão prioridade às suas carreiras profissionais negligenciando os filhos. A vida da Duquesa, que ela sabe que muitos pensam ser "rodeada de criados de libré", é a de uma mãe de família e mulher de trabalho, apesar de ter deixado os escritórios da empresa de gestão financeira em que colaborou até pouco depois do casamento. Uma decisão tomada quando percebeu como era importante reorganizar o escritório do marido, levar para a frente as obras da casa de São Pedro e tratar do considerável património imobiliário do casal real.
As más línguas monárquicas, sempre blasé, dizem que Isabel gosta da vida de Duquesa. Ora ainda bem, que Rainha que se preze precisa de vocação. "Digo sempre que me tornei numa sintrense, adoptei esta aldeia em que as pessoas se cumprimentam na rua. De manhã levo o meu filho ao Colégio das Doroteias do Linhó, volto e vejo com o meu marido como é o programa do dia. Faço ginástica três vezes por semana durante a hora de almoço e da sesta das crianças. Marco as reuniões para a tarde, recebo algumas pessoas e trabalho com as associações a que me dedico". Acompanha ainda frequentemente o senhor Dom Duarte nas viagens a todo o país. Os convites para visitar os países com os quais Dom Duarte desenvolve relações têm-se também sucedido. Este Verão o casal visitou Macau e o Brasil (Estado de Minas Gerais), tendo sido recebido pelos respectivos governadores. Os Infantes, como quaisquer outras crianças, ficaram entregues aos avós.
A influência de Dona Isabel fez-se sentir também na escolha do colégio do Infante, mas a alternativa do Colégio Militar, particularmente grata a Dom Duarte, não está posta de lado. "Tudo depende da personalidade da criança. O meu marido adorou a experiência do Colégio Militar, mas já para o meu cunhado D. Miguel a adaptação à rigidez do colégio foi mais difícil. Para já, fica no Colégio das Doroteias, com o qual tinha uma ligação especial por ter lá andado e com o qual estou satisfeita." Quanto à educação dos Príncipes, Dona Isabel esforça-se para que eles aprendam a viver com a constante observação de que são alvos. "A maior parte dos membros das famílias reais são muito tímidos, no fundo porque são observados desde que nascem. Os nossos filhos vão ter que aprender a lidar com isso, faz parte da vida deles e do treino que eles precisam para o futuro".
Da vida da princesa Diana pensa que ficará para a História sobretudo a sua colaboração com as associações humanitárias. "A atenção que ela deu à caridade vai ficar ligada à sua recordação. Depois dela muitas pessoas despertaram para problemas escamoteados. O que não significa que as outras pessoas da família real inglesa não estivessem ao serviço de boas causas mas como era mais mediática uma maior divulgação do seu trabalho." Depois de Diana, não só as princesas deste mundo descobriram as associações humanitárias como as associações humanitárias as descobriram a elas. Em Portugal a Duquesa de Bragança tem sido solicitada sobretudo por problemas ligados à infância. Mais de uma dezena de causas, entre as quais a luta contra a trissomia 21, a miostemia gravis e a esclerose múltipla, estão entre as causas que a duquesa escolheu apoiar. "Escolho as causas mais carenciadas e com menos apoios. Penso que problemas como o da sida, que conseguiu o envolvimento de muita gente, não precisam tanto de mim. Só indirectamente apoio os sidosos, através do trabalho de frei Elias, que proporciona o acolhimento aos doentes em estado terminal." Vulgarmente a sua colaboração é dada estabelecendo pontes e contactos, angariando roupas, remédios, e até mesmo arriscando conselhos de gestão e organização. "Costumo dizer que, desde que me casei e me envolvi com as instituições, me tornei uma pedinte", diz ela, sorridente. No norte do país a Duquesa vai agora consagrar-se à terceira idade e a assegurar o futuro das crianças deficientes, que têm uma esperança de vida cada vez mais longa devido aos progressos da ciência. "Mas Mateus, Mateus, primeiro estão os teus". A minha maior responsabilidade é a minha família. Não posso querer ajudar incontáveis instituições, estar a propagandear um exemplo e não dar às crianças a assistência que elas precisam. Neste momento não posso permitir-me um maior envolvimento nestas causas.
Acredito que todos nós no mundo temos uma missão. Qualquer que seja. A minha é a de formar os nossos filhos e fazer deles duas pessoas saudáveis. Rezo todos os dias para saber cumpri-la. Uma outra evidência é a de que a Duquesa elegeu outra zona de influência que não a das toilettes e colunas sociais. "Não gosto de estar sempre a mudar de roupa e quando encontro alguma coisa que me fica bem uso-a muito, costumo dizer que que já anda sozinha. O que deixa os jornalistas e algumas pessoas muito tristes. Mas a verdade é que tenho a vida muito complicada e sobra-me pouco tempo para dedicar a estes assuntos."
Na verdade, a Duquesa não tem por detrás de si nenhuma consultora de imagem, apesar de ainda poder contar, esporadicamente, com os conselhos da costureira Laurinda, que fez o seu vestido de noiva. Normalmente faz as compras como a mais comum das cidadãs, outras vezes recorre a costureiras e ainda outras vezes, quando a falta de tempo é mesmo manifesta, vale-lhe a mãe. "Confio no seu bom-gosto, sabe o que é bom e o que me fica bem e tem paciência para fazer uma primeira ronda pelas lojas. Depois só preciso de ver se gosto e provar". A roupa demasiado pesada para a sua idade tem sido também notada, um pouco como aconteceu nos primeiros anos de casada da princesa Diana.

(Fonte: Revista "V" de Janeiro/Fevereiro de 1999)
REAL ASSOCIAÇÃO DA BEIRA LITORAL 11-09-2010
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