A adesão da Guiné Equatorial pode simbolizar a reformulação da lusofonia
Tudo indica que a Guiné Equatorial será em breve integrada na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Sendo um país pequeno (650 mil habitantes) e periférico no sistema internacional, a adesão até poderia passar despercebida. Mas são vários os argumentos que serão apresentados para justificar a exclusão. Alguns, porém, merecem ser disputados:
Não é um país lusófono. Realmente o país é uma ex-colónia espanhola e o único vestígio da língua de Camões restringe-se ao fá d'ambô, uma língua crioula de base lexical portuguesa, falada por uma pequena minoria. Argumenta-se também que, ainda que o país tenha introduzido, em 2007, o português como língua oficial (juntando-se ao espanhol e ao francês), isso deveu-se a um oportunismo político. Verdade. Mas em Timor Leste e em alguns PALOP a maioria da população também desconhece o português, preferindo falar tétum, umbundo ou emakhuwa. Isso os torna menos lusófonos? Muitos territórios foram historicamente tocados pela língua portuguesa, sem que esta tenha vencido a batalha difícil pela sobrevivência ou pela nacionalização. Será isso razão para sacrificarmos todos os outros elementos lusófonos que se conservaram? Basta viajar na Etiópia, Malásia, Sri Lanka, Irão, Oman, Uruguai, Marrocos, Gana ou, claramente, na Guiné Equatorial, para encontrar representações vivas de lusofonia. Não há nenhuma razão para que estes países não se associem à CPLP, se assim o desejarem. Seria uma forma de a Comunidade inverter a sua pequenez, apenas camuflável pelo tamanho do Brasil.
Não é um país democrático. O regime liderado pelo presidente Teodoro Obiang, no poder desde 1979, está longe de ser democrático. Mas será que os actuais países da CPLP o são? De acordo com os indicadores do Banco Mundial (Worldwide Governance Indicators), a Guiné Equatorial encontra-se no mesmo patamar de Angola e da Guiné Bissau em termos de liberdade de expressão, controlo da corrupção ou defesa do Estado de Direito. Está à frente de Timor Leste, de Angola e da Guiné Bissau no que se refere à variável "estabilidade política". Quem tem telhados de vidro não pode, por isso, atirar pedras. Por outro lado, a rejeição não teria qualquer impacto no regime autoritário de Teodoro Obiang nem forçaria qualquer reforma democrática no país. Já o inverso não é necessariamente verdade. Em plano paralelo, as organizações homólogas da lusofonia - a Commonwealth inglesa e a Francophonie francesa - não se coíbem de aceitar membros não democráticos, da mesma forma que se permitem sancioná-los para estimular reformas políticas. A expulsão do Paquistão pela Commonwealth, em 2007, teve efeitos nocivos no regime autoritário de Pervez Musharraf.
Mais do que a integração de um país, a adesão da Guiné Equatorial pode simbolizar a reformulação da lusofonia. De um ideal intelectualizado, moldado pelo passado colonial e centrado em Portugal, a lusofonia pode-se socializar, modernizar e multiplicar. É esse o verdadeiro desafio.
RODRIGO TAVARES - VISÃO
2:42 Quinta-feira, 24 de Jun de 2010
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