Wednesday, 13 October 2010

CORRIDA A BASTONÁRIO: APOIOS A FRAGOSO MARQUES

Advogados

Concentração de apoios por Fragoso

Distritais querem tirar Marinho da Ordem. Luís Filipe Carvalho decide esta semana se é candidato

Os presidentes de todos os conselhos distritais da Ordem dos Advogados (OA) - exceptuando Açores e Madeira - querem ver Marinho e Pinto fora da Ordem no próximo triénio. As razões já são sobejamente conhecidas. Marinho e Pinto e os líderes dos órgãos distritais, e José António Barreiros, do Conselho Superior da OA, passaram estes três anos em guerra aberta, nomeadamente "pela asfixia democrática demonstrada pelo bastonário", segundo Carlos Almeida do Conselho Distrital de Évora, explicou ao DN.

Com as eleições marcadas para Novembro, uma rede de apoios esteve ontem , em Coimbra, a ser congeminada pelos presidentes dos conselhos distritais (CD) de Lisboa, Porto, Faro, Coimbra e Évora. Ou seja: concentrar todas as forças da advocacia, incluindo os que até agora se afirmavam como hipotéticos candidatos, a assumirem todos o apoio a Fernando Fragoso Marques, ex-presidente do Conselho Distrital de Lisboa e que assumiu a sua candidatura na passada quarta-feira.

O objectivo? Não pulverizar candidatos nem respectivos apoiantes e avançar para as urnas apenas com Marinho e Pinto e Fragoso Marques. Note-se que o actual bastonário venceu em Novembro de 2008 não com maioria dos votos dos seus pares. "Todos os presidentes dos CD pressionaram- -me para aceitar esta candidatura, que será agregadora. Se assim não suceder, pelo menos mais duas ou três candidaturas se perfilarão", explica Fragoso Marques, na carta de apresentação de candidatura.

E quem foram até agora os candidatos a candidatos? Magalhães e Silva, ex-candidato em 2008, Carlos Pinto de Abreu, presidente do CD de Lisboa, Luís Filipe Carvalho, membro da equipa de Rogério Alves, Proença de Carvalho, advogado de José Sócrates, e José António Barreiros

O DN soube, aliás, que este "plano" foi arquitectado pelo próprio Carlos Pinto de Abreu que em Maio/Junho deste ano se apercebeu do facto de ser novo para ocupar o cargo de bastonário, acabando por desistir. E foi também arquitectado por Pires de Lima, que poderá vir a ser o mandatário de Fragoso Marques.

Outro dos mais do que prováveis candidatos até agora falado, Magalhães e Silva, que perdeu nas últimas eleições contra Marinho e Pinto, aceita, "de forma negativa", apoiar Fragoso Marques, e desistir da sua candidatura, porque é urgente "derrubar Marinho e Pinto". José António Barreiros, com o seu silêncio já conhecido nestes contextos, não avança mas também não assume se apoia Fragoso Marques, e Proença de Carvalho - que andou de Julho a Outubro a decidir uma provável candidatura - já assumiu que não se candidata e apoia o advogado do Barreiro, Fragoso Marques. Tudo parece correr ao gosto dos vários presidentes dos CD, excepto relativamente a um advogado: Luís Filipe Carvalho mantém-se à margem, "sob reserva", como o próprio assumiu ao DN, e decide nos próximos dias. Ou avança como candidato ou apoia Fragoso Marques, muito provavelmente como vice-presidente do conselho geral, deixando para mais tarde uma candidatura. Neste contexto, Marinho e Pinto mantém-se no silêncio.

por FILIPA AMBRÓSIO DE SOUSA 16 Janeiro 2010


http://dn.sapo.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1471144

FRAGOSO MARQUES ESCREVE SOBRE O PROCESSO DE INVENTÁRIO


11-Out-2010


O candidato a bastonário pede revogação do regime actual.

Simplificação complicada ou o inventário das confusões

Em 29 de Junho de 2009, foi publicada a Lei nº 9/2009 que aprovou o novo regime do processo de inventário.

Estes processos, a partir da entrada em vigor da Lei, em 18 de Janeiro seguinte, passariam a ser tratados nas conservatórias e nos cartórios notariais, ficando desjudicializados.

Estranha solução, sabendo-se que esta é uma das espécies processuais em que a litigiosidade é mais intensa, tornando muitas vezes tão problemática a tramitação que as partes são remetidas para os chamados “meios comuns”, ou seja, convidadas pelo Tribunal a propor novas acções, visando resolver autonomamente esses litígios laterais.

Mas adiante.

A Lei n.º 29/2009 deveria entrar em vigor em 18 de Janeiro de 2010.

Devia, mas não entrou.

Em 15 de Janeiro de 2010, a Lei n.º 1/2010 alterou o art. 87.º da Lei n.º 29/2009 e estabeleceu que a entrada em vigor desta ocorreria em 18 de Julho de 2010.

Em Junho de 2010, porém, o Governo apresentou na Assembleia da República a Proposta de Lei 27/XI – Gov., visando “criar condições mínimas para o efectivo funcionamento da Lei do Inventário”.

Ou seja, um ano depois, sensível às críticas do sector, o Governo decidiu alterar a lei, temperando a desjudicialização, estabelecendo uma nova vacatio legis de 90 dias e ligando a produção de efeitos da Lei à publicação de uma portaria que regulamente o processo e a interligação electrónica entre os vários intervenientes.

Mas o mais curioso viria depois: “face à iminente e expectável aprovação destas alterações” o Ministério da Justiça, em 19 de Julho de 2010, entendeu “solicitar a cooperação de todos os profissionais forenses para a não instauração de processos de inventário nas conservatórias ou cartórios notariais”.

E isto porque tais processos, aprovadas as alterações, serão “rejeitados”, por “incompetência material, constituindo verdadeiramente um acto inútil”.

De acordo com o Ministério da Justiça, duas opções se abriam aos Advogados e Solicitadores (e aos cidadãos que pretendam recorrer à Justiça):

1.º - Aguardar a publicação da nova lei para intentar o processo de acordo com o regime vigente.
2.º - Instaurar o processo nos Tribunais e correr o risco de rejeição por incompetência, ainda que possam vir a ser “ratificados”, logo que a nova lei entrar em vigor, todos os actos praticados.
Quer dizer: o Ministério da Justiça, objectivamente, recomendava-nos… o desprezo pela lei vigente, olhos postos numa lei futura.

Ponderava o Ministério da Justiça: cumprir a lei vigente conduziria, previsivelmente, à rejeição do processo nas conservatórias e cartórios, porque a lei futura (quando aprovada e quando e se entrar em vigo) também não produzirá efeitos antes de 90 dias decorridos.

A recomendação de recorrer a Tribunal tinha um “pequeno” risco: a rejeição imediata por incompetência material do Tribunal, dado que a lei actual subtraiu o processo de inventário da alçada dos tribunais…

Todavia, apesar do risco de rejeição do processo por incompetência, logo que a nova lei entrar em vigor, todos os actos praticados ficam “ratificados”.

Remate da história: em 3 de Setembro de 2010, foi publicada a Lei nº 44/2010.

O Regime Jurídico do Processo de Inventário iria conhecer a sua segunda alteração sem nunca ter entrado em vigor a versão original.

A lei nº 44/2010 só produzirá efeitos 90 dias depois da publicação das Portarias a que se referia o artº 2º nº 3 da Lei nº 9/2009 (apesar de ter entrado imediatamente em vigor para impedir o vazio).

À Lei 9/2009 foi aditado entretanto um artº 6º-A que confere ao conservador ou ao notário, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, a possiblidade de remeter o processo a Tribunal quando cumulativamente, o valor do processo exceder a alçada da relação e a complexidade das questões de facto ou de direito a decidir justifiquem a necessidade.

Não nos é difícil prever que o novo regime não terá longa vida, nem largo campo de aplicação.
No meio de tanta incompetência (em sentido processual), não será caso de o legislador fazer apelo à sua compertência e prescindir desta malograda iniciativa?
Aqui fica o desejo: revogue-se definitivamente este novo regime e ponha-se fim ao experimentalismo incipiente.

Fernando Fragoso Marques

http://www.advocatus.pt/content/view/2848/9/

PORTUGAL NO CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS


Conselho de Segurança

Madrid pôs a América Latina a votar Portugal

Diplomacia portuguesa garantiu ontem em Nova Iorque a eleição para um lugar de membro não permanente no órgão mais poderoso da ONU. Os países africanos votaram em massa em Portugal. Tal como os ibero-americanos, por sugestão espanhola

A partir de Janeiro e pela terceira vez na história, Portugal vai ter um lugar com o seu nome escrito à mesa do órgão mais poderoso das Nações Unidas. Os bons ofícios da diplomacia lusa e o apoio diligente de alguns aliados asseguraram ontem a eleição como membro não permanente no Conselho de Segurança.

Lisboa disputava com Alemanha e Canadá uma das duas cadeiras vagas no Conselho para a Região Europa Ocidental e Outros. Berlim, que partia como favorita, assegurou um lugar logo à primeira ronda com 128 votos - apenas mais um do que o mínimo e mais seis do que os conseguidos pela candidatura portuguesa.

Depois, no frente-a-frente com o Canadá, uma das oito maiores economias do mundo, Portugal levou a melhor. Venceu a segunda ronda por uma vantagem insuficiente, mas que convenceu o Canadá a desistir. À terceira votação, sem concorrência, Portugal foi eleito pela Assembleia Geral da ONU com 150 votos a favor.

Ontem à tarde, em São Bento, o primeiro-ministro, José Sócrates, considerou que a eleição de Portugal confirma o "ciclo de reforço" de Portugal no plano internacional. Ao seu lado, o ministro dos Negócios Estrangeiros congratulou-se com o "resultado expressivo". Luís Amado notou que "estávamos a competir com dois dos principais, se não, neste momento, com os principais actores internacionais do grupo ocidental das Nações Unidas".

Amado afirmou "que a projecção que o País tem em termos internacionais é um instrumento muito importante para a afirmação dos seus interesses e para resolvermos também os nossos problemas" e agradeceu aos amigos de Portugal.

De acordo com fontes diplomáticas, Portugal teve os votos simbólicos de China e Rússia - dois dos cinco membros com direito de veto -, o apoio maciço dos países africanos e do mundo árabe, onde Amado fez várias diligências recentes. Mas outros votos que fizeram pender a balança a favor de Lisboa no frente-a-frente com Otava foram os dos países da América Latina. E por esses Portugal fica a dever muito a Madrid.

O DN sabe que a diplomacia espanhola fez uma campanha a favor da candidatura portuguesa junto de países latino-americanos onde Portugal não tem embaixada. A esta pressão juntou-se outra feita pelo Brasil, uma potência regional, e pela própria diplomacia portuguesa. A cimeira ibero-americana de 2009 foi organizada em Lisboa e terá sido aproveitada por Luís Amado para "encomendar" mais alguns votos.

A marca ficou no comunicado final da cimeira onde se lia que os países ibero-americanos "manifestam a sua satisfação pela candidatura de Portugal [...] a um lugar de membro não permanente do Conselho de Segurança".

Contra o Canadá jogaram a sua aproximação recente aos EUA na política externa e o facto de ser mais um dos países do G8.

Portugal e Alemanha substituem Áustria e Turquia no Conselho de Segurança. Além daqueles, foram eleitos para o mandato de dois anos Índia, pela Ásia, Colômbia, pela América, e África do Sul, por África.

por HUGO FILIPE COELHO

http://dn.sapo.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1684505


ENTREVISTA COM MARIA JOSÉ E JAIME NOGUEIRA PINTO


Entrevista

As vidas de altíssimo risco dos Nogueira Pinto

Sociedade

São "os Nogueira Pinto". Um projecto ideológico, uma história de amor, uma forma de existir. São "uma sociedade em comandita" que nunca anulou nenhum dos seus elementos. Casaram-se em 1972, têm três filhos. São orgulhosamente de direita. Viveram uma vida cuja probabilidade de lhes acontecer era de 0,1%. Um 0,1% riquíssimo.

O ponto de partida para a entrevista poderia ser a edição recente do livro de Jaime Nogueira Pinto Nobre Povo - Os Anos da República. Mas esta não era uma entrevista ao revolucionário nacionalista e as primeiras conversas para que ela acontecesse antecedem as comemorações do centenário da República, bem como a edição do livro.

O ponto de partida foi a vida que os Nogueira Pinto, Jaime e Maria José, escolheram ter e o modo como a viveram. Conheceram-se porque ela furou a greve na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Estiveram juntos em África a lutar por um império que desmoronava. Partilharam uma fila para a sopa num campo de refugiados. Viveram um exílio de quatro anos entre Joanesburgo, Madrid, Brasil. No regresso a Portugal, ela fez política e dirigiu instituições como a Santa Casa da Misericórdia. Ele esteve em jogos de bastidores e deu aulas na universidade.

Jaime nasceu em 1946, Maria José em 1952. Sentaram-se num canapé na casa apalaçada, um ao lado do outro. Falaram duas horas sobre uma aventura que não foi vivida por Corto Maltese - herói dele - mas por eles.

Em que é que são radicalmente diferentes um do outro?

Maria José - Em quase tudo.

Jaime - O género e tudo o que é determinado pelo género, que é significativo. Não diria que é quase tudo. Diz lá em que é que somos diferentes...

Maria José - Organização. Eu sou maçadora e tu és menos maçador.

Jaime - Não sou preocupado com a organização. Porque alguém me organiza. As mulheres são mais práticas do que os homens. Mais realistas, menos românticas. Muito menos românticas. A ideia das mulheres românticas é uma invenção dos autores românticos do século XIX.

Maria José - O Jaime faz troça: a mim, se os livros são tristes, cansam-me.

Jaime - Trouxe-lhe o Stefan Zweig. Um autor do meu tempo.

Um autor romântico.

Jaime - Mas eu sou romântico. O meu livro de cabeceira - não foi o que li mais vezes; o que li mais vezes foi As Minas de Salomão - é o [The Great] Gatsby. O Jay Gatsby diz que é possível reviver o passado. Isso é o cúmulo do romantismo.

Maria José - E és um bárbaro. Conceito interessante.

Que quer dizer?

Jaime - Que não tenho muitas regras. Ligo mais à legitimidade do que à legalidade. Quando a legalidade vai contra o que eu acho que é legítimo, se puder transgrido. Se não puder, também. Sendo politicamente conservador em muita coisa, não sou nada ordeiro. Sou bastante subversivo em relação a muita coisa.

Maria José - Quando tu chegaste, toda a minha vida se transformou.

Começo por aqui porque a opinião pública tem a ideia de que são dois corpos numa só cabeça. Como se formassem uma unidade.

Maria José - Somos uma unidade no que nos propusemos ser e fazer na nossa vida. Mesmo antes dos filhos. Uma coisa é ser uma espécie de sociedade em comandita, outra é ser uma unidade diluente. Uma das coisas positivas da nossa vida foi que ninguém anulou ninguém. Mas somos parte de um todo, e isso é forte, determinante.

Quando o Jaime chegou à sua vida, deixou de ser uma Avillez para passar a ser uma Nogueira Pinto? Que queria isso dizer? É a única das três irmãs que adoptou o nome do marido.

Maria José - Tudo mudou. E de certa forma, tudo começou. Embora tenha tido uma infância e adolescência que foram um privilégio, na realidade tudo começou a partir desse dia. A minha vida foi Nogueira Pinto. O meu pai, coitadinho, de vez em quando, dizia: "Mas onde está o Avillez?" "Pai, tenho a maior honra em ser Avillez, mas quando penso em mim, penso em Maria José Nogueira Pinto." Ser uma Nogueira Pinto é fazer parte activa desta unidade. Desta ilha. Quando me conheceu, ele achava que podíamos viver como o Fitzgerald e a Zelda, a passear no jardim do Campo Grande. Um dia, aqui nesta entrada, expliquei-lhe que não. Ou era uma coisa a sério ou não era. Jaime - Uma vez telefonou-me a perguntar se eu não achava que já era altura de ir falar ao pai...

Maria José - O tal modelo romântico não ia conduzir a nada. A outra hipótese era uma aventura de altíssimo risco. Eu era particularmente nova. Casei com 19.

Jaime - Conhecemo-nos no dia 12 de Março de 1970. Casámos em Janeiro de 72.

Percebeu logo que era uma aventura de altíssimo risco?

Maria José - O Jaime tinha estas características e percebi que não ia abdicar delas. Que era eu que ia embarcar. Eu tinha uma grande sedução por embarcar nisso. Não embarquei por sentido de dever. Casei porque quis. A nossa vida foi assim. Abriram-se horizontes mais extraordinários do que alguma vez pensámos que íamos viver.

A grande diferença foi a possibilidade de estar perante um abismo? Um abismo permanente. Era isso também que a seduzia?

Maria José - Não havia certezas de nada. Não fazia planos para a minha vida. Nem profissional. O meu pai sempre achou que eu ia acabar na Junta Reguladora do Comércio do Bacalhau, porque andava sempre a saltar de um lado para o outro. Quando a Junta foi extinta, mandei-lhe uma fotocópia a dizer: "Aqui já não acabo." Portanto, não me afligiu nada um modelo de vida incerto. Mesmo depois de as crianças nascerem.

Queria ser o herói romântico que lia nos livros? Ou o herói político?

Jaime - Os meus heróis foram sempre os mesmos. Para começar, o Corto Maltese. Isso não se compadecia com a família, os filhos, tudo isso. Não tinha ideia nenhuma de ter filhos. Gosto imenso dos meus filhos depois de eles terem nascido.

Maria José - Foi um convite a solo. Não me convidou para fazer a família dele. Convidou-me para uma longa viagem. Mas os filhos foram para ele uma revelação, e agora os netos. Estão [as fotografias] no telemóvel - não disfarces! Eu não tenho um neto no telemóvel.

Jaime - Por causa do livro da República [Nobre Povo - Os Anos da República], tenho estado a ler as memórias do Raul Brandão, um documento admirável. Diz: "Encontrei o Mariano de Carvalho. Só fala nos netos. Mau sinal." Mas claro que gosto dos meus netos. Gosto da minha família por ser a minha família e gosto deles individualmente.

Não sonhava com uma família porque não queria ficar vulnerável e porque isso podia impedir a prossecução do seu sonho?

Jaime - Não ia tão longe. A minha geração era obcecada com as coisas da política. A defesa do império, a revolução. Os nossos personagens, os nossos heróis, eram gente assim. Havia um lado de niilismo muito forte, que eu disciplinei ou domestiquei - mais disciplinei do que domestiquei. Passo a vida a impor-me uma disciplina que me contrarie. Tinha a intuição de que uma família não era compatível... Mas hoje não diria isso. Porque acabou por ser compatível. Foi uma sorte. Foi um gift, um dom.

Maria José - A questão da vulnerabilidade é importante. Há aquela frase do Kennedy: "Ter filhos é dar reféns ao destino."

Quando foram para Angola, em 74, o vosso filho mais velho já tinha nascido.

Maria José - Já. Tinha já acontecido o 25 de Abril, existia a perspectiva da descolonização, não teria sido possível a nossa fuga de Angola com uma criança daquela idade. O miúdo estava aqui [em Portugal, nós estávamos em África]. Tive de vir cá buscá-lo, mais tarde, e levei-o para a África do Sul. Clandestinos. Papéis, confusões...Não teve dúvida nenhuma de que queria ir para Angola para viver o seu sonho?

Jaime - Nem foi isso. Tendo sido eu toda a vida um grande defensor do Ultramar, seria absurdo não ir. Pareceria uma graça de um político do Antigo Regime: "Armemo-nos e ide!" Que é, aliás, um costume muito português, das elites portuguesas. Quanto mais não fosse para não passar pela vergonha do "armemo-nos e ide", tinha de ser minimamente coerente e ir. Como tinham ido milhares de pessoas que nem pensavam sobre aquilo o que eu pensava. Era o mínimo dos mínimos éticos.

Era ir para lutar pelo que restava?

Jaime - Quando me ofereci, ainda não tinha havido o 25 de Abril. Ofereci-me, nunca mais me mobilizavam, então troquei com um colega de curso, que já estava mobilizado. Ele ficou tão contente, apressou os papéis, tudo. Quinze dias antes do 25 de Abril. Agradeço-lhe imenso. Se não fosse isso, não teria ido para a guerra e a minha vida teria sido completamente diferente. Gosto muito da vida que acabei por ter. Comecei logo a preparar uma revolução, organizar o FRA, fazer 500 mil coisas. O lado romântico: o voluntarismo. A gente acha que vai conseguir, que vai fazer. E vai fazendo sempre.

Quando vai, acha que vai conseguir?

Jaime - Acho. E se não conseguir, pelo menos fiz um esforço. Havia um livro de que gostava imenso sobre a cultura dos samurais, sobre a nobility of failure. Tínhamos também o culto das causas perdidas. Aquela máxima do Cyrano: Et c"est encore plus beau lorsque c"est inutile... Penso que na esquerda também havia estas coisas. Esta gente, agora, business oriented deve achar que éramos completamente idiotas, tontos. Mas éramos assim.

Antes de ir, o império era para si uma abstracção. É interessante que se faça ao terreno.

Jaime - Para ver como era. E como éramos novos, muito abstractos, hegelianos (acreditávamos nas ideias puras), o império era para defender. Tanto fazia que fosse um bocado de areia como um pântano sujo. Era território. Era a mística. Éramos idealistas. É evidente que hoje gosto muito mais das coisas e das pessoas do que gostava nesse tempo. Mas isso é a sorte da vida.

Fale-me disso.

Jaime - Nunca pensei voltar a Angola, ao império, se já não fosse nosso. Que é que lá ia fazer? Hoje adoro ir a Angola, gosto das pessoas, divirto-me. Gosto de Moçambique; tenho com mais dois sócios uma coisa [empresa de segurança], com cinco mil pessoas a trabalhar.

Maria José - Acompanhar essa transição da queda do império, com eles do outro lado, gerou laços. Vivemos as mesmas coisas de lados diferentes da barricada.

Jaime - Com o fim da Guerra Fria, também se criou o charme do ex-inimigo. Cultiva-se e é agradável. Não estou a ser cínico. As pessoas que passaram sob bandeiras diferentes pelas mesmas experiências, e quando deixa de haver razões para se combaterem, identificam-se mais do que as que não passaram por coisa nenhuma. Na preparação do livro da República, achei interessante o facto de o Machado Santos e o Paiva Couceiro serem dois personagens parecidos; Machado Santos refere-se ao "Bravo Paiva Couceiro"; ou seja, praticamente admira o único tipo que está a combater com ele. Hoje, como não há grandes conflitos e grandes batalhas, e a política é light, é centrão, isso leva as pessoas a estes refúgios nostálgicos.

Maria José - Não acho nada que sejamos nostálgicos. Nem tu nem eu. Temos sempre mais saudades do futuro.

As pessoas olham-nos como sendo nostálgicos de um passado que ainda viveram e pelo qual ainda lutaram.Maria José - Nós lutávamos por um conceito de Portugal. Que desapareceu. Nessa altura tivemos atitudes logo diferentes. Eu nem sonhava fazer algum dia intervenção política.

Jaime - Eu escrevi um livro chamado Portugal: Os Anos do Fim, em 1976.

Maria José - Disse-lhe: "Não ponhas esse título." De outra maneira, Portugal vai continuar.

Jaime - E continuou.

O que foi preciso para aprenderem a estar nesse Portugal "reformatado"?

Maria José - A própria realidade. Não é conformarmo-nos. Está por demonstrar que a solução que se deu ao Ultramar tenha sido positiva. Aquilo em que acreditávamos não era tão insensato, tão disparatado, como se quis fazer crer durante muito tempo. O Portugal que temos é o Portugal que temos. É onde nascem os nossos netos, onde as pessoas ficam.

Jaime - Voltámos em 1978. Em 1980, comecei a [revista] Futuro Presente, com o Nuno Rogeiro, o José Miguel Júdice. Fui sempre fazendo coisas.

Maria José - Os nostálgicos não são activos.

Sofreu muito com o que tinha sido o falhanço do ideal da sua juventude?

Jaime - Sim. Mas depois tive sorte, e foi isso que me permitiu "destraumatizar", de voltar aos mesmos sítios de cara levantada, sem meter ideias no bolso, e até com o respeito das pessoas (quer daquelas com quem tínhamos estado, quer das que tinham estado contra nós). Volto a esses países e entro pela porta da frente, dou-me bem com as pessoas, tenho actividades lá. Ideia mítica: a gente perde as batalhas, mas volta sob outras formas, outras bandeiras.

Maria José - Perde batalhas e não perde necessariamente a guerra. Que guerra é essa?

Jaime - Somos muito hegelianos para ter razão contra a História. Se não tivesse acontecido o 25 de Abril, tinha acontecido o 25 de Maio. As coisas já estavam de tal maneira...

Intuíam-no?

Maria José - Tínhamos essa noção.

Jaime - Ter razão em História... A razão é uma coisa que podemos discutir connosco ou com Deus Nosso Senhor, se o tivermos. O resto são os factos, o que fica. O acontecido tem muita força.

Maria José - Apesar de ter sido num sentido contrário ao que acreditávamos, foi um privilégio ter vivido um pedaço de História tão forte como foi aquele.

É um privilégio porque se conheceram em situações-limite?

Maria José - Também. Fomos postos à prova. Há pessoas que nascem e vivem e morrem sem terem sido postas à prova. Essa possibilidade horrorizar-me-ia.

Esse pôr à prova é: temos coragem, não temos coragem, somos íntegros, não somos?

Jaime - Persistimos nas nossas ideias ou não. Abandonámos os nossos amigos ou não. Trocámos os nossos amigos pelos amigos dos outros por conveniência ou não.

Maria José - Primeiro é o teste à fidelidade àquilo em que acreditamos. Mas é também o despojamento. Podemos manter a nossa dignidade num campo de refugiados? Podemos. A capacidade de estar com dignidade em situações adversas. Perceber que precisamos de muito pouca coisa para sobreviver.

Jaime - Cigarros e livros. Agora já não preciso dos cigarros, deixei de fumar há 20 anos.

Maria José - Nessa altura é que os filhos nos fazem vulneráveis. O Eduardo esteve connosco, não nessa fase em que estivemos num campo de refugiados [na África do Sul], mas a seguir. Já não podíamos pensar só em nós, já teríamos de pensar nele. Percebemos que éramos tão fortes quanto necessário fosse.

Jaime - Outra frase da adolescência, que é do Nietzsche e também do Conan, aquele personagem de banda desenhada adaptado ao cinema pelo Schwarzenegger: o que não me mata torna-me mais forte.

Era nisso que pensava quando estava numa fila para receber a sopa? Jaimev - Pensei no insólito de ali estar. "Que engraçado, olha, agora estou nesta." São também as leituras... Nessas alturas salta a carga romântica, um bocadinho épica. E o sentido de humor, que tenho. "Quem é que havia de te dizer que ias estar aqui na fila?"

Não lhe ocorreu que podia soçobrar?

Jaime - Não!

Maria José - Não tive essa perspectiva. Aqui nesta casa, quando era miúda, até à primeira parte do Governo Marcelo Caetano, dávamos sopa, todos os dias. Quando me vi numa fila a caminho da sopa, percebi que me tinha tocado a mim uma coisa a que tinha assistido anos a fio. Mas tinha estado sempre do lado da panela. Marcou muito a minha infância, sobretudo através da minha avó, a ideia de que nada do que temos é nosso. Não é a caridadezinha. A minha avó vivia o Evangelho com muito rigor. Quando havia jantares grandes de amigos, dizia: "Lá vamos nós dar de comer a quem não tem fome." Eu, ao princípio, não queria comer [no campo]. Não queria a lata, não queria nada, cheirava mal. Depois o Jaime [riso] olhou para mim e disse: "O mais que tens é de comer." Ele trabalhava nas cozinhas e trouxe-me um bocado de pão e manteiga de amendoim. As mulheres e os homens comiam separados.

Porquê a recusa?

Maria José - Eu percebia que estava ali como refugiada, que não tinha direito a nada, que tinha de me sujeitar às regras. Mas como cheirava mal, não queria comer. Depois peguei na lata e fui. Percebi que estava do lado da lata e não do lado da panela. Como quando tratámos dos papéis de emigrantes - aquela sensação: dá carta de trabalho, não dá carta de trabalho -, algum movimento e pensávamos que era connosco, o ser preciso ir vender os anéis [à Cartier]... Esta experiência, a probabilidade de não acontecer na minha vida, era de 99, 9%. Agradecer esse 0,1% que ma trouxe é o mínimo que posso fazer.

Jaime - Passar pelo underdog é uma experiência muito interessante. Até politicamente. Quando reencontrámos o José Miguel Júdice em Madrid, em Janeiro de 75 - ele tinha estado aqui preso -, falávamos das prisões, das repressões. Passava-se a falar da fuga, da clandestinidade, da prisão de uma forma completamente diferente. Essa experiência do [que é o] outro lado - do lado de baixo da História, dos perdedores - é riquíssima.

Maria José - Não tem de deixar amargura nenhuma.

Jaime - Do ponto de vista religioso, tenho uma vivência cristã. Do ponto de vista filosófico, sou mais estóico do que cristão. Acho que a passagem disso dá uma humanidade diferente. Mesmo com os nossos inimigos. Quando a gente passa por isso, tem de dizer: vou-me pôr na pele do outro - e se eu fosse operário, e se eu fosse escravo, e se eu fosse cego e mendigo?

Essa experiência ajuda a relativizar?

Jaime - Arrasa com as certezas abstractas e filosóficas. Fomenta outras certezas. Pronto, sou capaz, já passei por isto. Mas tudo na escala dos brandos costumes portugueses. Não podemos comparar isto com experiências de outras sociedades.

Escreveu que muitos espanhóis acabavam fuzilados no paredón. Essa ameaça não era a vossa.

Jaime - Foi a nossa pequena experiência.

Apesar disso que dizem, durante muitos anos, sobretudo para o Jaime - o que se percebe na leitura dos Jogos Africanos - continuou a existir uma clivagem absoluta entre os dois lados. Ou nós ou eles.

Jaime - (Peço desculpa, vou fazer outra referência literária. O que a gente lê entre os 10 e os 15, 16 anos é definitivo.) Líamos uns romances sobre a guerra da Argélia nos quais havia uma certa camaradagem entre os contrários. Uma guerra sem ódio. Eu combato aquele porque ele crê as coisas exactamente ao contrário do que eu creio. Mors tua vita mea - a tua morte é a minha vida. Mas no fundo somos parecidos. Vou-te eliminar, vou-te neutralizar, mas não tenho ódio. O combate político nunca me levou ao desprezo [pelo outro]. Maria José - Há também a sedução pelas pessoas que podemos admirar, apesar de serem completamente diferentes de nós e nossos adversários. Então em Portugal, isso é muito visível. Tenho um determinado pensamento, não tenho uma família política para esse pensamento. Não estou certa de que as pessoas que me estão mais próximas na arrumação deste puzzle sejam aquelas que pensam como eu.

Pensei que tinha ódio aos comunistas.

Jaime - Ódio, eu? Não digo que tenha muitos amigos comunistas, mas dou-me bem com vários comunistas. Hoje, penso o seguinte: os comunistas, desaparecida a União Soviética, são essencialmente um partido tribunício.

Maria José - Nem podíamos [ter esse ódio], historicamente. É evidente que o Partido Comunista teve um papel determinante no 25 de Abril. Mas não podemos ter uma visão simplista e dizer que foram os comunistas que o fizeram sozinhos. Na sociedade portuguesa há laços e proximidades heterodoxas que vêm disso: das leituras, dos percursos, das afinidades (mesmo as que resultam da defesa de causas contrárias), das vivências académicas e das lutas académicas.

Jaime - Nessa altura é que a gente não se falava. Eu tinha uma resposta chapa para isto: se amanhã houvesse uma guerra civil, naturalmente voltávamos à mesma história, tinha de matar uns para não nos matarem a nós. Mas como não há, e até lá, vamos convivendo muito bem. Uma das razões por que nunca me meti em vidas partidárias é porque aí há uma ritualização das coisas: temos de ter ódio ao Governo, ódio aos comunistas, ódio aos conservadores.

Maria José - É uma visão clubística da política.

A Maria José trabalhou em instituições como a Maternidade Alfredo da Costa, a Santa Casa da Misericórdia. Esteve muitas vezes em contacto com aqueles que estavam do lado da lata e não da panela. Além das experiências partidárias. Isso fê-la menos radical do que o Jaime?

Maria José - Nunca fomos radicais. Fomos convictos. Não mudei nenhuma das minhas convicções. Nem aquelas que foram derrotadas, por referendos, leis, factos históricos. Tenho de ser justa: ninguém (das pessoas que me estimularam a entrar na política activa) me pediu para mudar nenhuma dessas convicções. Nunca senti que por fazer parte de um grupo tinha de gritar como o grupo. Podemos ficar sozinhos. Mas esse ficar sozinho não me afecta nada. Esse país real, de que se fala como se fosse uma abstracção, conheço-o. Quem me abriu mais a porta para a política foi a Leonor Beleza. Trabalhei com ela na Segurança Social. Faço política pelo concreto. Gostamos das pessoas - é outra coisa que nos caracteriza.

Jaime - Gostamos e não gostamos. Há uns de quem não gosto. [riso]

Nunca se sentiu um radical?

Jaime - Ah sim, com certeza. Toda a minha adolescência. Tínhamos o culto da radicalidade como uma virtude. Fui o fundador no Porto do Jovem Portugal. Fiz a revista A Política, entre 1969 e 73. Quando regressámos, fiz o Futuro Presente, nos anos 80.

Insisto: nos anos 80, o percurso da Maria José parece menos radical.

Maria José - Eu voltei primeiro, em 1978. Fui trabalhar com o dr. António Barreto, que tinha o gabinete de Estudos Rurais, na Universidade Católica. Para mim, a reforma agrária, que estudei, eram os camponeses, os latifundiários, as ocupações... E vinha do exílio. O terreno permitiu-me perceber que não havia fome da terra, havia fome de emprego estável. Uma vez ocupadas as terras, ninguém soube o que fazer com elas. As UCP acabaram por fracassar. Mas aquilo era um santuário em termos revolucionários. Ou seja, ajudou-me a desmontar muitos estereótipos. No fundo, a aproximação às coisas reais, que tenho muito na minha vida, mais do que o Jaime, que é mais intelectual puro, foi muito abrangente e permitiu-me perceber que a vida é como é. Tudo mais simples do que parece. Ou talvez mais complicado. O radicalismo: o meu pai era um homem de direita, orgulhosamente do Estado Novo, muito ligado ao Salazar. Mas aqui em casa fomos sempre educadas com grande liberdade. Nesta casa passava toda a gente. Bem, não passava o Álvaro Cunhal. Mas passava gente diversificada. O seu pai era salazarista?

Jaime - Era. O meu avô foi franquista (João Franco), depois sidonista e salazarista. Do lado da minha mãe, penso que o meu avô foi carbonario. Eu tive uma fase liberal, pela democracia e pela liberdade, vinda das leituras. A maior parte dos romances que se editavam em Portugal eram de gente de esquerda italiana, francesa, Elio Vittorini, Sartre. Havia um escritor americano de segunda ordem, muito esquerdista, de quem li a obra toda: Erskine Caldwell. O princípio da guerra de África, em 61, é que me deu a volta, por causa do Ultramar. O que me leva a crer que a propaganda do Estado Novo não era assim tão má.

Que criança era, que jovem era, para ter convicções políticas tão fortes com essa idade?

Jaime - Era uma coisa de geração. Eu lia invulgarmente. Era muito sozinho. Com 12 anos, li a Bíblia toda, a edição ilustrada pelo Gustave Doré. Dantes, o saber e a cultura eram coisas que nobilitavam, tornavam as pessoas respeitáveis. Algumas das pessoas que mais me formaram foram os meus professores de liceu. Dr. Baltasar Cardoso Valente. Aprendi com ele a pensar o mundo, a conhecer o mundo.

Maria José - A minha grande amiga, com quem brincava todas as tardes, era a Dolores, filha do sapateiro do Benfica. A Dolores disse-me: "Sabes, agora vai tudo mudar. Vem aí o [Humberto] Delgado. Vamos mudar de casa. Eu vou viver para a tua casa e tu para a minha." Tínhamos seis anos! Já eu imaginava a mudança... Ao jantar, contei a conversa. Houve um silêncio, e depois isso foi falado. A guerra do Ultramar foi discutida nesta casa, até porque havia posições diferentes.

Conte-me como era em criança.

Jaime - Tinha meios-irmãos muito mais velhos do que eu, era como se fosse filho único. Tinha só aulas de manhã. Lembro-me de passar as tardes a ler. Também tinha amigos e brincava; mas aos dez anos já não se brinca muito. Lembro-me de meter o candeeiro debaixo dos lençóis e ler até às quinhentas. Cria um mundo. Aos 15 anos, com a política e o Jovem Portugal, saio do casulo. Torno-me num pequeno líder. Crescemos rapidamente, tínhamos mais de 100 filiados.

Queria ser político?

Jaime - Não. Queria ir para a Academia Militar. Queria ser soldado. Não fui por causa dos óculos. Fui para Direito - como dizia o Eça, bacharel em leis como toda a gente. Era um curso que dava para tudo. Houve uma altura em que quis ser professor universitário. Mas depois, por causa da política, deixei de ligar e licenciei-me com uma nota média.

Veio do Porto para Lisboa. Tinha a noção de que aqui é que se passava tudo?

Jaime - Digo sempre isso aos meus alunos: onde se passam as coisas é na grande cidade. Onde é que apanhei Lisboa? Nos filmes portugueses, nas comédias. Vinha cá às vezes e gostava muito. Tinha a coisa de querer sair de casa, de ser autónomo. Vim com 17 anos. Em Lisboa, continuei na actividade política. Era de direita numa altura em que "toda a gente", sobretudo no meio universitário, era de esquerda.

Jaime - Não me incomodava nada. Em Direito ainda havia um núcleo de direita. Havendo um pequeno núcleo, é possível arregimentar alguns dos indiferentes. A Faculdade de Direito foi a faculdade onde nunca se conseguiu uma greve geral. A esquerda tinha outras formas de agremiação, revistas, associações de estudantes - uma outra força.

Maria José - Quando eu furei a greve em 1969 - foi assim que nos conhecemos, veio no jornal que eu tinha furado a greve; uma coisa censurável e extraordinária - tive os meus amigos com um profundo desgosto por eu ter feito aquilo.

Jaime - Eu organizei o furar a greve. Em Coimbra, o núcleo de direita tinha uma certa força. Era parte do meu grupo. Mas nós éramos bastante isolados, não éramos propriamente do regime. Tínhamos, não direi repugnância, mas uma certa alergia a ser confundidos com qualquer coisa que tivesse que ver com o regime, quer no tempo de Salazar, quer no tempo de Marcelo Caetano.

Porquê essa alergia?

Jaime - Porque éramos nacionalistas revolucionários. O regime era para nós uma coisa arcaica, careta, decadente. O culto de Salazar em Direito é depois de ele desaparecer.

Quem diria que anos mais tarde iria a um programa de televisão defendê-lo...

Jaime - Continuo a achar que Salazar teve três qualidades que amigos e inimigos não lhe negam. Procurou sempre o que ele entendia como o bem de Portugal. Segundo, era uma pessoa honestíssima em relação a tudo o que era dinheiros públicos; tinha a preocupação de controlar os outros; e como lhe tinham medo, havia pouquíssima corrupção. No fim do Estado Novo, as coisas mudaram. Terceiro, decidia coisas, bem ou mal. Não empatava, não engonhava. Uma certa popularidade que ele adquiriu [resulta daqui]: contrasta muito com a média dos políticos.

Quer dizer que a defesa que foi fazer à televisão não a poderia ter feito quando era jovem?

Jaime - Não. Achávamos que o regime, com excepções, era feito de gente muito burocrática, ordeira. Não queríamos ter nada a ver com eles. Nós vivíamos nos personagens dos livros, nos autores franceses dos anos 30, no Ernst Jünger. O programa de televisão: pensei, provavelmente com presunção: "Ou vou lá eu ou corre mal. Quem for é capaz de não fazer aquilo bem e depois fico furioso por não ter ido." Há uma frase do Reagan que gosto muito de citar e que acho que pode resolver grande parte dos nossos problemas: If not us, who? If not now, when? Ninguém se chega à frente? Quem me telefonou, telefonou como se estivesse a fazer um convite embaraçoso.

Maria José - Como se fosse para ir para a forca!

Jaime - Perguntei: "É como advogado ou como historiador? Se é como advogado, aceito já."

Maria José - Nunca vi um clima tão tenso num programa de televisão. No fundo, é muito importante saber quem é que conta a História. É importante que o Jaime tenha escrito estes livros. Porque a História foi contada durante muito tempo só por um lado. Nós, direita, temos culpa disso. Estivemos calados.

No período da Guerra Fria, a Maria José esteve na política activa. No caso do Jaime, só a partir dos Jogos Africanos soubemos da sua participação em jogos de bastidores. Sendo um palaciano, dá-se muito bem na selva.

Maria José - É um urdidor.

Jaime - Essa actividade, como a maior parte das coisas importantes que nos acontecem na vida, aconteceu por acaso. Em 1978, ainda estamos a viver exilados em Madrid, o embaixador Franco Nogueira foi convidado por um grupo com uma certa base conservadora, do Liechtenstein, a ir lá regularmente. Esses grupos informais que se fazem e que as pessoas acham que servem para fazer conspiração. Não é bem conspiração. São grupos que têm uma certa afinidade ideológica. Creio que não usa a palavra "conspiração" para se referir ao "grupo" Cercle, mas quando chega a África, em 74, diz que a primeira coisa que faz é conspirar. O Cercle é criado para vencer a Guerra Fria e é frequentado por pessoas como o Kissinger.

Jaime - Esses grupos são plataformas onde se encontram pessoas com ideias próximas. Políticos, homens de negócios, académicos, homens da área militar e da intelligence, jornalistas. Pessoas com uma certa influência nos respectivos países. E pessoas clubbable; ou seja, que gostam desta convivência. Depois, se as pessoas têm interesses bilaterais e querem juntar-se nalguma coisa, isso é com elas. Tive a sorte de ter sido convidado por um amigo para ir a Washington, para o Cercle. Foi no ano e no dia da morte de Sá Carneiro. Tinha o Reagan acabado de ser eleito.

Como é que se torna influente?

Jaime - Um dos campos de batalha da Guerra Fria é África. Passei a ser no grupo o expert que dissertava sobre Angola. Ganhei uma certa influência, não porque tivesse um cargo a desempenhar, mas porque conhecia muito bem o que se estava a passar. No Cercle, estavam pessoas importantes da Administração Reagan, conselheiros, estrategas. Passei a ter esse estatuto. Quando chega a altura de haver uma intervenção mais prática, sou uma das pessoas que se ocupam disso. Gostei. Achei divertido. Fiz umas coisas por minha conta e risco - toda a questão moçambicana. Gosto de política internacional, geopolítica. A grande política, gosto de a pensar, estudei-a muito.

Gosta de se sentir uma peça daquela grande máquina?

Jaime - Um amigo respondia com certa graça quando lhe perguntei como tinha entrado naquilo. "É sempre a mesma coisa. Um amigo que traz outro amigo, que é recomendado por outro amigo." Ele também dizia que as coisas mais engraçadas que fazemos são aquelas que não sabemos se saíram da nossa cabeça, se foi alguém que nos sugeriu e que a gente nem percebeu quem... E é um mundo com uma certa capacidade de acção. A maior parte das vezes não é directa, mas é exercida junto das pessoas que depois decidem, que foram eleitas ou que têm poder. Sou uma pessoa bastante discreta. Gosto mais disto do que de andar aos gritos no meio da rua.

Foi uma actividade de que só se soube recentemente.

Maria José - Faz favor de explicar o que é que significa no dia-a-dia a necessidade desse silêncio... Pugnei pela publicação dos Jogos Africanos. Os miúdos, muitas vezes, nem percebiam o que é que o pai fazia. Umas coisas, sim - aulas na faculdade. Mas depois havia um tempo - viagens, ausências - que eles não percebiam bem. Eu seria das poucas pessoas, e por vezes a única, a saber.

Jaime - Um amigo, quando publiquei os Jogos Africanos, disse: "Assim soubemos o que é que andaste a fazer."

Podia responder-lhe com uma frase essencial neste meio, segundo conta no livro: "Não faças perguntas."

Jaime - Este livro respondeu a muitas coisas.

Há um episódio engraçado, quando encontra pela primeira vez Savimbi, em Paris. Por acaso, e sem o saberem, hospedaram-se no mesmo hotel.

Jaime - A Zezinha achou que eu tinha organizado tudo. Não tinha organizado nada.

Há coisas que nem a sua mulher pôde saber.

Maria José - Sim. E aceitei isso perfeitamente. Nunca fiz perguntas.

Jaime - A não confidencialidade compromete a maior parte das pessoas. Só tem de ser informada de uma coisa uma pessoa que faz parte do puzzle. Fora isso, não tem nada que saber. No livro diz que a sensação de pertença a este grupo de decisores lhe faz bem ao ego.

Jaime - É claro. Sentia que era um privilégio participar nisso. Nós tínhamos sido exilados... Isto foi há 30 anos.

Era uma outra maneira de fazer História?

Jaime - Era. Totalmente diferente. [Fui] um português que pôde continuar a fazer coisas por Portugal. Tive a preocupação de informar as autoridades do meu país, fosse qual fosse o Governo, sobre coisas que tocassem directamente os interesses de Portugal. Salvo duas ou três excepções que não vou comentar, sempre respeitaram. Era uma lealdade ao Estado - não ao Governo.

Um exemplo da vossa influência.

Jaime - No caso de Angola, tivemos influência e peso para trazer as negociações [do processo de paz] para cá. Eu fiz isso. Era uma forma de Portugal retomar um papel.

Maria José - Foi um trabalho duro, aliciante, tinha aspectos rocambolescos. Eu acompanhava-o nalgumas viagens.

Era a vida dele à qual episodicamente assistia. Não era estar no projecto a dois, como tinha acontecido no pós-revolução.

Maria José - Fui a companheira dele neste projecto, muitas vezes muda, silenciosa, à boleia. Sempre com a obrigatoriedade de não dizer a ninguém, nem mesmo dentro da nossa casa. Isso criava uma solidão a dois. É uma coisa que une. Eu fui fazendo outras coisas. Tem a ver com participar. Temos obrigação de participar. Gostamos da coisa pública.

Jaime - As razões da acção humana são múltiplas. Porque gostamos, porque é lúdico, pelo dever, até pelo interesse.

Editou um livro, a que já fez referência, que tem um título triste: Portugal: Os Anos do Fim. Não parecem tristes.

Jaime - Nunca fomos. Nunca fui um melancólico. O título é apocalíptico. São coisas que nos põem em contacto com os limites da natureza humana.

Nunca tiveram nenhum tipo de amargura?

Maria José - Nunca.

Jaime - Eu tive outros sentimentos, não amargura. Raiva, raiva, fúria. No dia em que o general Spínola, 27 de Julho de 1974, anunciou oficialmente o fim do império português, tive um grande desgosto. Curei-me das coisas do império voltando a ele.

Maria José - E vergonha. O Ultramar era uma forma de ser português. Depois, nós tínhamos que sobreviver. Era um dia atrás do outro.

Jaime - Era procurar empregos que não chegavam.

Maria José - Era estar longe da pátria. Longe, até porque não havia dinheiro para comprar bilhetes de avião. Era contar os tostões. Mas aquilo era inexorável. Era o vento da História que ia soprar inexoravelmente.

Jaime - Hoje, lucidamente, racionalmente, reconheço que um país com a dimensão de Portugal, e a partir do momento em que já não havia mais nenhuma potência com colónias, estava isolado. Era um regime exótico na Europa ocidental. Bastava qualquer coisa para um colapso.

Maria José - Doeu-nos sobretudo a forma como acabou.

http://www.publico.pt/Sociedade/as-vidas-de-altissimo-risco-dos-nogueira-pinto_1460418?all=1

Sunday, 10 October 2010

ARMAS E DROGA NA DISCOTECA KREMLIN

Armas e droga dentro do Kremlin

Lisboa: Segurança da discoteca apanhado com um bastão

Discoteca Kremlin já foi palco de diversos incidentes, como agressões no interior e tiroteios à porta


A PSP entrou ontem de madrugada em força na discoteca Kremlin, em Lisboa. Pouco passava das 03h00 quando dezenas de agentes irromperam pelo estabelecimento e passaram a pente-fino seguranças, clientes e o próprio espaço. Ao todo cinco pessoas foram detidas, bem como apreendidas várias armas brancas e droga.

Levada a cabo pela Divisão de Investigação Criminal da PSP de Lisboa, a operação insere-se nas várias campanhas de prevenção à criminalidade da polícia.

Um dos seguranças foi detido na posse de um bastão extensível e outros quatro clientes foram ainda levados pela PSP por posse de droga, por imigração ilegal e ainda outros dois sobre quem recaíam mandados de detenção pendentes.

Para além das cinco detenções, os agentes, que contaram com o apoio de uma equipa do Corpo de Intervenção da Unidade Especial de Polícia (UEP), revistaram o espaço, encontrando duas navalhas, luvas e várias doses de droga, em especial haxixe, cocaína e ecstasy.

Conhecida por vários incidentes e agressões violentas na noite de Lisboa, a discoteca foi o único alvo da madrugada de ontem. Os quatro clientes levados pela PSP acabaram por ser soltos ao longo da madrugada. Quanto ao segurança ficou detido e será amanhã presente a tribunal por posse de arma ilegal.

CORREIO DA MANHÃ 10-10-2010

Por:Henrique Machado/Magali Pinto

http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/nacional/portugal/armas-e-droga-dentro-do-kremlin

Saturday, 9 October 2010

SÓCRATES APRESENTA A DEMISSÃO A 29 DE OUTUBRO

Sócrates apresenta demissão em Belém a 29 de Outubro.

A queda do governo está iminente. O chumbo do PSD ao Orçamento do Estado levará Sócrates a Belém para pedir ao Presidente que arranje outro primeiro-ministro

Contagem decrescente para a saída de Sócrates do governo: o chumbo do Orçamento levará o primeiro-ministro a pedir a demissão ao Presidente e a sugerir que convide
.Mais uma data a fixar para a história da política nacional: no dia 29 de Outubro, uma sexta-feira, o PSD chumbará o Orçamento do Estado e o primeiro-ministro irá a Belém pedir a demissão do cargo e passar para o Presidente da República a resolução do imbróglio - como, segundo a Constituição, a realização de novas eleições só será possível depois da posse do novo Presidente, na melhor das hipóteses em Maio, resta a Cavaco Silva a possibilidade de encontrar um novo executivo por via parlamentar.

José Sócrates vai sugerir que não seja o PS a formar o novo governo, mas sim o PSD. O caminho está aberto para um sucedâneo de "governo de iniciativa presidencial" - figura que já não existe na Constituição -, que possa contar com o apoio maioritário do parlamento. No horizonte político poderá estar um remake do governo dos 100 dias de Maria de Lurdes Pintassilgo, que serviu para gerir o país à espera das eleições seguintes.

As pressões sobre o líder do PSD para viabilizar o Orçamento através da abstenção são gigantescas, mas Pedro Passos Coelho está impassível - e ferozmente determinado a não recuar no compromisso que já assumiu publicamente. Chumbará um Orçamento com aumento de impostos, ainda que o próprio Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, afirme que com o chumbo "a situação de muito má se torna péssima e as consequências serão sentidas de imediato". A proposta avançada pelo PSD, de aceitar o aumento do IVA para 23% se o governo reduzisse a taxa social única, foi recusada. O ministro das Finanças diz que seria uma medida "em que se dava com uma mão e tirava com outra" e que "não ajuda a reduzir o défice" ao não contribuir para aumentar a receita do Estado. Teixeira dos Santos reforçou: "Se nós propusemos aumentar o IVA é porque precisamos da receita. Não aumentámos para pôr o PSD maldisposto."

Teixeira dos Santos pressionou também Pedro Passos Coelho para tomar uma posição sobre o Orçamento. Depois do Conselho de Ministros em que o governo aprovou o pacote de medidas de austeridade a aplicar já este ano, o ministro lançou o repto: "Houve uma recusa clara do PSD de negociar. O sinal que o país está a dar é de que não tem capacidade de ver estas medidas aprovadas no Parlamento. Era bom que o PSD dissesse já qual é a posição em relação ao Orçamento do Estado. O PSD em nada está a ajudar a acalmar os mercados nem a ajudar a que essa clarificação se faça."

O diálogo está impossível entre governo e PSD e as pressões do Presidente da República e do presidente da Comissão Europeia não deram em nada. "Qualquer país tem de ter um Orçamento" que sirva para "recuperar a confiança" em Portugal, disse Durão Barroso, citado pela RTP. "Estou preocupado, pois preferia uma situação que clarificasse a resposta que Portugal vai dar", disse, insistindo que as medidas de austeridade propostas pelo governo são fundamentais para que o país recupere a confiança dos mercados internacionais.

Também o Presidente da República continua a insistir que o cenário apocalíptico será evitado, nem que seja à última hora. "Devemos deixar decorrer este tempo normal de debate na Assembleia da República, porque todas as forças políticas vão querer dar o seu contributo para que o Orçamento seja melhor, do seu ponto de vista, que aquele que o governo irá apresentar", afirmou ontem em Valença. Para Cavaco, "desse debate espera-se que resulte uma melhoria do conteúdo do Orçamento e, com certeza, uma melhoria nas medidas que foram apresentadas, que reflectem um contributo das diferentes forças políticas" portuguesas. O apelo à cedência do governo de modo a permitir a abstenção do PSD está implícito.

Cavaco Silva foi ao ponto de trazer à memória "o famoso orçamento limiano", quando o governo de António Guterres conseguiu à última hora a aprovação do Orçamento através de uma negociação directa com um deputado do CDS, Daniel Campelo - mas nessa altura bastava um voto fora da bancada do PS para o deixar passar. Recordações do Presidente, ontem em Valença: "Só nos primeiros dias de Novembro o governo chegou a um entendimento com um deputado para que o Orçamento fosse aprovado". Neste processo de debate sobre o Orçamento, o Presidente afirma que não tomará partido, porque quer "contribuir de alguma forma para a aproximação de posições", prevendo "um debate com algum calor": "Eu não me pronuncio sobre as medidas em concreto antes de elas serem debatidas na Assembleia da República", disse o Presidente.

Enquanto PS e governo se vão convencendo de que a ameaça de Passos Coelho não é simples pressão negocial, António José Seguro não acredita que o PSD não viabilize o Orçamento do Estado. O deputado socialista, apontado como um sucessor provável de José Sócrates à frente do Partido Socialista, resumiu a sua posição ao i numa expressão: "Acordo impossível. Chumbo improvável."

por Ana Sá Lopes, Publicado em 09 de Outubro de 2010

http://www.ionline.pt/conteudo/82413-socrates-apresenta-demissao-em-belem-29-outubro

Friday, 8 October 2010

ENTREVISTA COM A DUQUESA DE CADAVAL

Gente

Diana de Cadaval:

"Gosto que me chamem princesa"

É casada com um príncipe francês, vive num palácio e é visita assídua das famílias reais europeias. Vai às compras a Paris e, em Évora, dá asas ao seu gosto pela cultura. Eis Diana de Cadaval, em entrevista.

É princesa e vive num conto de fadas. A sua vida é um sonho. Viaja por todo o mundo, em lazer ou em ações humanitárias, e é visita frequente das mais importantes famílias reais europeias. Casada há dois anos com Charles-Philippe d'Orléans, Diana Mariana Vitória Alves Pereira de Melo Cadaval, 31 anos, ganhou com o casamento o título de princesa de Paris e duquesa d'Anjou. Perde-se por sapatos Louboutin, joias e vestidos e vai às compras a Paris. Mas para esta entrevista surpreende-nos com uma simples túnica branca e pés descalços. Não foi por acaso. Diana de Cadaval quis passar a imagem de uma mulher como as outras: "Também visto roupa casual e vou ao hipermercado." Descontraída, recebeu-nos nos seus salões como quem recebe uma amiga. Colocou os pés sobre os sofás, reclinou-se e sorriu muito. Numa postura oposta ao estilo formal, rígido, com o rigor protocolar que habitualmente usa. Foi ela a abrir-nos a porta, na companhia dos seus três cães, que permaneceram deitados a seu lado até ao final da entrevista. Diana de Cadaval não se esquivou à polémica existente entre si e a sua meia-irmã, com quem não fala, por causa do conflito pelo uso do título de duquesa. Uma controvérsia que alimentou as conversas de salões e que até levou Duarte de Bragança, pretendente ao trono português, a extinguir o Conselho da Nobreza, uma instituição que zelava e validava os títulos que se mantêm em Portugal. Esta é uma mulher do topo do jet set português.

Acabou de publicar o seu primeiro livro, "Eu, Maria Pia". Interessou-lhe a vida desta rainha?

É o meu primeiro romance histórico, muito simples. Quis explorar o lado íntimo da rainha, as suas desilusões, tristezas, alegrias, a sua relação com o marido e com os filhos. Escrevi-o na primeira pessoa, pois poderia tornar-se mais intimista para o leitor.

A sugestão foi sua?

A minha editora, a Esfera dos Livros, propôs-me este projeto. Sempre adorei literatura, mas nunca pensei publicar. De entre as muitas rainhas, escolhi Maria Pia. Ainda pensei em Dona Amélia, filha dos condes de Paris. Mas por haver ligações entre a família do meu marido e Dona Amélia, pensei que não era a escolha adequada. Maria Pia tinha uma personalidade muito forte, amada por muitos e odiada por outros. Tinha todos os elementos para uma boa história: tragédia, drama, amor, aventura. Era uma mulher muito inovadora e muito piedosa. Adorava moda e ia às compras a Paris, o que indignava o reino.

Dedicou o livro a seu pai. Lembra-se do primeiro que ele lhe ofereceu?

Era muito criança, lembro-me de me ter oferecido um sobre Dom Nuno Álvares Pereira. O pai era uma pessoa de muita cultura. Adorava literatura e política. Foi o primeiro duque de Cadaval a regressar a Portugal. Porque nós, os Cadavais, partimos com D. Miguel e nunca mais regressámos ao país. Fizemos a nossa vida lá fora, casando com estrangeiros.

Ele contava-lhe as histórias da família?

Contava, mas também histórias da Europa e das famílias reais europeias.

Explicou-lhe as razões pelas quais a família Cadaval saiu de Portugal?

Contou. A família da mãe dele, Diana de Gramon, era francesa, o pai tinha uma cultura muito francesa. Falávamos francês em casa.

Com o seu marido fala em francês?

Sim. Ele é neto dos condes de Paris. Foi educado na cultura francesa, mas já vai falando português. O facto de ter vivido uns anos em Espanha fez com que o português se apresentasse mais fácil. Adora Portugal, ficou encantado com as pessoas, com a cultura. Os seus avós viveram cá na altura em que residiam no Estoril, Cascais e Sintra famílias nobres, reis e rainhas de vários países, como os de Espanha, Bulgária, Itália. O Charles-Philippe tem memórias dessa época, vinha para o verão.

Nessa altura não chegou a cruzar-se com ele. Só se conheceram na idade adulta, no tal baile da gala da Ordem de Malta, em Lisboa?

Conhecemo-nos nesse jantar.

Foi amor à primeira vista?

Não. Eu vivia em Londres, ele vivia em França mas trabalhava muito com países africanos e viajava imenso para essas zonas. O Charles-Philippe tem formação militar, esteve no exército francês 15 anos. Mantivemo-nos em contacto. Depois fomo-nos encontrando em Londres e em Paris. Foi assim que nos fomos descobrindo.

Foi educada para ser duquesa?

Fui educada como qualquer outra criança do meu meio social. Mas como o pai sabia que seria a herdeira do título, preparou-me para ter sensibilidade para a nossa História, para o que representávamos, para o conhecimento e valorização do nosso património. Foi-me preparando para a função e para os deveres que mais tarde teria de assumir.

Que deveres, que funções são essas?

Manter todo o património que herdámos, sobretudo o palácio Cadaval - o ninho da família há mais de 600 anos -, preservá-lo e divulgá-lo. A igreja esteve fechada 120 anos ao público. Não fazia sentido. É linda. C'est un petit bijou. Há 100 anos era impossível a uma família como a nossa abrir os seus espaços. Hoje, quem quiser pode entrar no palácio, visitar os salões, a igreja. No século XXI não temos outras opções. É uma casa com muitas despesas. Quando acabamos um restauro numa ponta é necessário iniciá-lo noutra. A nossa geração precisa de encontrar maneiras rentáveis de preservar o seu património. Até abrimos um restaurante no jardim.

Teve uma infância com muitas regras?

Foi muito formal, mas também muito preenchida e feliz. As outras crianças quando saíam da escola iam brincar, eu acompanhava os pais em atos oficiais, comemorações ligadas a D. Nuno, atividades em Évora. Ensinaram-me desde pequena a saber comportar-me em público, a conhecer o protocolo.

Quem a ensinava?
A mãe e o pai.

Era uma menina obediente, bem comportada. Nem quando chegou à adolescência quebrou a louça?

Não. (risos) Embora tivesse esse lado de maior formalismo, tinha também uns pais muito liberais. Tive uma grande liberdade. Sempre pude fazer o que queria. Nunca tive necessidade de revolta. O pai era uma pessoa muito aberta de espírito, muito excêntrica e adorava a juventude.

Trazia os amigos para casa?

Sim, e o pai, em vez de se afastar, convivia com eles. Apesar de ter sido um pai tardio, tinha uma cabeça muito fresca e jovem.

Casou com um príncipe francês. No seu casamento, em Évora, estiveram representantes de várias famílias reais. Lembra-se quem foram as mais importantes?


Veio o irmão do rei de Marrocos, o atual conde de Paris, a infanta Pilar, irmã do rei de Espanha, com os seus filhos, a família real búlgara. Foi Dom Duarte quem me levou ao altar em substituição de meu pai, pois é ele o meu padrinho de batismo. Também esteve a irmã da condessa de Paris, a princesa Teresa d'Orleans de Bragança, entre muitos outros.

Se a monarquia fosse restaurada em França, o seu marido teria pretensões ao trono?


Está na lista. Não me pergunte em que lugar, mas está.

Que idade tinha quando os seus pais decidiram voltar para Portugal?


Tinha nove anos. Os pais inscreveram-me na Escola Americana. Sempre vivemos entre Paris, Nova Iorque e a Suíça. Viemos para o Estoril. Como o pai era muito excêntrico e moderno decidiu construir uma casa de estilo contemporâneo, avant garde. Escolheu um arquiteto americano. A decoração foi feita por Jacques Granje, que decorou as casas do Yves Saint Laurent e que tem uma casa na Comporta.

Vive nesta casa enorme onde nos encontramos?

Não. Esta é a casa da mãe. Como o terreno é muito grande - tem três hectares - nós ocupamos outra casa. De resto, vivemos grande parte do tempo em Évora. Sou responsável, com a mãe, pelo Festival de Música Clássica e pela parte cultural do palácio. Recuperámos apenas uma das alas para viver.

O festival que se realiza nos jardins do seu palácio existe há quantos anos?


Há 16. Quando a mãe começou com o projeto de música foi um acontecimento importante para a cidade. Havia pouca atividade cultural. A mãe achou fundamental, tanto para o palácio, onde se tinham feito grandes recuperações, como para a cidade, existir uma atividade cultural. O nosso diretor artístico é o Alan Weber. Viaja pelo mundo e descobre vozes raras e traz a Évora vozes de todo o mundo.

Quando é que começou a ajudar a sua mãe na organização?


Há seis ou sete anos. Estive fora durante muitos anos, fiz a universidade em Paris, onde me formei em Relações Internacionais, vivi e trabalhei em Londres, na leiloeira Christie's. Era o braço-direito do presidente, no Reino Unido.

O que fazia?

Trabalhando com o chairman, lidava com os clientes mais importantes. Organizava eventos para apresentar as obras. Tinha a responsabilidade de supervisionar as transações. Apresentava e explicava um pouco aquilo que estava à venda. No início fiz um estágio de seis meses no departamento de avaliações, o que foi muito interessante.

Faz entrevistas para a "Caras". Como se vê nesse papel?

Vieram ter comigo e propuseram-me a ideia. Adoro conversar, conhecer pessoas novas, de diferentes meios sociais e viajar. Para aceitar o desafio coloquei como exigência entrevistar só quem eu quero, como eu quero e quando eu quero. Foi aceite.

Além de apoiar a sua mãe e das entrevistas, tem algum emprego?


Vou fazendo diversas coisas. Escrevo. Trato da parte cultural do palácio. Participo na organização dos eventos que lá se realizam e também colaboro no escritório em Lisboa, que gere o património da Casa Cadaval. Temos muita cortiça e gado. Eu e a minha irmã Alexandra temos a obrigação de preservar - e se possível ampliar - aquilo que herdámos. Somos apenas mais uma geração Cadaval.

A sua mãe foi modelo e ficou amiga de várias figuras da moda internacional...


A mãe sempre esteve ligada ao mundo da moda. Fez diversas produções para a "Vogue" americana e outras grandes publicações da altura. Seria hoje o equivalente a uma grande manequim da alta-costura. As revistas escolhiam as senhoras bonitas da alta sociedade, e escolheram a mãe diversas vezes.

Para que casas?

Para a Givenchy, Balenciaga, Chanel, Yves Saint Laurent. Hoje o Hubert de Givenchy ainda é um dos seus grandes amigos. Ela conviveu imenso com o Valentino e com o Laurent.

Também entrou nesse universo?


A mãe recebia-os muito em casa, ia com frequência a eventos de moda e por vezes levava-nos. Teve lojas de moda em Nova Iorque. Foi a mãe que levou para o mercado americano o Giorgio Armani. Ninguém conhecia aquele pequeno costureiro italiano. A mãe achou que havia ali algo de novo, de inovador. Também foi a mãe que trouxe para Portugal o Yves Saint Laurent e o Valentino.

Escolheu Carolina Herrera para fazer o seu vestido de noiva.


A Carolina e o seu marido, Renaldo Herrera, são grandes amigos da mãe. Foi a minha primeira escolha. Fui a Nova Iorque três vezes para a prova do vestido. A sua equipa foi fantástica. A Carolina só não veio ao casamento porque a filha se casava no mesmo dia. O manto era lindíssimo, tinha bordado as armas de Cadaval. A ideia era eu entrar na catedral como duquesa, tirar o manto, ficar com a flor de liz que tinha no vestido, e sair como princesa d'Orleans.

Pelo que diz, e pelo que se lê de si, a sua vida é um autêntico conto de fadas. Casou com um príncipe, foi pedida em casamento no deserto. Mais romântico não podia ser.


É verdade. O pedido de casamento foi uma viagem surpresa que o Charles-Philippe organizou para os meus anos. Fomos para o Egito. Pediu-me em casamento ao pôr-do-sol, em pleno deserto. Foi super-romântico.

Sente-se uma privilegiada?
Sou uma privilegiada pela vida que tenho, pelas coisas que faço, pela liberdade de poder escolher aquilo que quero fazer. Isso é um grande luxo.

Foi com o casamento que passou a dedicar-se ao trabalho humanitário?


Desde pequenina, e isso também o devo ao sistema americano onde estudei, fui ensinada nesse sentido. Fui presidente do centro de serviço comunitário na Escola Americana. Com o Charles-Philippe descobri projetos e missões de outra dimensão. Já estivemos na Etiópia com as Nações Unidas, num acampamento de refugiados onde havia um grave problema com a água. Quando regressámos tivemos um jantar onde falei sobre o trabalho que tínhamos feito e os problemas que subsistiam. Uma das pessoas interessou-se, era um suíço, e um mês depois já tínhamos as verbas necessárias para fazer a distribuição da água. Mudou-se a vida de 60 mil refugiados. Estivemos também no Camboja com uma equipa de médicos franceses. Fui responsável pela distribuição de medicamentos. Só para ter uma ideia, o dentista arrancava 170 dentes por dia.

Tem alguma nova missão prevista?


Ainda não sei o que virá. Mas já estivemos também na Sérvia e no Egito. Hoje dedico-me à Ordem de Malta em Portugal e ajudo um padre em Évora que apoia mais de 100 crianças.

Nessas viagens encontrou uma realidade muito diferente da sua. Foi um choque?
Qualquer missão é dura e difícil. Quando entro no avião sei que estou a deixar para trás todo o conforto que conheço e que vou encontrar um universo diferente do meu. Temos que ser muito pragmáticos. Durante as missões não telefono a ninguém. É como se cumprisse serviço militar.

Não se sente impotente?

Milagres não se fazem. Para nos defendermos e não nos sentirmos frustrados não se pode pensar que se consegue tirar todas as crianças da rua, das lixeiras e levá-las para a escola.

Aparece muito nas revistas cor de rosa, não só cá como no estrangeiro. Como é que lida com essa exposição?

Não ligo nenhuma.

Não?!


Sabe, aprendi desde pequenina a conviver e a lidar com a imprensa. Aceito alguns pedidos, dou algumas entrevistas, apareço em alguns eventos. Mas depois não digo "acabei de dar uma entrevista para a 'Point de Vue', para a 'La Espanhola' e para a belga 'Royalty' ou para a 'Caras'". Possuo esse lado glamoroso, mas depois tenho uma vida como qualquer outra mulher. Vou ao hipermercado quando é necessário.

Gosta de cozinhar?

Adoro a vida que há à volta da cozinha. Gosto de lá estar, ir recebendo os amigos, falando com eles. Herdei o gosto pelo universo da cozinha da mãe, que gosta de cozinhar, receber e ensinar as receitas que sabe às nossas equipas.

Dizem que se for preciso fica satisfeita com uma fatia de piza.

É verdade. Como fiz a escola no sistema americano gosto da comida deles, ou seja, piza, hambúrgueres, junk food. Sou uma pessoa muito simples. (risos)

Tão simples que nos recebe em casa de pés descalços.

As pessoas é que criam ideias sobre os outros. Dizem: "ai a princesa, ai a duquesa", sou muito natural no dia-a-dia.

Como é que as pessoas a tratam?


Sempre me trataram por duquesa, mas desde que casei chamam-me princesa. Princesa Diana. E gosto que me tratem assim. É um mimo.

Vivemos numa República. Faz sentido tratarem-na assim?

Faz parte de quem eu sou. Fui educada assim. O meu nome também tem ajudado nos projetos humanitários, dá-lhes visibilidade.

Casou com um príncipe francês. Quais são as suas funções oficiais?


Tenho diversos compromissos no estrangeiro, atividades de caridade e convívios com várias famílias reais.

Divide-se entre Paris, Évora e o Estoril. Como é viver entre três mundos tão diferentes?


Viajo desde pequena. É o meu estilo de vida. Nasci na Suíça, a minha irmã nasceu em Nova Iorque, vivemos em Paris, o pai regressou... sempre me habituei a ter a vida na mala.

A passagem do título para si não foi pacífica. Tem duas irmãs do primeiro casamento do seu pai e a mais velha reclamava o título. Foi um assunto que alimentou a imprensa e as conversas de salão.

A história é simples: tenho duas meias-irmãs mais velhas, do primeiro casamento do pai, feito pelo civil, dado que a senhora já era casada. Quando o pai conheceu a mãe, casou pela igreja. Em termos de títulos, os casamentos que são válidos, reconhecidos, são os que se fazem pela igreja. Para o pai, nunca houve dúvidas. Sou a filha mais velha de um casamento religioso e por isso tenho direito natural ao título.

Mas em 1995 o seu pai chegou a ameaçar deserdar as filhas com o argumento de 'indignidade sucessória'...


Repita. Foi? Devia ser muito nova. Se isso aconteceu deve ter sido em relação às minhas duas meias-irmãs. Não me lembro desse assunto. O pai era uma pessoa muito generosa, deu casas, bens, mas a dada altura houve uns problemas entre o pai e essas duas filhas, que tiveram comportamentos muito feios com ele.

Fala com as suas duas meias-irmãs?

Não. Parece que ambas as partes tinham argumentos jurídicos válidos. Dado que o primeiro casamento da primeira mulher do seu pai foi anulado... Houve uma confusão. A Roseline, é assim que se chama, quis o título, meteu advogados e os pais fizeram o mesmo.

Porque é que para si fazia sentido herdar o título de duquesa de Cadaval, quando podia herdar outros - mais antigos e por isso mais importantes -, como marquês de Ferreira, conde de Tentúgal?

Era importante ser o chefe de família da Casa de Cadaval. Nas outras gerações, já são 11, todos herdaram, com o título, os títulos de marquês de Ferreira e conde de Tentúgal. Vinha tudo junto. Nunca em tantos séculos isto aconteceu, nem se pegou numa casa e se dividiram os títulos.

Toda esta polémica fez com que Duarte de Bragança extinguisse o Conselho de Nobreza, o organismo que confirmava e validava os títulos.

Sei que foi extinto, mas não sei se foi por esse motivo.

É verdade que em família chegou a um acordo com a sua irmã mais velha e decidiram que os descendentes titulares serão os seus sobrinhos, ou seja, os filhos da sua irmã?

Aonde é que ouviu isso? Estou a descobrir muita coisa consigo. Muita coisa. Que loucura! De maneira alguma. Deve ser uma piada. Se ler a resposta que o senhor Dom Duarte deu na 'Point de Vieu' verá que ele responde, preto no branco, que a situação está resolvida. Na altura dos filhos se verá, mas segundo ele deverão ser os meus. O que faz todo o sentido. Não estamos a inventar nada, seguimos uma tradição secular. Sou oficialmente a duquesa de Cadaval, a chefe da família, ponto final.

Esta questão dos títulos beliscou a sua relação com os duques de Bragança?

Não. O senhor Dom Duarte foi meu padrinho de batismo, de casamento, acompanhou-me sempre. Tenho um grande respeito por ele.

Vive num meio muito privilegiado? Tem noção do país real, das dificuldades das pessoas, da falta de emprego?

Tenho essa noção. Portugal vive num estado dramático. A percentagem do desemprego é elevadíssima. Faço parte daquela geração que teve vidas fantásticas, graças ao crédito e à possibilidade de arranjar emprego. As gerações anteriores tiveram uma vida bem mais difícil. Mas agora, devido à situação económica, há famílias que não podem pagar os créditos. Surgem os novos pobres, bem vestidos, bem arranjados, mas a quem o dinheiro não chega para pagar todos os compromissos. Não existem pobres só nos países africanos, também existem cá.

Sabe qual é o ordenado mínimo nacional?

450 euros. Admiro as pessoas que conseguem sobreviver com isso.

As revistas cor de rosa perguntam-lhe quando é que tem filhos. Não lhe faço essa maldade. Mas gostaria de saber quantos quer ter.


Desde que venham com saúde, fico feliz com os que vierem.

Vai educá-los como príncipes?


Serão principezinhos! Quero que sejam crianças felizes, mas cientes dos seus compromissos.

Quando vai às compras perde-se em quê?


Adoro sapatos, vestidos, joias. Não faço das compras um passeio. Quando vou às compras já sei onde quero ir.

Faz as compras em Lisboa ou no estrangeiro?

Olhe, sou como Maria Pia. Vou muito às compras a Paris.



Publicada na Revista Única do expresso de 14 de Agosto de 2010

http://aeiou.expresso.pt/diana-de-cadaval-gosto-que-me-chamem-princesa=f599797


Entrevista de Cândida Santos Silva (http://www.expresso.pt/)
12:23 Quinta feira, 19 de Agosto de 2010

Fotografias: José Ventura


NÃO É OLHAR PARA TRÁS, É ANDAR PARA A FRENTE!

É impossível saber quantos são os portugueses que defendem a restauração da monarquia, mas a verdade é que os ideais monárquicos têm vindo a ganhar visibilidade, quer na Internet quer em acções de rua. Dizem que, por precisar do apoio dos partidos políticos, o Presidente da República nunca pode ser completamente independente, e defendem que o rei não só é o representante natural e de todos os portugueses, mas também um garante da unidade nacional e da estabilidade do País. Num momento de crise - não só económica mas, sobretudo, de valores - os ideais monárquicos podem ganhar cada vez mais terreno. No dia 5 de Outubro, um grupo de monárquicos vai reunir-se em Guimarães para uma declaração de lealdade a D. Duarte.

No telemóvel de Hélio Loureiro está a imagem da bandeira azul e branca, símbolo da monarquia portuguesa. O chef do Porto Palácio Hotel, conhecido por ser também o responsável pelas refeições da selecção nacional de futebol ou pelas receitas económicas que aconselha na televisão, preparou as ementas da apresentação de Afonso, o primeiro filho de D. Duarte, e do baptizado de Dinis, o filho mais novo. Podia ter sido só trabalho, mas foi mais do que isso. Hélio Loureiro usa o brasão da Casa Real na lapela e não esconde as suas ideias: "Sou monárquico convicto, não por tradição familiar mas pela certeza de que a restauração monárquica traria uma nova esperança para Portugal."

Descobriu-se monárquico aos 15 anos. "A minha geração é muito politizada, a conversa à mesa do jantar passava sempre pela política, o meu irmão era da esquerda radical. A mim não me deu para isso", recorda. Leu o Capital, de Marx, os pensamentos de Engels, o Livro Vermelho de Mao, mas depois continuou as leituras até encontrar resposta para as suas dúvidas políticas. Foi através de Gonçalo Ribeiro Telles que chegou ao pensamento monárquico, num momento em que dizer em Portugal que se defendia a monarquia era quase o mesmo do que defender o fascismo. Nada que o intimidasse: "Ser católico dá trabalho. Ser muçulmano dá trabalho. Ser judeu dá trabalho. Ser monárquico dá trabalho. Quando se é alguma coisa na vida é preciso trabalho. O mais fácil é não ser nada e não tomar posição, dizer que não se sabe. Quando se toma posição tem de se ter os pés bem assentes na terra e saber o que estamos a dizer. Com consciência." E que implica uma acção pública, como diz Hélio Loureiro: "Faz parte da minha missão enquanto português mostrar que há outro regime para além deste, que há outra verdade para além desta verdade, que isto não é o fim de uma etapa de Portugal, se calhar é uma transição."

Por tudo isto, a sua ausência será notada. Hélio Loureiro não vai estar esta terça-feira em Guimarães na declaração de lealdade a D. Duarte. "Gostaria muito de ir, mas marquei férias para esta semana. Não queria estar em Portugal nesta altura. Para não me enervar." Afinal, não deve ser fácil para alguém que defende profunda e publicamente a monarquia estar rodeado de celebrações do centenário da República - celebrar o quê?, perguntam os monárquicos, o regicídio?, a mudança de regime contra a vontade do povo português?, uma primeira República caótica, com retrocessos nos direitos fundamentais?, a ditadura que se lhe seguiu?, o PREC? Celebrar o quê? Este é o primeiro argumento de quem defende a monarquia: os monárquicos não falam da implantação da República mas antes da sua "imposição", contestam a legitimidade do novo regime e não perdoam a tirania.

"Sempre associei a monarquia à liberdade, devido à história não só do nosso país mas dos outros países da Europa. Na Alemanha e Espanha, as ditaduras aconteceram após o fim da monarquia", explica João Braga, 65 anos, monárquico desde sempre. "Era muito miúdo e lembro-me de chorar a ouvir, na rádio, a cerimónia do enterro da rainha D. Amélia", recorda. A influência da família foi determinante mas, apaixonado por história, o fadista aprofundou o tema e tornou-se um dos principais rostos da defesa da monarquia - "Existe aquele cliché: eu sou monárquico porque sou português. Não é que os republicanos sejam menos patriotas do que os monárquicos. Mas, quando Portugal foi grande, como nós entendemos uma nação grande, foi durante a monarquia. Portugal nunca foi tão pequeno como está ser nestes cem anos de república."

Isto é algo que preocupa Mariana Filippe, que herdou do pai o gosto pela pintura e a lealdade ao rei. Uma dos nove filhos de João D. Filipe, pintor especialista em arte sacra, lembra-se de como, lá em casa, as conversas sobre política eram também conversas sobre a responsabilidade social e os valores que regem a nossa vida. "Comecei a pensar no que é que significa ser português e como é que nos revemos no país onde vivemos", conta na sua voz pausada e tímida. Quando tinha 16 anos, a idade do "despertar da consciência política", já era claro na sua cabeça que não se identificava com o regime republicano nem com a figura do presidente. "Aos 18 anos entrei para a Real Associação e comecei a estar mais envolvida. Depois escolheram-me como representante da juventude na direcção. É a minha forma de participação cívica."

No atelier que partilha com o pai, mesmo em frente à Faculdade de Belas Artes, em Lisboa, onde já se licenciou em pintura e espera em breve começar o mestrado, Mariana, 22 anos, passa o tempo em tentativas e erros pintando retratos. "A arte figurativa está muito malvista nos dias de hoje, mas eu não me importo. É um desafio enorme. E gosto de retratar momentos de pausa, de reflexão, quase de suspensão do tempo, contrariando a agitação do quotidiano", explica, entre sorrisos. Na política, como na arte, Mariana não se importa de ir contra a corrente. "Quando digo que sou monárquica, algumas pessoas desatam a rir. Mas ficam curiosas. E já aconteceu, em conversas, despertar o interesse de alguns amigos. Pô-los a pensar." Não anda a tentar convencer ninguém, mas tem as suas explicações: "O rei é o símbolo de união, representa todo o País, enquanto o presidente só representa aqueles que votaram nele. Além de desagregação, isto provoca uma enorme instabilidade."

Este é outro argumento para defender a monarquia: "Dizer que qualquer pessoa pode ser presidente da República é uma utopia. Estão a enganar-nos. Para se ser presidente tem de se ter o apoio de um partido e, logo, não se é independente. O presidente, por muito que queira, nunca está acima dos interesses partidários. Já com um rei isso não aconteceria", afirma Francisco Franco de Sousa, de 22 anos, que, com o amigo Pedro Rodrigues Castro, está empenhado em animar o núcleo monárquico de Cascais. "Ser preparado desde o berço para a função faz toda a diferença", acrescenta João Braga, que não esconde a sua admiração "pelo sacrifício que implica a dedicação à causa monárquica, há um dramatismo na sina de quem nasce para esta função. Não é um privilégio, é uma missão." Uma missão para a vida inteira e que se prolonga nos seus filhos. "Isto é um garante da estabilidade, sabemos que o País não vai mudar o rumo de cinco em cinco anos, mesmo que mude o Governo, porque há algo que se mantém", acrescenta Mariana Filippe.

Se há assim tantas vantagens, por que motivo não há mais monárquicos (pelo menos a assumirem publicamente as suas convicções)? "As pessoas continuam a achar que os monárquicos têm grandes bigodes e anel no dedo. Ou que são todos duques e barões. Há um estigma. É um preconceito que temos de mudar e cabe aos jovens fazê-lo", afirma Pedro Castro. E são cada vez mais os jovens interessados pela causa monárquica, garantem. No ano passado, um grupo de monárquicos ligados ao blogue 31 da Armada - entre os quais Rodrigo Moita Deus, Henrique Burnay e Nuno Miguel Guedes - subiu à varanda do edifício da Câmara Municipal de Lisboa e hasteou a bandeira monárquica. Colocado online, o vídeo da "Restauração da Monarquia" causou enorme polémica e algum mal-estar entre os republicanos, mas teve o mérito de pôr toda a gente a falar do assunto. "Nas semanas seguintes houve imensas bandeiras hasteadas pelo País e até no estrangeiro", conta Pedro. "Isto prova que existe muita gente descontente com o regime e que está disponível para agir."

"Se esta celebração do centenário serve para alguma coisa, é também para pôr as pessoas a falar da monarquia", diz Francisco. E a verdade é que, no último ano, os monárquicos têm estado cada vez mais visíveis. Já não se reúnem só no tradicional jantar dos Conjurados, a 30 de Novembro. Hoje mesmo, um grupo vai sair para as ruas de Lisboa em mais uma "arruada monárquica", exibindo T-shirts azuis onde se lê "Eu quero um rei. E tu?", agitando bandeiras, distribuindo folhetos, gritando "O rei é fixe, a república que se lixe." David Garcia, 31 anos, é um dos que habitualmente participam nestas arruadas. "Acho que tem de haver uma maior abertura, uma aproximação à população", defende, acrescentando: "Muita gente pensa que ser monárquico é pertencer a uma família rica e ser conservador ou de extrema-direita não é nada disso", diz David, que não cresceu num meio monárquico nem pertence a qualquer elite. "Não tenho nenhuma tradição na família, sou um monárquico de consciência."

Foi em 1995, quando assistiu ao casamento de D. Duarte com D. Isabel de Herédia, que se fez um clique na sua cabeça de 16 anos. "Fiquei muito interessado em perceber quem era este homem e comecei a estudar não só a nossa história como as outras monarquias que existem na Europa." Foi o princípio de um caminho que o levou a ler livros como O Passado de Portugal no Seu Futuro, de Manuela Gonzaga, e a tirar o curso de História da Arte. Em 1999, associou-se à Real Associação de Lisboa. "Foi então que comecei a doutrinar-me, a perceber o vazio da República e a rever-me no princípio político defendido por D. Duarte", conta. Além disso, "basta olhar para o nosso país hoje para percebermos que algo está mal", diz. Ou como afirma Mariana Filippe: "Cada vez mais as pessoas estão descontentes e desanimadas. É nestes momentos que mais precisamos de um rei."

Mais um argumento para defender a monarquia: os países europeus que vivem neste regime (Reino Unido, Suécia, Dinamarca, Luxemburgo, Noruega, Espanha) parecem ter uma sociedade muito mais estável e harmoniosa e estar mais preparados para enfrentar a crise - se não em termos económicos, pelo menos em termos anímicos. A auto-estima de um povo e o "sentimento de pertença a uma comunidade que tem no representante histórico um garante da estabilidade" podem ser determinantes para a evolução d e um país, dizem os monárquicos.

"Claro que não iríamos ter uma monarquia absoluta, todas as monarquias actuais são democracias onde os ideais da igualdade, liberdade e fraternidade estão muito mais presentes, talvez, do que na nossa república", diz David Garcia. Ou, nas palavras de Hélio Loureiro: "Incutiram-nos a ideia de que os reis são uma coisa medieval e que eram todos tiranos. Tem-se a ideia de que a monarquia é uma coisa de direita quando o pensamento monárquico é mais à esquerda do que o pensamento republicano. Quando se descobre petróleo na Noruega, enriquecem todos, não só alguns. Por isso, quando as pessoas são questionadas seriamente sobre isto acabam por perceber. Não é voltar atrás, é andar para a frente."

Nas arruadas, distribuindo folhetos e respondendo às perguntas dos transeuntes, David sente que está a cumprir a sua missão: "Vamos para a rua para dar alguma esperança aos portugueses, dizer-lhe que há um outro caminho e que Portugal tem muita potencialidade." Da mesma forma, há quatro anos, decidiu iniciar um blogue a que chamou Projecto Democracia & Rei, onde publica notícias, vídeos, textos seus e de outros defendendo os ideais monárquicos. Mais recente, a página no Facebook já tem mais de mil membros. E este apenas um dos muitos sites e blogues associados à causa, desde as páginas oficiais da Casa Real ou da reais associações, passando por blogues simpatizantes - como o 31 da Armada (embora tenha também uma "ala marimbista"), o Pensar Portugal (de Ricardo d'Abranches), o Grupo dos Amigos de Olivença, o Livre e Leal (de Luís Aguiar Santos), o blogue de Pedro Quartin Graça, o Movimento 1128, e muitos outros. "Hoje é muito mais fácil encontrar outras pessoas que pensam como nós", reconhece David Garcia. É mais fácil comunicar, organizar acções e passar a mensagem. "Na Internet usamos uma linguagem simples, apelativa, moderna", explica. "Mostramos que a monarquia não tem nada a ver com privilégios."

É comum falar da despesa e do fausto associados às casas reais, mas os monárquicos alegam que a maioria das monarquias custa menos que a nossa república: "Nem que seja porque não teríamos de pagar as reformas e os privilégios dos anteriores presidentes", argumenta Pedro Castro. "As famílias reais têm o seu património. Dom Duarte não recebe qualquer pensão do Estado", explica Hélio Loureiro. E não há ilusões quanto a cortes e a bailes. "Todos os Estados têm as suas elites e as suas despesas de representação. A república também tem uma elite económica, social, cultural", explica Francisco Franco de Sousa.

Essa é também uma das lutas da duquesa Diana de Cadaval. "Ter um título significa, antes demais, ser portuguesa e honrar a tradição. A minha missão é inspirar-me no passado da minha família para tentar fazer melhor na construção do meu presente", diz a duquesa, que é uma das figuras da nobreza portuguesa mais populares, sobretudo desde que se casou com o príncipe Charles Philippe. As fotografias da família são publicadas nas revistas cor-de-rosa ao lados das imagens das famílias reais europeias. Mas Diana de Cadaval insiste em dizer, em todas as entrevistas, que é uma mulher como as outras. "Sou uma mulher que trabalha e que, como tantas outras, luta pelos seus objectivos. Tenho muitos projectos e faço por realizá-los o melhor que sei e posso. Temos uma vida cheia - de preocupações mas também de pequenos prazeres. Não temos preconceitos, por isso tento tirar o maior proveito de uma ida ao mercado como de umas horas de jardinagem ou de um baile em que encontramos os nossos primos, duques, príncipes, reis..." Autora do livro Eu, Maria Pia e colaboradora da revista Caras, Diana de Cadaval recusa-se a ser meramente duquesa. Mas não esconde uma esperança: "Acredito que o povo é soberano, e respeito a vontade da maioria, assim ela tenha oportunidade de manifestar. Estamos numa democracia, não estamos? Então ao povo português deve lhe ser dada a oportunidade de escolher."

Fonte: DN

Publicada por Real Associação Beira Litoral


http://realbeiralitoral.blogspot.com/2010/10/nao-e-olhar-para-tras-e-andar-para.html