Sunday, 25 July 2010

MIRA AMARAL: PRECISAMOS DO EURO COMO DO PÃO PARA A BOCA

Mira Amaral

“Precisamos do euro como de pão para a boca”

Mafalda de Avelar

DIÁRIO ECONÓMICO

25/07/10 08:53

Para Mira Amaral, ex-ministro da Indústria e Energia, hoje presidente do BIC, Portugal tem que estar na Europa e nos emergentes.

"Nós temos que fazer duas coisas: ficar ligados ao euro para termos estabilidade cambial e credibilidade financeira e manter uma ligação aos mercados emergentes para que a economia real possa crescer".

Estes são os dois eixos que Mira Amaral, ex-ministro da Indústria e Energia ( 87-95) e actualmente presidente do Banco BIC , defende em entrevista ao Económico. A entrevista ocorreu aquando do lançamento da sua nova obra "E depois da Crise?" (Bnomics). E agora? Saiba o que vem ai!

Quais as origens desta crise financeira?

As origens da crise financeira já têm alguns anos, começam com os desequilíbrios macroeconómicos em que há países como a China, o Japão e a Alemanha que têm claramente excedentes comerciais muito elevados; a eles juntam-se os países com receitas petrolífera, que também geraram excedentes muito elevados, e depois há países como os Estados Unidos que têm défices. Esses excedentes foram financiar os défices americanos através do sistema financeiro. O sistema financeiro, liderado pelos americanos, passou a ser desregulado sem controlo do Estado. E como havia liquidez abundante, isto deu uma sensação de facilidade, de imunidade ao risco, que criou empréstimos fáceis. Portanto aquilo que é chamado de "a crise do subprime", que é o segmento baixo do mercado imobiliário americano, apenas foi o detonador desta crise. Os desequilíbrios macroeconómicos à escala global e a ausência da gestão do risco e da regulação do sistema financeiro é que criaram a crise.

Na Europa será que também podemos falar de desequilíbrios, por exemplo, entre Portugal e Alemanha, e do impacto que têm no euro e na política monetária...?

É evidente que em termos mundiais aquilo que se passa entre a China e os Estados Unidos, com a China com elevados excedentes comerciais e os Estados Unidos com elevados défices comerciais, passa-se na zona euro entre uma Alemanha claramente com excedentes e países como Portugal, Espanha e a Grécia com défices comerciais assinaláveis.

Como é que vamos sair "desta" sabendo que não somos nós que temos poder sobre a política monetária?

Nós Portugueses não saímos da crise mundial, nós portugueses temos que esperar que os chineses, os americanos e a União Europeia se entendam e consigam relançar a economia mundial - que de certa forma é o que estão a tentar fazer. Agora nós portugueses não vamos sair da crise por uma razão muito simples: é que antes desta crise financeira já estávamos numa crise estrutural. Tivemos uma década perdida desde dos governos de Guterres, Barroso e Santana Lopes e portanto a actual crise financeira veio apenas acelerar, agravar e tornar mais evidentes as debilidades estruturais que o País já tinha. Acabada a crise financeira mundial vamos voltar a ficar confrontados com a crise estrutural.

Prevejo em Portugal uns anos muito difíceis de ajustamento económico muito forte, lento e doloroso. E para conseguirmos ultrapassar este ajustamento muito doloroso, lento e difícil precisamos claramente de liderança política. Se nós não tivermos liderança política clara a corajosa tenho muitas dúvidas que o País consiga sair da crise estrutural em que está há muitos anos sem grandes convulsões sociais e sem o desemprego aumentar ainda de forma mais dramática e portanto com grandes problemas sociais.

Uma palavra para os alarmistas que crêem que Portugal poderá ter que sair do euro?

Eu não diria isso mas tenho alguma autoridade moral porque há cinco anos escrevi um artigo no Jornal de Negócios que se chamava "O tango Argentino e o fado Lusitano", em que eu comparava o risco de Portugal da zona euro aquilo que aconteceu com a Argentina quando teve que se desligar do dólar.

E portanto há esse risco mas espero bem que o Programa de Estabilidade e Crescimento que o Governo está a implementar e o acordo político responsável entre os três partidos - CDS, PSD e PS - permita que Portugal não tenha um cenário desses. Um cenário desses seria dramático para Portugal! Se saíssemos do euro, considero que em termos económicos ficaríamos pior que a Tunísia e Marrocos e portanto esse cenário não resolvia nada. Transformava-nos mais num País não Europeu ou num País, como já lhe chamei, "a submergir". E portanto espero que exista bom senso da classe política - através de uma acordo de regime entre os três partidos - e que existam políticas económico - financeiras corajosas para darmos a volta. Se isso acontecer, diria que não há qualquer hipótese de sairmos do euro. Se isso não acontecer, não é a Alemanha que nos vai expulsar do euro, são as próprias tendências populistas que se podem gerar em Portugal que nos podem levar a que queiramos sair do euro.

Que papel é que poderão ter Angola e o Brasil neste "dar a volta por cima"?

Nós temos que fazer duas coisas: ficar ligados ao euro para termos estabilidade cambial e credibilidade financeira; e de uma ligação aos mercados emergentes para que a economia real possa crescer. Portanto nós precisamos do euro como pão para a boca para termos esse selo de qualidade nos mercados financeiros internacionais. Mas também é bom termos consciência que não é através do espaço europeu que vamos ter crescimento da economia real. Para isso precisamos muitos dos países emergentes, designadamente daqueles do eixo atlântico mais ligados a Portugal - como o Brasil e Angola.

De forma sumária: precisamos portanto destes dois eixos: 1) de uma ligação à Europa para a credibilidade financeira e cambial; e, 2) de uma ligação aos mercados não comunitários para que a economia real possa crescer.


No comments: