Alberto Barros, um dos precursores da procriação medicamente assistida em Portugal, e director de uma das maiores clínicas do sector, fala de "embriões abandonados" e reclama "um destino mais útil e digno do que estarem a 196 graus negativos no azoto líquido". Para isso, é preciso que a lei seja clarificada, diz.
Os números são fornecidos pelo presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução, Calhaz Jorge, que refere que, em 18 clínicas privadas e nove centros públicos de procriação medicamente assistida do país, há pelo menos 11.092 embriões criopreservados, números da última contagem, feita em final de 2009. "São o resultado de muitos anos de prática clínica. Estes têm que ter um destino. Não podem acumular-se eternamente", reclama também.
Os embriões foram congelados por reunirem boas condições para dar origem a novas gravidezes, mas não chegaram a ser precisos pelo casal. Um número não contabilizado tem menos de três anos e ainda pode ser usado pelo casal. Resultam da aplicação de duas técnicas usadas para ajudar casais inférteis - que, em Portugal, se estima serem cerca de 500 mil - a conceber: a fertilização in vitro ou a microinjecção intracitoplasmática de espermatozóides. Esta consiste na introdução de um espermatozóide em cada ovócito para permitir a fertilização.
Deliberação não é lei
A lei que regula o sector é de 2006, embora os primeiros tratamentos datem de 1985, mas só desde 2008 é que existem formulários de consentimento para que os casais escolham o que querem que façam aos seus embriões passados os três anos. Podem doá-los a casais inférteis ou para a investigação. O problema, dizem muitos centros, é que a lei é omissa quanto à terceira hipótese, a destruição.
O Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida pede, desde 2009, ao Parlamento que altere a lei, sublinha o seu presidente, o magistrado Eurico Reis. Enquanto isso, o conselho emitiu uma deliberação, na tentativa de clarificar a situação. Aí se diz que, na carta enviada aos casais que não assinaram consentimentos informados, "a falta de resposta será entendida como uma não oposição à eliminação".
Mas uma deliberação não tem força de lei, admite o juiz, e há directores de centros "que têm medo de ser responsabilizados judicialmente [pela destruição]". Por isso, eternizam a congelação. O conselho esteve no Parlamento, no mês passado, de novo a pedir clarificação da lei. "O problema é premente". O conselho propõe que, aos três anos iniciais, o casal possa ter mais três para usar os embriões. Findos os seis anos, poderão ser destruídos, o que incluiria mesmo situações em que houve autorização para doação a outros casais e para a investigação que nunca se concretizaram.
"Lamento, como médico, que nada tenha sido feito", desabafa Alberto Barros. "É desconfortável ver embriões com dez, 12 anos". Mas diz: "Sinto que devo ser prudente e não fazer nada que não esteja previsto na lei". Resultado: na sua clínica, no Porto, tem 1147 embriões à espera de destino. A maioria tem menos de três anos, mas os mais antigos são de 1998.
"Casais em parte incerta"
A maioria dos embriões é anterior à existência dos consentimentos informados. O médico explica que tem tentado contactar os casais para lhes pedir uma autorização escrita que permita a destruição. Em média, cada casal terá cerca de três embriões congelados, o que significa que estarão em causa cerca de 380 casais. "Já me aconteceu ligar para casais que ficam surpreendidos quando são informados que têm embriões congelados. É absurdo, mas acontece. São embriões abandonados", afirma.
Depois "há casais que estão em parte incerta, porque não actualizaram os seus contactos". Embora esteja previsto um valor para a congelação, "a maior parte não paga, nem aparece". As pessoas que aparecem para autorizar a doação ou a destruição "são uma minoria".
Além "do plano médico e éticofilosófico", há questões práticas de ocupação de espaço e "de gastos de manutenção". Os embriões estão em azoto líquido que tem que ser comprado semanalmente, informa.Calhaz Jorge, também director da unidade de reprodução do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, tem uma experiência semelhante e o mesmo problema entre mãos. Concorda que, para os casais que não escolhem nenhum dos destinos, "não há clarificação sobre o que fazer" e a responsabilidade fica com os directores. Nem todos os casais respondem após os três anos e "há casais que conseguem esquecer que ficaram com embriões". Dos que respondem, uma pequena percentagem quer tentar nova gravidez. "É mais fácil a indefinição".
Mas há centros que têm um entendimento diferente da lei. António Pereira Coelho, director da Clifer, em Lisboa, e outros dos pioneiros da área em Portugal, diz que nunca sentiu "nenhum constrangimento" e que, mesmo antes de a lei existir, destrói embriões, considerando que o mais importante "é o acordo entre as pessoas. As condições de base são aceites pelo casal por escrito".
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