Monday, 4 October 2010

D. MANUEL II, O ÚLTIMO REI DE PORTUGAL

«Era uma vez um príncipe que não pensava ser rei» mas que a tragédia levou ao trono e que a propaganda republicana fez um «fraco, mal preparado, beato e dominado pela mãe».

«Não sei escrever história com veneno mas com tinta», disse D. Manuel a António Ferro, o jornalista que o entrevistou no exílio, para o Diário de Notícias, em 1930. No centenário da República parece-nos justo fazer história «com tinta» e recordar o último rei de Portugal e «um dos mais eruditos».

Pelas três horas da manhã do dia 15 de Novembro de 1889, nasceu Manuel Maria Filipe Carlos Amélio Luís Miguel Rafael Gonzaga Xavier Francisco de Assis Eugénio de Bragança Orléans Sabóia e Saxe-Coburgo-Gotha, duque de Beja. Na manhã seguinte, em Lisboa, uma salva de 21 tiros anunciou a boa nova à população, o governo chefiado por José Luciano de Castro decretou três dias de gala e iluminações. Por essa altura fica a saber-se da queda do regime imperial e da proclamação da República no Brasil.

No mesmo ano, no mesmo mês, o governo britânico dá o primeiro passo para um Ultimatum que chega em Janeiro de 1890 e que acabará por contribuir decisivamente para o aumento da agitação e propaganda republicanas.

D. Manuel teve uma educação convencional e influenciada, é consensual, pela profunda religiosidade da mãe. Em Maio de 1899, D. Manuel faz a primeira comunhão e inicia uma prática religiosa assídua e piedosa que mantém até ao fim da vida.

Uma vida inevitavelmente marcada por um acontecimento, a morte do pai e do irmão diante dos seus olhos. Na primeira pessoa: «Chegámos ao Terreiro do Paço. Na estação estava muita gente da Corte e mesmo sem ser. Conversei primeiro com o Ministro de Guerra, Vasconcelos Porto, talvez o ministro de quem eu mais gostava no Ministério de João Franco. Disse-me que estava tudo bem. Esperámos muito tempo; finalmente chegou o barco em que vinham meus pais e o meu irmão. Abracei-os e viemos seguindo até à porta onde entrámos para a carruagem os quatro. No fundo a minha adorada Mãe dando a esquerda a meu pobre Pai. O meu chorado Irmão diante do meu Pai e eu diante da minha Mãe». E prossegue, «Quando de repente já na rua do Arsenal olhei para o meu queridíssimo irmão vi-O caído para o lado direito com uma ferida enorme na face esquerda de onde o sangue jorrava como de uma fonte! Tirei um lenço da algibeira para ver se lhe estancava o sangue: mas que podia eu fazer? O lenço ficou logo como uma esponja».

Rei inesperado

Logo nessa noite, a 1 de Fevereiro de 1908, assinava o seu primeiro documento como rei, «Portugueses! Um abominável atentado veio oprimir com a maior amargura o meu coração de filho amantíssimo e de irmão extremoso e enlutar a Família Real...»

Os tempos que se seguiram foram igualmente difíceis. A instabilidade governativa e a crise do regime foram a combinação explosiva que acabaria por rebentar nas mãos do jovem monarca, que uma vaga ideia de uma «monarquia nova» e uma «benévola expectativa» não foram suficientes, porque para se voltar ao tempo de Fontes... faltava um Fontes, e «aqueles a quem o rei decepcionava ameaçavam logo com revoluções».

Ainda que os republicamos se preocupassem com a divulgação das suas ideias - a acção divulgadora do Partido Republicano Português (PRP) fez-se através dos muitos jornais que dominava e na organização de grandes manifestações populares, comícios, festas, marchas de protesto, a verdade é que para a maioria ser republicano era estar contra a Monarquia, contra a Igreja e os Jesuítas e contra a corrupção política dos partidos tradicionais. A propaganda republicana sobe de tom nos jornais e na rua e dentro do PRP o sector revolucionário não se cansa de defender a luta armada para tomar o poder.

E o ataque final ao regime, depois de algumas tentativas denunciadas, começa nos primeiros dias de Outubro. No dia 3, o Governo, e mais uma vez, é informado que se prepara um golpe. Teixeira de Sousa dá ordens para que as tropas da Guarnição de Lisboa permaneçam nos quartéis.

Duas notícias vieram precipitar os acontecimentos: o assassinato de Miguel Bombarda e a provável saída dos navios do Tejo - a acção dos marinheiros será decisiva no golpe. Os chefes e militares republicanos reuniram-se de emergência num terceiro andar do nº. 106, da Rua da Esperança. Cândido do Reis é peremptório: «A Revolução não será adiada»; por essa altura também Machado do Santos e alguns Carbonários, iniciavam, por sua conta e risco, a revolução.

O rei jogava bridge no Paço das Necessidades quando se ouviu o primeiro tiro de canhão, dirigiu-se ao telefone, mas a linhas já estavam cortadas; D. Manuel ainda consegue comunicar com D. Amélia que está em Sintra, na Pena. Pouco depois chegam ao Paço as tropas para vêm defender o rei.

Na manhã do dia seguinte, cerca das nove horas, o primeiro-ministro pede ao Rei para que deixe as Necessidades e se refugie em Sintra ou Mafra, mas D. Manuel II recusa. «Vão vocês, se quiserem, eu fico. Desde que a Constituição não me marca outro papel, senão o de me deixar matar, cumpri-lo-ei». Ao meio-dia, o Palácio é bombardeado a partir dos cruzadores Adamastor e São Rafael. O Rei desce para o Jardim da Rainha e refugia-se numa pequena casa do parque.

Passadas algumas horas, o monarca acaba por deixar o Paço, cedendo à pressão do governo que lhe pede para libertar as tropas que o defendiam e que são necessárias no Rossio e na Rotunda para combater os revoltosos; e aos apelos da mãe que não estava disposta a perder o filho que lhe resta. Pensa-se que terão sido os apelos de D. Amélia que dissuadiram o monarca de vestir o uniforme militar e a colocar-se à frente das tropas.

O Rei deixa o poder

O Rei sai das Necessidades pela duas da tarde, do dia 4. D. Manuel chega a Mafra sem problemas, mas aí descobre que não tem quem o proteja. Ao final da tarde chegam também a Mafra a rainha D. Amélia e a sogra, a Rainha D. Maria Pia.

Em Lisboa, no dia 5 de Outubro, um cessar-fogo inesperado provocado pelo encarregado de negócios alemão, precipita os acontecimentos e, na prática, denuncia as fragilidades militares das forças fiéis ao regime. Paiva Couceiro é, por esta altura, uma figura quase quixotesca. Machado do Santos desce da Rotunda ao Rossio, com uma turba de populares gritando «vivas à República!», e dirige-se ao quartel-general da Monarquia onde consegue a rendição. Pouco depois, a República é proclamada no edifício da Câmara Municipal.

Em Mafra, após uma notícia difícil e sem notícias, o monarca desperta para um país onde se espalham telegramas que anunciam um novo regime e uma nova bandeira. Sem alternativa, o rei parte de Mafra para a Ericeira onde já está fundeado o iate D. Amélia, que viera de Cascais onde recolheu infante D. Afonso.

A bordo, o Rei retirou-se para o camarote e numa folha com timbre do iate real escreveu ao presidente do Conselho do seu Governo: «(...) Tenho a convicção de ter sempre cumprido o meu dever de Rei em todas as circunstâncias e de ter posto o meu coração e a minha vida ao serviço do meu País. Espero que ele, convicto dos meus direitos e da minha dedicação, o saberá reconhecer! Viva Portugal! 5 de Outubro de 1910». A Carta demorou meses e meses para ser conhecida, e foi uma cópia.

Inicialmente o Rei ainda pensou seguir para o Porto e aí reunir-se com os apoiantes do regime, mas perante a incerteza e aconselhado a salvar a família real, dirigiu-se para Gibraltar. A rainha D. Amélia soluçava e dizia, profética: «Do exílio não se volta!»

D. Manuel II, «o beneditino de Twickenham»

No exílio em Inglaterra, na casa de Fulwell Park, o rei dedica grande parte do seu tempo à sua paixão pelos livros e pela história

«D. Manuel fingia viver em Inglaterra mas que continuava, de facto, a ser rei na nossa maior possessão: na saudade», escreve António Ferro, que entrevistou o rei no exílio, em 1930. A entrevistada foi publicada no «Diário de Notícias» e colheu, em Portugal, reacções favoráveis e de apreço. Ferro, seria um dos portugueses que se deslocou a Twickenham, para o funeral do D. Manuel, dois anos depois, em Julho de 1932, quando um edema da glote sufoca o rei e lhe causa a morte, aos 42 anos.

No dia 5 de Outubro, a República chega ao país e o rei abandona, para exílio, nesse mesmo dia, a bordo do iate D. Amélia, e chega a Gibraltar no dia 7, onde fica até meados de Outubro. A 16 de Outubro, a Rainha D. Maria Pia decide regressar a Itália e o Rei e restante comitiva seguem a bordo do Victoria and Albert, navio da coroa britânica, para Inglaterra.

Em Inglaterra, o rei passa a viver no Palácio de Woodnorton, propriedade do seu tio, o duque de Orleans, pretendente ao trono francês, também ele no exílio. Nos primeiros tempos recebe a visita, a título particular dos monarcas ingleses Jorge V e a rainha Mary, frequenta religiosamente a igreja todos os domingos, leva uma vida social discreta mas de acordo com o seu estatuto, no entanto, o rei mantém-se apreensivo.

Problemas financeiros

A sua situação financeira do rei exilado é precária. O governo republicano decreta o banimento da família de Bragança até «ao quarto-grau», ramo miguelista incluído, e declara os palácios reais «como propriedade nacional pertencendo ao povo português». O Rei intercede para que a Casa de Bragança lhe seja devolvida. Mas em Portugal os bens são arrolados para pagarem as dívidas dos «adiantamentos» à casa real.

Em Janeiro de 1911, é concedida ao rei, pelo governo republicano, uma pensão mensal de 110 libras, com retroactivos a Outubro e Dezembro de 1910, também por essa altura lhe é entregue a Casa de Bragança e alguns bens do rei seguem para Inglaterra.

Ainda com uma situação financeira débil, o rei opta por viver em Richmond, na casa Abercorn, uma casa de dois pisos, com uma grande sala circular na entrada e uma boa biblioteca. E nessa casa que D. Manuel vive, com a mãe, até ao casamento, rodeado por duas grandes paixões, a música ¿ Bach, Haendel, Beethoven ou Mozart, e os livros.

A primeira passagem de ano no exílio ainda acontece em Woodnorton. Nessa noite, D. Manuel recorda, saudoso: «A esta hora, faz hoje um ano estava eu no trono do Paço da Ajuda, e um rebanho de pessoas beijava-me as mãos com protestos de fidelidade e lealdade! Tudo muda, tudo passa»

Em Richmond, a antigo monarca foi recebido com estima e simpatia. Winston Churchill, à época ministro do Interior, tornou-se um dos melhores amigos de D. Manuel, e apesar do que os separava, não deixou de considerar o ex-rei português como um rapaz encantador, muito inteligente, de fortes convicções e cheio de vida e espírito apesar da sua triste condição.

Ainda em casa do tio, o rei tem notícias das malogradas incursões no norte do país de Paiva Couceiro. O «Times» publica que o monarca está por detrás destas acções e que devia ser expulso do país. O rei faz publicar uma «Declaração» onde clarifica a sua posição.

Em Abril de 1912, o rei a conselho do médico vai passar uns dias à Suiça, para descansar. No regresso a Inglaterra, D. Manuel visita o primo, o príncipe Guilherme de Hohenzollern, e conhece D. Augusta Vitória. «Minha prima, bonita, muito fina, muito elegante e agradável», escreve o numa carta ao marquês do Lavradio.

O casamento

Casa-se a 4 de Setembro de 1913 com a elegante e agradável prima, e arruma um caso da juventude com a actriz Gaby Deslys. Assistiram ao casamento os principais elementos da nobreza, representantes das principais casas reinantes e Eduardo, o príncipe de Gales, em representação do pai Jorge V.

D. Manuel ofereceu à noiva «um soberbo diadema dos joalheiros Leitão» e D. Amélia um lindo colar antigo cheio de «muitas e comoventes recordações».

O casal régio segue em lua-de-mel para Munique e daí continuaria para a Floresta Negra, mas D. Augusta Vitória fica doente e é internada numa clínica. De Munique, o casal regressa a Inglaterra a uma nova casa em Fulwell Park.

Uma casa construída no século XVII, uma mansão com bastantes quartos, seis salas de recepção, quatro casas de banho e uma extensa galeria bem iluminada, a divisão preferida da casa, para D. Manuel, era a biblioteca, dominada por um retrato de D. Carlos sobre a lareira.


A vida social do casal era intensa, recendo visitas das mais destacadas figuras da sociedade britânica e da própria família real, e frequentando destacados membros da aristocracia. Aos domingos, frequentemente, almoçavam em Buckingham com o rei Jorge e a rainha Mary.

Forte actividade social

Uma actividade social intensa mas os dias muito preenchidos. Levanta-se cedo, trabalha com a secretária-bibliotecária até à hora do almoço, Miss Margery Withers. Quando ela saía, pelas quatro da tarde, D. Manuel prosseguia o trabalho, por vezes, até as primeiras horas da madrugada. O resultado: um assinalável trabalho bibliográfico, literário e histórico. «Os livros são amigos silenciosos e fiéis junto dos quais se aprende a lição da vida», escreve D. Manuel.

Nos anos que se seguiram à Grande Guerra a vida social do rei foi tornando-se mais calma e deixa-lhe mais tempo para se dedicar à sua colecção de livros, incunábulos e manuscritos antigos portugueses, também porque «não há nada que me distraia da minha paixão pela história. A nossa história é a nossa riqueza, o nosso maior território», diz D. Manuel na entrevista a António Ferro.

«A História de Portugal de Herculano é bastante boa, mas incompleta. A de Pinheiro Chagas é apenas uma excelente História da vulgarização, de feitio popular. A de Oliveira Martins, um admirável panfleto mas, por vezes, revoltante¿», prossegue o rei, que conclui: «Não sei escrever história com veneno mas com tinta»

Nesta entrevista, António Ferro questiona-o: «Alguns monárquicos acusam-no de não querer ser rei, de querer ser, eternamente, um rei de exílio», ao que D. Manuel responde, «o rei, até quando não é rei, tem sempre as costas largas».

Porque D. Manuel nunca deixou de estar atento a tudo o que se passava no país e até a um eventual regresso, sublinhando que nunca poria em causa o seu juramento à Carta Constitucional e à religião católica.

Trabalho bibliográfico

Em 1922, no 2º. Congresso Nacional Católico, onde participa António de Oliveira Salazar, ficaria definitivamente estabelecida a independência política dos católicos, dos partidos e da Monarquia. Perdem os monarcas um velho aliado, uma contrariedade D. Manuel, que também nunca conseguir, apesar de tentados esforços, funcionar como elemento aglutinador da Causa Monárquica, onde diversas tendências se debatiam aguçadas pelas exigências de D. Miguel II e dos miguelistas.

D. Manuel concentra-se no seu trabalho bibliográfico e histórico. O primeiro objectivo das suas investigações seria escrever uma monografia sobre o reinado de D. Manuel I, o Venturoso.
Há uma ligeira mudanças de planos e em 1929, sai o primeiro volume de Livros Antigos Portuguezes 1489-1600, da Bibliotheca de Sua Majestade Fidelíssima Descriptos por S.M. El-Rei D. Manuel em três Volumes.

O primeiro volume dos Livros Antigos Portugueses, escrito em português e inglês, tem «além dos dois preciosos manuscritos, o "de Bello Septensi" por Mateus de Pisano e o Livro de Horas da Infanta Dona Isabel, Duquesa de Borgonha e filha de D. João I, cinco incunábalos e trinta e três livros impressos em Portugal até 1539».

Em 1932, a casa de Fulwell Park é assaltada. Quadros, objectos, jóias e documentos foram levados pelos ladrões. D. Manuel lamentou seriamente o roubo, numa carta ao marquês de Lavradio escreve: «É uma lástima! Quando já se perdeu muito como eu, infelizmente sente-se, ainda mais, uma perda como esta».

Mas pouco tempo depois, nesse ano, é publicado o II volume dos Livros Antigos Portugueses, a doença, o trabalho e crescentes dificuldades financeiras deixam o Rei exausto.

A 30 de Junho, o Rei entrega um exemplar do livro que acabara de sair à sua secretária e bibliotecária e assim D. Manuel ... uma das suas derradeiras assinaturas.

A morte do rei

A 1 de Julho, D. Manuel foi a Wimbledon assistir a um jogo de ténis, à saída sente-se mal da garganta; de regresso a Fulwell Park sente-se pior, manda chamar o seu médico. Lord Dawson proíbe-o de sair de casa no dia seguinte. Não sai mas sente-se cada fez pior. Vai a Londres consultar um especialista que, depois de o observar, o mandou recolher à cama.

D. Manuel voltou a casa, a situação é cada vez mais aflitiva, sufoca. Foi chamado um médico local que foi incapaz de fazer uma operação muito simples: abrir exteriormente a garganta, eu teria salvo o rei. D. Manuel pede um tubo de borracha e por gestos indica que lhe abram as janelas. Um edema da glote estrangulava-o. Morre a 2 de Julho de 1932.

No dia seguinte os jornais portugueses anunciavam a morte de «D. Manuel de Bragança, ex-rei de Portugal» e referiam-se a ele em termos elogiosos.

As exéquias religiosas do rei têm lugar na Catedral de Westminster com a presença dos inúmeros amigos portugueses, reis e representantes das casas reais europeias, membros do governo britânico, embaixadores de Portugal, Brasil e França, Afonso XIII, ex-rei de Espanha, também no exílio e o Duque de Gloucester, também em representação do pai, Jorge V.

A 10 de Julho, o governo português, numa nota, anuncia a iniciativa de transladar o corpo do «último rei de Portugal» para Portugal.

Os restos mortais de D. Manuel chegam a Lisboa a 3 de Agosto. Nas cerimónias oficiais estiveram presentes o presidente da República, general Óscar Carmona, o cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Gonçalves Cerejeira, o presidente do Conselho Oliveira Salazar e inúmeras personalidades.

Os restos mortais do «mais erudito de todos os reis portugueses» estão no Panteão dos Braganças, no Mosteiro de S. Vicente de Fora.



CORREIO DA MANHÃ

Ana Maria Simões 04- 10- 2010

Saturday, 2 October 2010

VEM AÍ O CHOQUE SALARIAL

Crise

Governo abre a porta a choque salarial na economia

Sócrates disse ontem que a actualização do salário mínimo dever ser "adaptada às condições exigentes da economia". Teixeira dos Santos defende que é preciso liberalizar a formação de salários em Portugal
O Primeiro-Ministro José Sócrates anunciou a subida do IVA para 23%, o corte de 5% nos salários da função pública, uma reforma no IMI - Imposto Municipal sobre Imóveis -, entre outras medidas de austeridade. David Clifford 1/1 + fotogalería .Está aberta a porta a um choque salarial de grande magnitude na economia portuguesa - no sector público e no privado -, tal como recomendam o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económicos (OCDE).

Os sindicatos lamentam profundamente este tipo de propostas. O governo quer abrir caminho a um corte de salários generalizado no universo público, medida que poderá ser reivindicada por patrões do privado desconfortáveis com o custo das suas folhas salariais, temem.

O executivo já anunciou que pretende reduzir os salários da função pública em 2011 mas, para que a medida tenha o máximo alcance, terá de mexer no Código do Trabalho (CT). Só assim abrangerá o maior número de funcionários possível. Os patrões do privado dizem que mexer no CT não é uma prioridade, mas admitem que baixar salários é necessário. "Empresas de mão de obra intensiva e mais expostas à concorrência externa podem necessitar de algum ajustamento salarial em baixa", disse ao i, António Saraiva, presidente da Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), ressalvando que "falar em alterar o CT sem explorar as suas potencialidades é abrir uma caixa de Pandora". Arménio Carlos, da CGTP, considera a ideia "totalmente irresponsável e perigosa face às necessidades da economia" e nem quer acreditar que tal proposta possa existir.

Na quinta-feira, em Bruxelas, o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, deu as primeiras pistas nesse sentido, reagindo aos pedidos de mais reformas no mercado de trabalho por parte do Eurogrupo (que reúne os ministros das Finanças do euro): "Creio que temos de incluir elementos de maior descentralização no processo de formação dos salários, permitindo aí um elemento de flexibilidade adicional. E quando se fala em reforma do mercado laboral é mais essa a preocupação e isto atenta a evolução dos custos unitários do trabalho na nossa economia, nos últimos anos."

O Eurogrupo elogiou o terceiro plano de austeridade português, mas avisou que Portugal precisa de mais "reformas estruturais ambiciosas que aumentem o potencial de crescimento, focando-se em remover as rigidezes no mercado de trabalho e na formação de salários e em aumentar a produtividade".

O i soube junto de fontes governamentais que a questão referida por Teixeira dos Santos está directamente relacionada com a Lei laboral e com os problemas de sectores exportadores que reclamam menores custos salariais para competir no mercado global.

De acordo com a edição online do "Jornal de Negócios", "a Lei do Orçamento do Estado para 2011 vai incluir uma norma destinada a derrogar o princípio geral do Código do Trabalho segundo o qual não é permitido ao empregador diminuir a retribuição". Para já são os salários públicos que estão na mira das Finanças. Mas aqui, uma redução geral de ordenados públicos encontra-se parcialmente vedada pelo actual Código do Trabalho, mas instituições como o FMI e a OCDE (ver ao lado) dizem que o país precisa de desvalorizar os ordenados, e que só assim é que a economia se torna produtiva, competitiva e forte a prazo.

O governo pode cortar os salários dos seus funcionários efectivos, os que estão no quadro, mas não pode aplicar essa medida aos empregados de empresas públicas, institutos e reguladores, como o Banco de Portugal ou CMVM, por exemplo, onde existem muitos contratos individuais de trabalho (a modalidade mais comum no privado). Estes contratos encontram-se protegidos pela lei geral do trabalho contra a redução de salários.

José Sócrates e o ministro das Finanças revelaram que pretendem reduzir a massa salarial da função pública em 5% no próximo ano. Para tal, os salários superiores a 1500 euros sofrerão cortes entre 3,5% a 10%. Para além destes, existem os contratados. Só na Educação haverá mais de 24 mil nesta situação (professores, por exemplo), dizem os sindicatos. Contudo, estes contratos individuais encontram-se protegidos pela lei geral do trabalho. Para contornar esse obstáculo, o governo precisa de fazer ajustamentos de forma a reduzir os salários dos trabalhadores que estão fora do contrato de trabalho em funções públicas, ou seja, os que trabalham para o Estado, mas não são funcionários públicos de direito próprio.


I ONLINE 2-20-2010

http://www.ionline.pt/conteudo/81404-governo-abre-porta-choque-salarial-na-economia

CASAMENTO DE CARLOS E DIANA FOI FACHADA?

Casamento de Carlos e Diana foi "fachada"

O príncipe Carlos é gay, garante a revista 'Globe' acrescentando que Camilla Parker Bowles "está disposta a contar toda a verdade sobre o marido".

Segundo a publicação, o príncipe manteve nos últimos 30 anos várias relações extraconjugais e envolveu-se com, pelo menos, três amantes secretos. Mais, o casamento de Carlos e Diana "foi de fachada", servindo apenas para esconder a homossexualidade do príncipe e "fazer capas".

A revista já saiu para as bancas há dois dias mas o Palácio de Buckingham ainda não reagiu.

CORREIO DA MANHÃ VIDAS 2-10-2010

Casamento de Carlos e Diana foi "fachada"

Friday, 1 October 2010

CENTRO CHAMPALIMAUD


Doação

Centro foi o último legado de Champalimaud

por FRANCISCO MANGAS

Construiu um império industrial que o 25 de Abril nacionaliza. Do exílio, no Brasil, retoma a actividade e refaz a imensa fortuna: deixa uma surpresa no seu testamento.

Só permitiu que a notícia fosse revelada após a sua morte. Segredo de muitos milhões de euros: parte da sua vasta fortuna destinava-se a criar uma fundação dedicada à investigação em saúde. O industrial "austero", amigo de Salazar, apoiante do ELP (Exército de Libertação Português) e de outras forças da contra-revolução no Verão Quente de 1975, doa ao Portugal democrático uma instituição única no País.

Nos últimos anos de vida, António Champalimaud desenhou em segredo com o advogado Proença de Carvalho, o homem que preparou a sua fuga do País nos distantes anos 60, a futura fundação, que havia de nascer com os nomes dos pais do industrial. "Fez questão de ser esse o nome, eu ainda tentei demover: o nome lógico seria o dele." Mas, como em muitas situações ao longo da sua vida, a decisão era "definitiva" - lembra o advogado, que começou a trabalhar com o industrial quando tinha apenas trinta anos.

E outra surpresa, escolheu a ex--ministra da Saúde Leonor Beleza para lhe dar corpo. Será Beleza que, no próximo dia 5 deste mês, centenário da República, inaugurará, na zona ribeirinha de Lisboa, um núcleo de referência a nível mundial: é o Centro de Investigação para o Desconhecido, onde vão trabalhar cerca de 400 cientistas nas áreas do cancro e das neurociências, mas onde também será feito tratamento oncológico.

A fundação será, por certo, o projecto mais luminoso e consensual do empresário "determinado" e "culto", do homem "austero", mestre na arte de fazer muito dinheiro. Não frequentava os "salões sociais, nem ia aos cocktails das embaixadas", diz Proença de Carvalho. A sua vida, no entanto, teve lados sombrios, fugas do País, desavenças, derrotas. Todavia, ele acabaria por sair por cima. No ano da morte de Champalimaud, 2004, segundo a Forbes, o empresário figurava como o 153.º homem mais rico do mundo - com uma fortuna de 2500 milhões de euros.

Na década de trinta, do século passado, a morte do pai, Carlos Montez Champalimaud, médico e empresário, com quem manteve uma relação tensa, obriga António a trocar os estudos pela gestão dos pouco animadores negócios da família. Quatro anos volvidos, casa com Maria Cristina Mello, filha de Manuel de Mello e neta de Alfredo Silva, fundador da CUF. No ano seguinte, aparece como administrador da empresa Cimentos de Leiria, propriedade do tio Henrique Sommer.

Irreverente, atento à modernidade na indústria, sem medo de competir com empresas estrangeiras. É dos primeiros a defender a entrada de Portugal no Mercado Comum. O prudente presidente de Conselho, Oliveira Salazar, "tinha alguma admiração pela irreverência" de Champalimaud, que estende a sua actividade às colónias portuguesas. A expansão em África, como o próprio refere em carta a Salazar, era concebida de "forma a ter larga projecção dentro duma política de atracção e fixação de maiores contingentes europeus".

Com o beneplácito do ditador, muitos dos projectos de António Champalimaud concretizam-se. O seu império ganha forma, cresce durante o Estado Novo. Com Marcelo Caetano as coisas foram um pouco diferentes. E pior ainda, diria o industrial, foi Abril de 1974: o Governo de Vasco Gonçalves nacionalizou-lhe as fábricas, a seguradora, o banco. Conspira com Spínola e outros homens da contra-revolução. Sem grande êxito. Ou, pelo menos, Portugal jamais voltaria ao seu 24 de Abril. Parte para o Brasil e, em duas décadas, o industrial "arguto", em duas décadas, levanta de novo o império.

Era amigo de Salazar ou, pelo menos, as relações com o ditador surgiam cordiais. Ele era "irreverente", mas em sintonia com o regime. Mesmo assim, a Pide abriu--lhe ficha . O "austero" Champalimaud, fora do mundo dos negócios, mostrava o seu "sentido de humor", "tinha coração e sentimentos". Algum do seu tempo livre aplicava-o a dar caça às perdizes nas suas herdades alentejanas.

O nome do que foi o homem mais rico em Portugal não se assimilava à primeira. A própria polícia política - a Pide - , na ficha que abre sobre o industrial identifica--o como "Chapelemant". Devido aos desentendimentos com os irmãos, agravada com o tumultuoso processo da herança Sommer, o nome, por artes de um trocadilho, servia para distinguir os dois ramos desavindos. Ele era o "Champalimau"; os outros: os "Champalibons".

Um ano antes da Revolução de Abril, Champalimaud era o rei do aço e do cimento, tinha uma seguradora e um banco. Em 1987, zangou-se com Cavaco por este, com maioria absoluta, não entregar a administração das empresas aos antigos donos. Foi, no entanto, um Governo do actual presidente da República que negociou indemnização ao industrial pelas nacionalizações. Com o dinheiro, do Brasil, em 1994, dá ordem a um dos filhos para comprar o Banco Pinto & Souto Mayor, que fora seu. "Em sentimento, nunca abandonei o País", referiu ao DN em 1995. "Quis amealhar os recursos necessários para poder voltar e investir."

DIÁRIO DE NOTÍCIAS 1-10-2010

A LEI DA IDENTIDADE DO GÉNERO E OS LIMTES DA OMNIPOTÊNCIA DO LEGISLADOR


A Lei de Identidade de Género e os Limites da Omnipotência do Legislador

No momento em que escrevo, está em discussão numa comissão da Assembleia da República o Projecto de Lei nº 319/XI, do Bloco de Esquerda, que «altera o Código de Registo Civil, permitindo a pessoas transexuais a mudança de registo do sexo no assento de nascimento»[1]. De acordo com este Projecto, bastará, para tal mudança, essencialmente, a apresentação de documento médico comprovativo de que a pessoa em causa vive, há pelo menos dois anos, no «sexo social desejado», ou que tenha estado, há pelo menos um ano, em tratamentos hormonais com vista ao ajustamento das suas características físicas às «do sexo em que vive» (artigo 3º). Pretende-se que fiquem essas pessoas dispensadas de (como tem sucedido até aqui) recorrer aos tribunais só quando se tenha concretizado, através de operação cirúrgica, essa mudança de características físicas (com todas as delongas daqui decorrentes) para obter tal mudança de registo[2]. Esta mudança poderá, pois, ser obtida por via administrativa sem que se tenha concretizado qualquer mudança de características físicas.

Com os mesmos objectivos, foi, entretanto, apresentada, pelo Governo, na Assembleia da República a Proposta de Lei nº 37/XI[3], que «cria o procedimento de mudança de sexo e de nome próprio no registo civil e procede à 18º alteração do Código de Registo Civil». Para essa mudança, de acordo com esta Proposta, bastará, essencialmente, a apresentação de «relatório elaborado por equipa clínica multidisciplinar de sexologia clínica, em estabelecimento de saúde público ou privado, nacional ou estrangeiro, que comprove o diagnóstico de perturbação de identidade de género», também designado como transexualidade (artigos 1º, nº 1, e 3º, b)).

Estes dois diplomas seguem a orientação das chamadas “leis de identidade de género”, de que é exemplo a Lei espanhola (Ley nº 3/2007). Este diploma, referido como modelo na exposição de motivos de ambos os diplomas, foi aprovado na sequência e na linha da aprovação da alteração, em 2004, da definição legal de casamento no Código Civil espanhol de modo a nela incluir casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Os passos que os proponentes dos diplomas em causa pretendem seguir são, pois, decalcados, da experiência espanhola.

Além da legislação espanhola, outras têm introduzido esta inovação. Assim, a Transgendergesetz alemã de 2000, o Gender Recognition Act britânico de 2004 e a Lei argentina de 2008. A Lei italiana n. 164, de 14 de Abril de 1982, em vigor (também referida na exposição de motivos da Proposta de Lei em apreço), exige, pelo contrário, uma operação cirúrgica irreversível para que seja admissível a mudança de registo oficial do sexo de uma pessoa.

Numa primeira apreciação, poderá dizer-se que a mudança do registo oficial do sexo de uma pessoa, de modo a corresponder ao seu “sexo social desejado”, nenhuma perturbação causará a outras ou à sociedade em geral. Argumentação semelhante também se ouviu a respeito da discussão sobre a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo (com essa legalização nenhum casal heterossexual ficaria privado de direitos). Nesse caso, porém, estava em causa a definição legal de uma instituição matricial e de referência sem paralelo, com tudo o que isso implica no plano cultural; não pode dizer-se que isso não afectará a sociedade em geral. Neste caso, não está em causa uma instituição com a relevância social do casamento, nem o reconhecimento e protecção desta no plano cultural.

É manifesto o exagero em que incorrem os proponentes de alterações legislativas como esta quando quase parecem sustentar que a mudança do registo oficial do sexo pode condicionar o exercício de direitos como os de acesso à saúde, à habitação ou ao trabalho (a exposição de motivos do Projecto de Lei referido também cai nesse exagero). Quando a ordem jurídica não consagra discriminações em função do sexo, é óbvio que o exercício de algum desses direitos não dependerá nunca de alguma mudança do registo oficial do sexo. O que se verificará é, antes, a perturbação e a humilhação (sim, devemos reconhecê-lo) próprias de quem se vê forçado a, no exercício desses e de outros direitos, evidenciar a desconformidade entre o registo oficial do seu sexo e o seu “sexo social desejado” ou o “sexo em que vive”, para usar as expressões desse Projecto de Lei.

A situação destas pessoas, e o seu sofrimento, não podem deixar de merecer consideração. Mas não me parece que sejam alterações jurídicas como esta que façam desaparecer esse sofrimento. E, sobretudo, não me parece que, para isso, se possa aceitar uma subversão do papel do legislador em relação ao que é a realidade e a verdade das coisas. Sobre a questão da transexualidade em geral, faltam-me os conhecimentos científicos necessários para uma análise aprofundada. Por isso, não me deterei nela. Sobre o papel do legislador, gostaria de tecer algumas considerações um pouco mais desenvolvidas.

Não é por acaso que as leis “de identidade de género” surgem na sequência ou em estreita ligação com a redefinição legal do casamento de modo a nela incluir casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Estamos perante uma agenda de afirmação ideológica. Está em causa a afirmação da chamada ideologia do género (gender theory) e a sua tradução no plano legislativo. O que é, desde logo, questionável é a legitimidade da redução da Lei a instrumento de afirmação ideológica. Estamos perante uma verdadeira “revolução cultural” que vem de cima, das instâncias políticas e legislativas, e não surge espontaneamente da sociedade civil e da mentalidade corrente. Pretende-se transformar através da política e do direito essa mentalidade. Este tipo de objectivo é tendencialmente totalitário E o que está em causa não é um aspecto secundário, mas referências culturais fundamentais relativas à relevância da dualidade sexual.

Em paralelo com estas alterações legislativas assistimos à transformação dos hábitos linguísticos (a lembrar a “novilíngua” de Orwell): em documentos oficiais e no nome de instituições oficiais (como a “Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género”, por exemplo) deixou de falar-se em “igualdade entre homens e mulheres” e passou a falar-se em “igualdade de género”, sem que muitas das pessoas que passaram a usar esta expressão por uma questão de “moda” sequer se apercebam da sua conotação ideológica.

E também o sistema de ensino, como o sistema jurídico, serve de instrumento de afirmação ideológica (também esta uma tendência de tipo totalitário). Assim, por exemplo, a Portaria nº 196-A/2010, de 9 de Abril, que regulamenta a Lei nº 60/2009, de 6 de Agosto, relativa è educação sexual em meio escolar, inclui, entre os conteúdos a abordar neste âmbito e no 2º ciclo (5º e 6º anos) “sexualidade e género”. Em Espanha, a instrumentalização do ensino, através da disciplina de “Educação para a Cidadania”, no sentido da difusão da ideologia de género, que também se seguiu à legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, tem suscitado um vasto movimento de recusa de frequência com invocação da objecção de consciência por parte de muitos encarregados de educação que sentem violados os seus direitos.

Gabriele Kuby exprime deste modo o alcance da transformação de mentalidades em questão: «Porque a palavra cria a realidade, as mudanças sociais caminham sempre a par e passo com a mudança da língua. (…) Existe também um novo termo, útil para extrapolar a sexualidade da polaridade de homem e mulher e para a submeter à livre disponibilidade do indivíduo: o termo é gender. Por ele se entende o sexo “social”, arbitrariamente seleccionável, diferente daquilo que distingue sexualmente o homem da mulher. Num contexto popular a ideia de gender nasceu há pouco tempo e, todavia, representa a ponta de diamante da revolução relativista» [4].

A ideologia do género

Mas detenhamo-nos na análise da definição e fundamentos da ideologia do género[5].

Parte esta teoria da distinção entre sexo e género, a qual se insere na distinção mais ampla entre natureza e cultura. O sexo representa a condição natural e biológica da diferença física entre homem e mulher. O género representa a construção histórico-cultural da identidade masculina e feminina. Retomando a célebre frase de Simone Beauvoir, «uma mulher não nasce mulher, torna-se mulher»; as gender theories consideram que “somos” homens e mulheres na base da dimensão biológica em que nascemos, mas nos “tornamos” homens e mulheres, no sentido em que adquirimos uma identidade masculina ou feminina, na base da nossa percepção psíquica e da nossa vivência interior (do nosso modo pessoal de sentir e viver a identidade pessoal no plano psicológico), por um lado, e na base da socialização (da interiorização dos comportamentos, funções e papeis que a sociedade e cultura a que pertencemos atribui aos homens e às mulheres), por outro lado. O sexo é um fato empírico, real e objectivo, de ordem biológica, genética, anatómica e morfológica, que se nos impõe desde o nascimento. A identidade de género constrói-se através de escolhas psicológicas individuais, expectativas sociais e hábitos culturais e independentemente dos dados naturais. Para estas teorias, o género assim concebido deve sobrepor-se ao sexo assim concebido; a cultura deve sobrepor-se à natureza; a uma perspectiva essencialista deve sobrepor-se uma perspectiva construtivista.

Como o género é uma construção social, este pode ser desconstruído e reconstruído. A diferença sexual entre homem e mulher em sentido natural e imutável está na base da opressão da mulher, relegada para a sua condição de mãe. Para a superar, impõe-se superar o dualismo sexual natural e reconduzir o género à escolha individual. O género não tem de corresponder ao sexo, corresponde a uma escolha subjectiva, ditada por instintos, impulsos, preferências e interesses, que vai para além dos dados naturais e objectivos. Convergem, neste aspecto, as teses do feminismo de género (que sustenta que o fim da opressão feminina supõe a negação da relevância das diferenças naturais entre homem e mulher, designadamente o relevo da maternidade como condição particular da mulher) e as dos movimentos de defesa dos direitos dos homossexuais, e, mais especificamente, em prol da legalização do casamento homossexual e da adopção por pares homossexuais. As gender theories sustentam a irrelevância da diferença sexual na construção da identidade de género, e, por consequência, também a irrelevância dessa diferença na relações interpessoais, nas uniões conjugais e na constituição da família. Como afirma Laura Palazzani, da «diferença sexual passa-se à in-diferença sexual». Se é indiferente a escolha do género a nível individual (pode escolher-se ser homem ou mulher, independentemente dos dados naturais), também é indiferente a escolha de se ligar a pessoas de outro ou do mesmo sexo. Daqui surge a equiparação entre uniões heterossexuais e uniões homossexuais. Ao modelo da família heterossexual, numa perspectiva “essencialista”, sucedem-se vários tipos de “família”, tantos quantas as preferências individuais e para além de qualquer “modelo” de referência. Deixa de se falar em “família” e passa a falar-se em “famílias” (também esta é uma inovação semântica que muitas pessoas passam a adoptar sem se aperceberem da sua conotação ideológica). Privilegiar a união heterossexual é uma forma de discriminação, um heterocentrismo opressor. Deixa de falar-se em “paternidade” e “maternidade” e passa a falar-se em “parentalidade” (mais uma evolução semântica que muitos adoptam sem se aperceberem da sua conotação ideológica).

Das gender theories passa-se às teorias multi-gender, post-gender e transgender Àgéneros, um continuum de identidades em cujos extremos se colocam o masculino e o feminino, o homossexual e o heterossexual, mas onde se inserem também posições intermédias, o bissexual e o transexual, assim como posições oscilantes. O movimento queer representa a ala extrema das gender theories. O seu objectivo á a desconstrução de qualquer normatividade sexual e a construção de um novo paradigma antropológico assente num “polimorfismo sexual” sem restrições. A identidade deve ser construída para além do sexo e do género, como uma subjectividade complexa e múltipla, móvel e indefinível, sem qualquer fixação estática. dualidade sexual (homem e mulher), contrapõe-se uma multiplicidade de

Não irei aqui desenvolver muito a análise da ideologia do género e a sua crítica. Mas a exposição que antecede é suficiente para que se compreenda o alcance ideológico dos diplomas que venho comentando. Quando neles se alude ao “sexo social desejado” e se opta pela prevalência deste sobre o sexo biológico, a opção é ideológica e não puramente “humanitária”, como poderá parecer à primeira vista. Como vimos, é a ideologia de género que sustenta essa prevalência. E também se compreende a ligação entre esta questão e as do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Não é por acaso que surgem, em Portugal como em Espanha, uma na sequência da outra. São, uma e outra, decorrência da ideologia de género. Fazem parte, uma e outra, da chamada “agenda LGBT” (lesbian, gay, bissexual and transgender). É ilusório pensar que se trata apenas do fim de uma discriminação, ou do respeito pelas minorias. É um novo paradigma antropológico que está em jogo e que se quer impor desde cima, desde as instâncias políticas e jurídicas. E também é fácil compreender, a partir desta breve exposição, como esse paradigma choca com o senso comum das nossas sociedades e representa uma verdadeira revolução de mentalidades.

Para além da desconformidade entre o registo oficial do sexo de uma pessoa transexual e o seu sexo biológico, a ideologia de género poderá levar ao registo de uma terceira categoria, de um sexo “não determinado”. Foi o que tentou fazer Norrie May-Welby no Estado australiano de Nova Gales do Sul, quando se considerou incluído (ou incluída) nessa categoria de “sexo não determinado” depois de ter cessado tratamentos hormonais tendentes à “mudança” do seu sexo de nascença[6]. Essa pretensão acabou por ser recusada pelas autoridades governamentais, não sem que essa recusa tenha motivado uma queixa junto da Human Rights Comission por violação do Australian Sex Discrimination Act de 1984.

Laura Palazzani caracteriza deste modo a filosofia gender: «um pensamento antimetafisico, que reduz a natureza a mero facto contingente em sentido materialista e mecanicista (a natureza como matéria orgânica extensa em movimento); um pensamento antropológico empirista que reduz o indivíduo a meros impulsos e instintos (não mediados pela razão, mas directamente ligados à vontade); um pensamento não-cognitivista, que nega a cognoscibilidade através da razão de uma verdade objectiva na natureza (com base na “lei de Hume”, não se pode passar dos factos aos valores e aos direitos); um pensamento subjectivista, que nega uma relevância metafactual da natureza para o ser humano em sentido ético e jurídico, nega, portanto, a relevância normativa da natureza como ordem, radicando os valores e os direitos directamente na vontade individual (determinada pelos instintos e pelos impulsos); um pensamento relativista, que a partir da negação da existência e da cognoscibilidade de uma verdade objectiva na natureza, considera que normas e valores são equivalentes (todos temos a mesma dignidade), são variáveis (de sociedade para sociedade, de época para época, de sujeito para sujeito), não são passíveis de juízos (uma vez que não existe um critério objectivo para poder exprimir um juízo) e, portanto, são e devem ser todos toleráveis (ou seja, pragmaticamente aceitáveis e suportáveis). É esta a moldura teórica pós-moderna que conduz ao afastamento da natureza, ao “desnaturar” ou “desnaturalizar” o homem e as relações intersubjectivas na sociedade»[7].

A resposta à ideologia do género

Uma primeira crítica à ideologia de género situa-se no plano estritamente científico. É ilusória a pretensão de prescindir dos dados biológicos na identificação das diferenças entre homens e mulheres. Essa diferença existe na natureza e não é fruto de arbitrárias construções culturais. As diferenças na estrutura do cérebro entre homens e mulheres remontam às fases de crescimento pré-natal. O sexo biológico não é sequer determinado pelos órgãos externos, mas pela estrutura genética: cada uma das células do corpo humano é masculina (quando contem os cromossomas XY) ou feminina (quando contem os cromossomas XX). Deste modo, não é, em boa verdade, uma qualquer intervenção cirúrgica que pode levar à mudança de sexo de acordo com a vontade da pessoa. Revelaram-se infrutíferas as tentativas de educar as crianças desde o nascimento fora de qualquer distinção de papeis masculinos e femininos, pois essa distinção acabou sempre por, nalguma medida, vir ao de cima espontaneamente e desde tenra idade. E teve resultados desastrosos para a pessoa em causa a tentativa de, em nome das gender theories, “transformar”, através da cirurgia logo após o nascimento e da educação, um rapaz numa rapariga (o famoso caso Brenda-David Reimer, ocorrido no Canadá nos anos sessenta)[8].

A propósito das intervenções cirúrgicas de transformação dos órgãos sexuais externos das pessoas transexuais, que os códigos de deontologia ética passaram a admitir, afirma Elio Sgreccia, contestando essa admissibilidade no plano ético, que, uma vez que a sexualidade tem uma dimensão genética mais profunda do que a dimensão anatómica, essas operações não “mudam” o sexo, não ajustam o sexo ao que é desejado, antes introduzem um novo desfasamento físico entre elementos cromossomáticos e órgãos externos, que, de resto, não cumprem a sua função procriadora, nem uma verdadeira função copulativa, permanecendo próteses artificiais e não órgãos de sentido e de expressão emotiva e funcional. Não se resolvendo desse modo o conflito, os distúrbios no plano psicológico não desaparecem, antes podem ser agravados[9]. Há que considerar que estamos perante mudanças irreversíveis, com tudo o que isso implica. Podemos, assim, concluir que, para ir de encontro aos sofrimentos das pessoas transexuais talvez seja outro o caminho a percorrer, não “contra a natureza”, de ajustamento do físico ao psíquico, mas de ajustamento, por meio da psicoterapia, do psíquico ao físico.

Uma resposta mais aprofundada no plano filosófico exige uma reflexão sobre os conceitos e a relevância de natureza e lei natural. Sobre estes conceitos tem-se debruçado o magistério da Igreja católica e, com alguma insistência, o Papa Bento XVI.

Deve, antes de mais, esclarecer-se que a lei natural não se confunde com a lei biológicafisicismo ou biologismo. Os dados biológicos objectivos contêm um sentido e apontam para um desígnio da criação que a inteligência pode descobrir como algo que a antecede e se lhe impõe, não como algo que se pode manipular arbitrariamente. Mas a lei natural tem uma dimensão metafísica e especificamente humana que não se confunde com a lei biológica. A pessoa humana é um espírito encarnado numa unidade bio-psico-social. A pessoa não é só corpo, mas é também corpo. As suas dimensões corporal e espiritual devem harmonizar-se sem oposição. E assim também as suas dimensões natural e cultural. A cultura vai para além da natureza (também no que se refere às diferenças entre homem e mulher), mas não deve opor-se a ela, como se dela tivesse que libertar-se. e que o relevo que lhe deve ser dado não se confunde com alguma forma de

Uma resposta à ideologia do género consta da Carta aos Bispos da Igreja Católica da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé (de que era então perfeito o cardeal Joseph Ratzinger) Sobre a Colaboração do Homem e da Mulher na Igreja e no Mundo[10]. Aí se afirma, a respeito da tendência que conduz à minimização da diferença corpórea, chamada sexo, ao passo que a dimensão estritamente cultural, chamada género é sublinhada ao máximo e considerada primária: este «obscurecimento da diferença ou dualidade de sexos é grávido de consequências a diversos níveis. Uma tal antropologia, que entendia favorecer perspectivas igualitárias para a mulher, libertando-a de todo o determinismo biológico, acabou de facto por inspirar ideologias que promovem, por exemplo, o questionamento da família, por sua índole natural bi-parental, ou seja, composta de pai e de mãe, a equiparação da homossexualidade à heterossexualidade, um novo modelo de sexualidade polimórfica» (n. 3). A essa perspectiva contrapõe-se a antropologia bíblica:

«A igual dignidade das pessoas realiza-se como complementaridade física, psicológica e ontológica, dando lugar a uma harmoniosa «unidualidade» relacional, que só o pecado e as “estruturas de pecado” inscritas na cultura tornaram potencialmente conflituosa. A antropologia bíblica convida a enfrentar com uma atitude relacional, não concorrente nem de desforra, os problemas que, a nível público ou privado, envolvem a diferença de sexo.

«Há que salientar, por outro lado, a importância e o sentido da diferença dos sexos como realidade profundamente inscrita no homem e na mulher: a sexualidade caracteriza o homem e a mulher, não apenas no plano físico, mas também no psicológico e no espiritual, marcando todas as suas expressões. Não se pode reduzi-la a puro e insignificante dado biológico, mas é uma componente fundamental da personalidade, uma sua maneira de ser, de se manifestar, de comunicar com os outros, de sentir, exprimir e viver o amor humano. Esta capacidade de amar, reflexo e imagem de Deus Amor tem uma sua expressão no carácter esponsal do corpo, em que se inscreve a masculinidade e a feminilidade da pessoa» (n. 8).

Sobre o «significado esponsal do corpo», na sua masculinidade e feminilidade, enquanto vocacionado para o dom conjugal, pronunciou-se aprofundadamente João Paulo II no âmbito do conjunto de ensinamentos conhecido por teologia do corpo[11]. Nesta perspectiva, o corpo humano tem um significado e uma vocação objectivos que a pessoa não pode manipular arbitrariamente.

Sobre a lei natural, a Comissão Teológica Internacional aprovou, em 2008, um documento, Em busca de um ética universal: um novo olhar sobre a lei natural[12]. Aí se tecem algumas considerações oportunas para a análise da questão que nos ocupa:

«O conceito de lei natural supõe a ideia de que a natureza é para o homem portadora de uma mensagem ética e constitui uma norma moral implícita que a razão humana actualiza. A visão do mundo em cujo interior a doutrina da lei natural se desenvolve e encontra ainda hoje o seu sentido implica, por isso, a convicção racional de que existe uma harmonia entre as três substâncias que são Deus, o homem e a natureza. Nessa perspectiva, o mundo é percepcionado como um todo inteligente, unificado pela referência comum dos seres que o compõem a um princípio divino fundador, a um Logos. Para além do Logos impessoal e imanente descoberto pelo estoicismo e pressuposto pelas ciências modernas da natureza, o cristianismo afirma que existe um Logos pessoal, transcendente e criador» (n. 69).

A esta visão da lei natural contrapõe-se aquela segundo a qual «a natureza deixa de ser mestra da vida e da sabedoria para se tornar o lugar onde se afirma a potência prometeica do homem. Esta visão parece dar valor à liberdade humana, mas, de facto, opondo liberdade e natureza, priva a liberdade humana de qualquer norma objectiva para a sua conduta. Esta visão conduz à ideia de uma criação humana de todo arbitrária, ou, melhor, ao puro e simples nihilismo» (n. 22).

A doutrina da lei moral natural não se confunde com alguma forma de “fisicismo”, deve afirmar o «papel central da razão na actuação de um projecto de vida propriamente humano e, ao mesmo tempo, a consistência de um significado próprio dos dinamismos pré-racionais». Assim, por exemplo, «o alto valor espiritual que se manifesta no dom de si no recíproco amor dos esposos está já inscrito na própria natureza do corpo sexuado, que encontra nesta realização espiritual a sua última razão de ser» (n. 79).

Estas considerações revelam bem as diferenças de pressupostos entre a visão da lei natural e a da ideologia de género.

Da lei natural, enquanto norma moral, chega-se ao direito natural, enquanto norma jurídica. A este respeito, afirma ainda o documento da Comissão Teológica Internacional em apreço:

«O direito não é arbitrário: a exigência de justiça, que deriva da lei natural, é anterior à formulação e à emanação do direito. Não é o direito que decide o que é justo. Nem mesmo a política é arbitrária: as normas de justiça não resultam apenas de um contrato estabelecido entre os homens, mas provêm, antes de mais, da própria natureza dos seres humanos. O direito natural é um ancoramento das leis humanas à lei natural. É o horizonte em função do qual o legislador humano deve regular-se quando emana normas na sua missão de serviço ao bem comum. Nesse sentido, ele honra a lei natural, inerente à humanidade do homem. Pelo contrário, quando o direito natural é negado, a simples vontade do legislador faz a lei. Então, o legislador deixa de ser o intérprete daquilo que é justo e bom e passa a atribuir-se a prerrogativa de ser o critério último do justo» (n. 89).

É esta arbitrariedade e esta pretensão de omnipotência do legislador que, como veremos de seguida, os diplomas que vimos analisando, como outros que seguem a mesma opção, parecem revelar.

Sobre estas questões, tem-se debruçado com alguma insistência o Papa Bento XVI, Das suas intervenções mais recentes a este propósito podem destacar-se as seguintes.

No discurso aos participantes no Congresso Internacional sobre Lei Moral Natural promovido pela Pontifícia Universidade Lateranense, de 12 de Fevereiro de 2007[13], afirmou:

O conceito de lei moral natural, enquanto mensagem ética contida no ser, torna-se hoje, para muitos, quase incompreensível por causa de um conceito de natureza já não metafísico, mas apenas empírico. «O facto de a natureza, o próprio ser, já não ser transparente para uma mensagem moral, cria um sentido de desorientação que torna precárias e incertas as escolhas da vida de todos os dias».

(…) «A lei natural é a fonte de onde brotam, juntamente com os direitos fundamentais, também os imperativos éticos que devem ser honrados. Na actual ética e filosofia do Direito, estão largamente difundidos os postulados do positivismo jurídico. A consequência disso é que a legislação se torna muitas vezes apenas um compromisso entre interesses diferentes: procura-se transformar em direitos interesses privados ou desejos que contrariam os deveres decorrentes da responsabilidade social. Nesta situação é oportuno recordar que cada ordenamento jurídico, a nível interno e internacional, retira, em última instância, a sua legitimidade do seu enraizamento na lei natural, na mensagem ética inscrita no próprio ser humano. A lei natural é, em definitivo, o único baluarte válido contra o arbítrio do poder ou os enganos da manipulação ideológica».

Na encíclica Caritas in Veritate[14], afirma também Bento XVI:

«Também a verdade acerca de nós mesmos, da nossa consciência pessoal é-nos primariamente “dada”; com efeito, em qualquer processo cognoscitivo, a verdade não é produzida por nós, mas sempre encontrada ou, melhor, recebida. Tal como o amor, ela não nasce da inteligência, mas de certa forma impõe-se ao ser humano» (n. 34).

«O livro da natureza é uno e indivisível, tanto sobre a vertente do ambiente como sobre a vertente da vida, da sexualidade, da família, das relações sociais, numa palavra, do desenvolvimento humano integral» (n. 51).

«Em nós, a liberdade é originariamente caracterizada pelo nosso ser e pelos seus limites. Ninguém plasma arbitrariamente a própria consciência, mas todos formam a própria personalidade sobre a base de uma natureza que lhe foi dada. Não são apenas as outras pessoas que são indisponíveis, também nós não podemos dispor arbitrariamente de nós mesmos» (n. 68).

No discurso à Assembleia Geral da Conferência Episcopal Italiana, de 27 de Maio de 2010[15], a propósito da problemática actual da educação, afirmou ainda Bento XVI:

«A outra raiz da urgência educativa, vejo-a no cepticismo e no relativismo ou, com palavras mais simples e claras, na exclusão das duas fontes que orientam o caminho humano. A primeira fonte deveria ser a natureza, a segunda a Revelação. Mas a natureza é considerada hoje uma realidade puramente mecânica, que não contém, portanto, em si algum imperativo moral, alguma orientação valorativa. (…) Fundamental é, portanto, reencontrar um conceito verdadeiro de natureza, como criação de Deus que nos fala; o Criador, através do livro da criação, fala-nos e mostra-nos os valores verdadeiros».

Os limites da omnipotência do legislador

É tempo de retomarmos a análise dos diplomas em apreço, relativos à possibilidade de mudança de registo oficial do sexo de uma pessoa contra o sexo biológico e em função do “sexo social desejado”.

Poderá dizer-se que não têm consequências directas danosas e se limitam a satisfazer um desejo compreensível das pessoas transexuais.

Mas é, desde logo, duvidoso que seja desta forma que se resolvem os problemas das pessoas transexuais. A lei criará apenas uma ficção, pretendendo ocultar uma discrepância que não deixará de existir e que, por isso, não deixará de causar os distúrbios que lhe são inerentes.

E, sobretudo, inovações como a que decorre destes diplomas põem em causa princípios fundamentais relativos à função do legislador. São estes princípios, mais do que consequências sociais directas, que estão em jogo.

Inovações como esta estão longe de ser ideologicamente indiferentes ou anódinas. Leis como esta servem um propósito de afirmação ideológica, a afirmação da ideologia de género, inserindo-se num processo mais vasto de revolução de mentalidades que vem de cima e se impõe à mentalidade comum. Admitir que a Lei sirva propósitos destes, numa pretensa engenharia social, revela tendências mais próprias de um Estado totalitário do que de um Estado respeitador da autonomia da sociedade civil.

O que se pretende é a instrumentalização da Lei ao serviço da prevalência da vontade subjectiva sobre a realidade objectiva. Trata-se de fazer prevalecer «como ultima unidade de medida apenas o “eu” e os seus desejos», para usar a expressão com que o cardeal Ratzinger, no discurso de abertura do Conclave de 18 de Abril de 2005, caracterizou aquilo a que chamou a ditadura do relativismo. Dir-se-à que a transexualidade não é uma escolha arbitrária, que é também ela uma realidade psicológica que se impõe à própria pessoa. Poderá ser assim nalguma medida. No entanto, a vontade não deixa de ser determinante na definição do “sexo social desejado” a que os diplomas em apreço dão relevância. E os pressupostos da ideologia de género que lhe estão subjacentes, que sobrepõem o desejo a qualquer forma de heteronomia objectiva, deixam aberta a porta a situações de verdadeira arbitrariedade.

Desta forma o legislador atribui-se uma prerrogativa nova, uma pretensão de omnipotência que derruba uma barreira até aqui intransponível, a barreira da própria realidade objectiva. O legislador constrói uma sua própria realidade contrária à realidade objectiva. E também esta pretensão é reveladora de tendências totalitárias. Como afirmou o Papa Bento XVI num dos discursos acima citados, a «lei natural é, em definitivo, o único baluarte válido contra o arbítrio do poder ou os enganos da manipulação ideológica». Leis que consagram a ideologia de género desprezam por completo qualquer conceito de natureza ou lei natural. Por isso, derrubam a mais potente barreira à omnipotência do legislador, o «único baluarte válido» contra o arbítrio deste.

Vem à mente a este propósito o célebre dito que tradicionalmente se usava para exprimir a extensão dos poderes do Parlamento inglês: «pode fazer tudo excepto transformar um homem numa mulher, ou uma mulher num homem». É claro que num Estado de Direito, nem mesmo um Parlamento democraticamente legitimado, nem mesmo a mais absoluta das maiorias, pode fazer tudo. Está sempre limitado pelo direito natural, donde decorrem, antes de mais, os direitos fundamentais da pessoa humana. Mas agora parece que se pretende que nem sequer a realidade objectiva da diferença sexual biológica sirva de barreira à omnipotência do legislador. Pretende-se que os Parlamentos passem a poder «transformar um homem numa mulher ou uma mulher num homem».

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[1] Acessível em http://www.parlamento.pt/.

[2] Como se refere na exposição de motivos do Projecto, a jurisprudência tem considerado até aqui (designadamente nos acórdãos da Relação de Lisboa de 9 de Novembro de 1993 e de 22 de Junho de 2004 aí citados) que na situação de mudança de características físicas se verifica uma lacuna na legislação em vigor e que, de acordo com as regras de integração de lacunas decorrentes do artigo 10º do Código Civil, essa lacuna deve ser superada através da aplicação da norma que o legislador criaria se considerasse a situação. Essa norma admitiria a mudança de sexo à luz do direito constitucional à identidade pessoal (artigo 26º, nº 1, da Constituição), a qual abrange a identidade sexual.

[3] Acessível em http://www.parlamento.pt/.

[4] Gender Revolution, Ilrelativismo in azione, (tradução italiana), Edizioni Cantagalli, Siena, 2008, p. 27

[5] Ver uma exposição destas teorias, numa perspectiva crítica, em Laura Palazzani, Identità di genere. Dalla differenza alla in-diferenza sessuale nel diritto, Edizioni San Paolo, Cinisella Bálsamo (Milão), 2008, e Giulia Galeotti, Gender Genere, Chi vuole negar ela differenza maschio-femina? L´alleanza tra femminisno e Chiesa cattolica, Edizioni Viverein, Roma, 2009.

[6] Ver Friday Fax, edição on-line, vol. 13, nº 161, Abril de 2010.

[7] Op. cit., p. 44 e 45 (tradução minha).

[8] Ver Laura Palazzani, op. cit., p. 54 a 57, e Giulia Galeotti, p. 31 a 47.

[9] Ver Manual de Bioética, I - Fundamentos e Ética Biomédica, Edições Loyola, São Paulo, 1986 (tradução brasileira da terceira edição italiana), p. 509 a 517.
[10] Acessível em http://www.vatican.va/.

[11] Pode ver-se um resumo destes ensinamentos em Yves Sémen, La sexualité selon Jean Paul II, Presses de la Renaissance, Paris, 2004 (tradução portuguesa da Principia, 2006).

[12] Acessível em http://www.vatican.va/. As citações do texto correspondem à minha tradução da versão italiana.

[13] Acessível em http://www.vatican.va/. As citações do texto correspondem à minha tradução da versão italiana.

[14] Acessível em http://www.vatican.va/

[15] Acessível em http://www.vatican.va/. A citação do texto corresponde à minha tradução da versão italiana.

Publicada por Amor, Verdade e Vida em 15:48
Etiquetas: Direito Natural, Género, política, sexualidade


Pedro Vaz Patto
Juiz de Direito
Sexta-feira, 1 de Outubro de 2010

http://jesus-logos.blogspot.com/

Thursday, 30 September 2010

BCP FAVORÁVEL ÀS MEDIDAS DO GOVERNO



AUSTERIDADE

Economia cresce mais de 1% mesmo com medidas extra

Santos Ferreira


Finanças

BCP «favorável» às medidas do Governo.

Novo pacote de austeridade vai permitir financiamento da banca lá fora

O presidente do Millennium BCP aplaudiu esta quinta-feira as medidas mais duras para equilibrar as contas públicas anunciadas pelo Governo. O novo pacote de austeridade traça o caminho para permitir o financiamento externo do sistema financeiro.

«Desde abril que o sistema financeiro português não conseguia fazer emissões no mercado internacional nem de obrigações hipotecárias nem de divida sénior e não conseguia independentemente do mérito dos bancos, porque todas as possíveis entidades que poderiam subscrever esses empréstimos tinham preocupações sobre Portugal e sobre o cumprimento dos objectivos que o Governo tinha anunciado quer para 2010 quer para 2011», explicou Carlos Santos Ferreira, citado pela agência Lusa.

O mesmo responsável, que está em Macau para presidir à abertura da sucursal do banco que passou a operar no regime onshore, acrescentou que as medidas anunciadas pelo Executivo «podem permitir cumprir os objectivos anunciados (pelo Governo relativamente às contas públicas) e se isso for feito pode permitir o desbloqueamento externo da banca».

Se isso estiver resolvido «temos tempo de tratar da segunda fase que é desenvolvimento da economia». Se não for, «não haverá possibilidade de a um prazo curto financiar a economia».

Governo optor pelo «menor dos males»

Carlos Santos Ferreira defende que a opção política foi «escolher o menor dos males», mas já que se assumiu o risco agora há que «manter o rumo, tentar ultrapassar rapidamente esta fase que vai ser uma fase dura para as pessoas e tentar partir para um novo período de crescimento económico e de mais emprego».

Genericamente «favorável» às medidas governamentais para controlar o défice e as despesas, Carlos Santos Ferreira recordou, contudo, que muitos dos pontos anunciados precisam ainda de ser muito trabalhados e salientou que ficaria «muito satisfeito» se o que foi anunciado fosse desenvolvido, trabalhado e realmente executado.

Note-se que uma das medidas propostas pelo Governo é a introdução de um novo imposto sobre a banca, «em linha com a iniciativa em curso na União Europeia».

AGENDA FINANCEIRA 30-09-2010

http://www.agenciafinanceira.iol.pt/financas/bcp-santos-ferreira-banca-medidas-de-austeridade-orcamento-agencia-financeira/1195261-1729.html

MAIOR EXPORTADORA NACIONAL NÃO PAGA IMPOSTOS


AUSTERIDADE

Economia cresce mais de 1% mesmo com medidas extra

Empresas

Louçã denuncia: maior exportadora nacional não paga impostos

Wainfleet tem um volume de negócios de quase 3 mil milhões de euros e apenas quatro funcionários. Mas o número de telefone disponível não funciona

O líder do Bloco de Esquerda denunciou esta quinta-feira no Parlamento que a empresa nacional que mais exporta não paga um único cêntimo de impostos.

Durante o debate quinzenal que decorre no Parlamento, Francisco Louçã questionou o primeiro-ministro sobre o caso.

«Sabe qual é a empresa nacional que mais exporta? Não é a Galp nem a Autoeuropa. É uma empresa com um volume de vendas de quase 3 mil milhões de euros e que tem registados apenas quatro trabalhadores. Chama-se Wainfleet».

De acordo com a informação disponibilizada pelo Bloco de Esquerda aos jornalistas, esta empresa de prestação de consultoria e auditoria conta com um capital social de cinco mil euros, tem quatro funcionários no quadro e sede no edifício Marina Fórum, no Funchal.

«A empresa não tem pago nenhum imposto sobre os seus rendimentos. Nem um cêntimo. Zero», disse Louçã, desafiando José Sócrates a explicar aos portugueses porque é que se exigem tantos sacrifícios aos portugueses quando a estas empresas nada se exige.

A Agência Financeira tentou chegar à fala com a empresa, mas nem o número de telefone disponível na Internet funciona nem a Portugal Telecom tem registo de um contacto, nem via o nome da empresa nem sequer pela morada.

Segundo o «i», que no final da semana passada debruçou-se sobre os números desta empresa, a Wainfleet ocupa o primeiro lugar no ranking das maiores empresas nacionais por volume de vendas da Associação Empresarial de Portugal, Câmara de Comércio e Indústria, apesar de, segundo o relatório a que o jornal teve acesso, ter um capital social de apenas cinco mil euros e quatro trabalhadores.

O jornal revela outros dados curiosos: em dívidas, a empresa registou, em 2007, mais de 2,3 mil milhões de euros, o equivalente ao fundo de pensões da Portugal Telecom que foi ontem transferido para o Estado.

Como frisou Francisco Louçã, durante o debate quinzenal, uma vez que tem sede na Zona Franca da Madeira.

Numa pesquisa no Google pelo nome da empresa, apenas o «hotfrog», um portal agregador de empresas, nos remete para uma morada e um número de telefone. Esta consultora, especializada em auditorias e contabilidade, não tem sequer um site registado na web, o que pode ser pouco usual, mas menos ainda se pensarmos que, segundo o «i», a empresa - que se dedica à consultoria - vende mais mercadorias no valor de 3 mil milhões de euros.

O jornal revela ainda, na edição do passado dia 24, que o accionista único da empresa, com uma participação de 100% no valor de cinco mil euros, é designado por Benkroft Financial, LTD e está localizado numa offshore. O gestor da empresa, Sousi Herodotau, tem nacionalidade cipriota, mas a Wainfleet já teve um cidadão russo na gerência.


AGENDA FINANCEIRA 30-09-2010

PorPaula Gonçalves Martins

http://www.agenciafinanceira.iol.pt/empresas/bloco-de-esquerda-mainfleet-impostos-austeridade-agencia-financeira/1195384-1728.html

MUDANÇA DE SEXO: VALE DE ALMEIDA AVANÇA COM PROJECTO DE LEI


Parlamento: Esquerda viabiliza projectos de lei

Mudar de sexo e nome é mais fácil

O deputado socialista Miguel Vale de Almeida foi o relator da iniciativa legislativa do Governo

As pessoas a quem seja diagnosticada uma perturbação de identidade do género poderão, em breve, requerer as alterações do sexo e do nome próprio na conservatória do registo civil, sem ter de passar pelos tribunais. A sugestão consta de iniciativas legislativas do Governo e do Bloco de Esquerda (BE) que ontem foram debatidas no Parlamento e que já têm garantida a viabilização por uma maioria de esquerda.

A iniciativa do Governo prevê que as alterações do sexo e do nome próprio possam ser efectuada apenas mediante "um relatório elaborado por uma equipa clínica multidisciplinar de sexologia clínica que comprove o respectivo diagnóstico".

O projecto de lei do BE acrescenta a necessidade de se comprovar a ausência de transtornos de personalidade, que a pessoa em causa viva há pelo menos dois anos no sexo social requerido e que tenha estado, ou esteja, há pelo menos um ano em tratamentos hormonais com vista ao ajustamento das características físicas à identidade de género em que vive.

As iniciativas têm um objectivo comum: acabar com a discriminação dos transexuais. Foi em redor deste princípio que os partidos de esquerda se uniram no apoio a estas propostas.

Já o PSD, na voz da deputada Francisca Almeida criticou o facto de nenhum dos projectos ponderar a "irreversabilidade do processo ou que as pessoas tenham de abdicar das faculdades reprodutivas". A esquerda respondeu com acusações de promoção de "esterilização forçada". Já a deputada do CDS-PP Isabel Galriça Neto considerou que este assunto "não pode embarcar em experimentalismos".

CORREIO DA MANHÃ 30-09-2010

Por:Janete Frazão

http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/nacional/politica/mudar-de-sexo-e-nome-e-mais-facil