As empresas que não entregam ao Estado os descontos para a Segurança Social que fazem aos seus trabalhadores vão ter de responder criminalmente perante lei, mesmo que o montante seja inferior a 7.500 euros.
A decisão decorre de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) ontem publicado em Diário da República que veio dar resposta à polémica instalada depois de uma alteração à lei feita no Orçamento do Estado para 2009 (OE/09). Na prática, o Governo descriminalizou as dívidas fiscais por abuso de confiança até 7.500 euros. Isto é, os montantes que as empresas retêm na fonte de IRS, IRC e IVA e depois não entregam ao Estado só são considerados crime se forem superiores àquele valor.
A partir daí gerou-se a polémica sobre se a norma se aplicaria às dívidas até àquele montante à Segurança Social, crime que também está previsto no Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) (ver caixa de pontos ao lado). Além da controvérsia que gerou na própria Direcção-Geral dos Impostos (DGCI) pelas receitas que deixariam de entrar nos cofres do Estado e depois de serem definidas metas consideradas pelos funcionários como ambiciosas para a cobrança coerciva.
As teses em apreciação e a intervenção do MP
Com a polémica surgiram duas teses contraditórias nos tribunais de relação: uma que apoia que a norma deve aplicar-se também às dívidas à Segurança Social e outra segundo a qual as dívidas até 7.500 euros àquela entidade são assunto à parte e devem ser criminalizadas. Dada a discrepância de entendimentos, o Ministério Público (MP) levou a questão ao Supremo Tribunal de Justiça. O MP defende que a descriminalização representaria uma "flagrante contradição com as medidas legislativas de combate à fraude e às dívidas à Segurança Social". Além disso, o MP argumenta que, sendo o tecido empresarial maioritariamente constituído por pequenas empresas, com uma média de 10 trabalhadores, descriminalizar este tipo de dívida "conduziria a que fosse abrangida por essa descriminalização a larga maioria das contribuições em dívida à Segurança Social", constituindo ainda um factor de desequilíbrio do sistema.
Este argumento é, aliás, invocado pelo Ministério do Trabalho, que aplaude a decisão do STJ. Em declarações ao Diário Económico, o organismo liderado por Helena André, afirma que "dada a natureza dos crimes contra a Segurança Social, os valores em causa são inferiores aos 7.500 euros" e que "se a norma estabelecida para os crimes contra a administração tributária, que descriminaliza crimes de valor inferior a este valor, se aplicasse à segurança social, grande parte dos nossos processos deixariam de ser considerados como crime." Do outro lado, os defensores do 'perdão' defendem que sempre se pretendeu que o regime de punição fosse o mesmo e que o sistema de Segurança Social não ficaria em causa.
O Supremo Tribunal de Justiça veio agora esclarecer as dúvidas e definir que a descriminalização não se aplica às dívidas à Segurança Social até 7.500 euros. No entanto, a decisão não está livre de contestação. O fiscalista Carlos Almeida Lemos não concorda: "Não parece justo dever um cêntimo à Segurança Social e isso constituir crime e dever 7.400 euros ao Fisco e não ser criminalizado". "Trata-se de uma opção legislativa conservadora porque premeia uma inconsistência do legislador".
Publicado no Diário Económico a 24 de Setembro de 2010, por Paula Cravina de Sousa
http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=44373&related=1&ida=103268
A decisão decorre de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) ontem publicado em Diário da República que veio dar resposta à polémica instalada depois de uma alteração à lei feita no Orçamento do Estado para 2009 (OE/09). Na prática, o Governo descriminalizou as dívidas fiscais por abuso de confiança até 7.500 euros. Isto é, os montantes que as empresas retêm na fonte de IRS, IRC e IVA e depois não entregam ao Estado só são considerados crime se forem superiores àquele valor.
A partir daí gerou-se a polémica sobre se a norma se aplicaria às dívidas até àquele montante à Segurança Social, crime que também está previsto no Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) (ver caixa de pontos ao lado). Além da controvérsia que gerou na própria Direcção-Geral dos Impostos (DGCI) pelas receitas que deixariam de entrar nos cofres do Estado e depois de serem definidas metas consideradas pelos funcionários como ambiciosas para a cobrança coerciva.
As teses em apreciação e a intervenção do MP
Com a polémica surgiram duas teses contraditórias nos tribunais de relação: uma que apoia que a norma deve aplicar-se também às dívidas à Segurança Social e outra segundo a qual as dívidas até 7.500 euros àquela entidade são assunto à parte e devem ser criminalizadas. Dada a discrepância de entendimentos, o Ministério Público (MP) levou a questão ao Supremo Tribunal de Justiça. O MP defende que a descriminalização representaria uma "flagrante contradição com as medidas legislativas de combate à fraude e às dívidas à Segurança Social". Além disso, o MP argumenta que, sendo o tecido empresarial maioritariamente constituído por pequenas empresas, com uma média de 10 trabalhadores, descriminalizar este tipo de dívida "conduziria a que fosse abrangida por essa descriminalização a larga maioria das contribuições em dívida à Segurança Social", constituindo ainda um factor de desequilíbrio do sistema.
Este argumento é, aliás, invocado pelo Ministério do Trabalho, que aplaude a decisão do STJ. Em declarações ao Diário Económico, o organismo liderado por Helena André, afirma que "dada a natureza dos crimes contra a Segurança Social, os valores em causa são inferiores aos 7.500 euros" e que "se a norma estabelecida para os crimes contra a administração tributária, que descriminaliza crimes de valor inferior a este valor, se aplicasse à segurança social, grande parte dos nossos processos deixariam de ser considerados como crime." Do outro lado, os defensores do 'perdão' defendem que sempre se pretendeu que o regime de punição fosse o mesmo e que o sistema de Segurança Social não ficaria em causa.
O Supremo Tribunal de Justiça veio agora esclarecer as dúvidas e definir que a descriminalização não se aplica às dívidas à Segurança Social até 7.500 euros. No entanto, a decisão não está livre de contestação. O fiscalista Carlos Almeida Lemos não concorda: "Não parece justo dever um cêntimo à Segurança Social e isso constituir crime e dever 7.400 euros ao Fisco e não ser criminalizado". "Trata-se de uma opção legislativa conservadora porque premeia uma inconsistência do legislador".
Publicado no Diário Económico a 24 de Setembro de 2010, por Paula Cravina de Sousa
http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=44373&related=1&ida=103268